Divulgado nesta quinta-feira (19), um estudo do Observatório Covid-19 Fiocruz aponta que, em 2020, houve um aumento de óbitos maternos comparado aos anos anteriores no Brasil. O número, pode chegar a 40% a mais do que a estimativa para o período. Mesmo considerando a expectativa de aumento das mortes em geral em decorrência da pandemia de covid-19, o número ainda é 14% acima do que foi projetado. A pesquisa, que estimou o excesso de mortes maternas causadas direta e indiretamente pelo coronavírus no Brasil no ano de 2020, foi publicada na revista cientifica BMC Pregnancy and Childbirth.
Segundo o artigo, ao longo de 2020, o país registrou 549 mortes maternas por covid (que incluem grávidas e puérperas), a maioria durante o segundo e o terceiro trimestre de gestação. As chances de ser mulher negra, residir na zona rural e estar internada fora do município de residência entre os casos de óbitos maternos foram 44%, 61% e 28% maiores do que o grupo controle, respectivamente.
Durante o período, a qualidade da assistência à maternidade — que envolve questões como acesso, disponibilidade de recursos e práticas aceitáveis para o pré-natal, parto e puerpério — também influenciou no total de óbitos, assim como a falta de leitos de UTI para obstetrícia, independentemente de infecção por covid-19. Por isso, os pesquisadores tentaram identificar os fatores clínicos, sociais e assistenciais associados às mortes.
O trabalho utilizou dados do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe) para óbitos por covid-19 nos anos de 2020 e 2021, e comparou com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade no ano de 2020 (quando já havia pandemia) e nos cinco anos anteriores, para estimar o número esperado de mortes maternas no país.
De acordo com o pesquisador Raphael Guimarães, esse cenário compromete o desafio de alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), até 2030 em um panorama global.
— A rede de serviços parece ter sido mais protetiva às gestantes e puérperas, garantindo internações mais imediatas e direcionamento para a terapia intensiva e invasiva. Contudo, o atraso do início da vacinação entre as grávidas e puérperas pode ter sido decisivo na maior penalização destas mulheres. Destacamos ainda que o excesso de óbitos teve a covid-19 não apenas como causa direta, mas inflacionou o número de mortes de mulheres que não conseguem acesso ao pré-natal e condições adequadas de realização do seu parto no país — pondera o principal investigador do estudo.
Guimarães reflete que é importante reconhecer que a covid-19 não atingiu de forma homogênea todos os grupos sociais e demográficos. Isso significa que as estratégias de monitoramento e intervenção devem ser orientadas por perfis e demandas específicas, garantindo a premissa da equidade das políticas públicas, incluindo as políticas de saúde. O estudo mostrou que a morte materna é marcada pelas iniquidades sociais, que têm relação estreita com a oferta de serviços de qualidade.