A Secretaria Estadual da Saúde (SES) vai mapear os locais com pior desempenho no índice de vacinação de crianças no Rio Grande do Sul. Isso porque, em 2021, quase 30% das crianças não estavam com o esquema vacinal completo contra doenças como poliomielite e sarampo. No ano passado, a cobertura vacinal do Estado nas dez vacinas do calendário da Primeira Infância ficou em 66%. Em 2019, antes do início da pandemia e das medidas de distanciamento social, o índice de crianças vacinadas era 82,7% — ainda longe da meta de 95%.
De acordo com a chefe do Centro Estadual de Vigilância em Saúde da SES, Tani Ranieri, a queda na imunização tem particularidades em cada região.
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— Essas causas não são as mesmas em todos os lugares. Elas deverão ter diferenças territoriais e é isso que o Estado está propondo: montar um projeto para que a gente realmente possa trabalhar mais no nível local, vendo as particularidades e as causas que estão levando aquele território a uma baixa cobertura. E tentar trabalhar isso com a gestão municipal. No sentido de reverter esse quadro — detalha.
Segundo Tani, essas ações estavam previstas para serem implantadas em 2019. Mas, por conta da pandemia da covid-19, tiveram que ser postergadas.
— Mas ainda temos alguns meses e vamos implementar esse projeto, que esperamos que perdure no próximo governo. Isso porque se nós não melhorarmos os nossos quadros de cobertura vacinal, considerando todas as vacinas que compõem os calendários do ciclo de vida – criança, adolescente e adulto –, certamente estaremos sujeitos à reintrodução de doenças que já se tinham como eliminadas ou erradicadas, como aconteceu com o sarampo — reconhece.
Uma pesquisa, realizada em 2019 pelo governo gaúcho, apontou quais as principais questões que interferem na cobertura vacinal no Estado.
— Surgiram várias questões, como a desinformação. Como o cenário das doenças imunopreveníveis mudou no mundo, por conta da vacinação, acabou diminuindo a ocorrência das doenças, até mesmo desaparecendo. Isso passa uma ideia para a população de que elas não existem mais e que não precisa mais manter atualizado, por exemplo, o esquema vacinal do seu filho quanto à poliomielite. Isso porque a poliomielite passou a ser, para a maioria das pessoas, uma ameaça muito distante. Mas a gente sabe que isso não é uma verdade, uma vez que essas coberturas baixas reintroduziram muitas dessas doenças que já estava até em processo de erradicação — observa.
Para Carla Domingues, ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunização (PNI) do Ministério da Saúde, o Brasil não corre risco e, sim, já vive em risco.
— O exemplo concreto é o sarampo. O Brasil recebeu a certificação de país livre do sarampo em 2016. Dois anos com baixas coberturas foram suficientes para voltarmos a termos surtos do sarampo no nosso país. Em 2018, nós tivemos mais de 10 mil casos. No ano passado, foram 7 mil casos. Mais de dez óbitos. Óbitos que poderiam ser evitados se nós estivéssemos com todas as nossas crianças vacinadas. Do mesmo jeito que o sarampo voltou a circular no nosso país, nós podemos ter um novo surto de difteria e, mais assustador ainda, surtos de poliomielite que traz sequelas irreversíveis para as nossas crianças, com a paralisia infantil. Nós não podemos deixar que isso aconteça — defende.
A ex-coordenadora do PNI faz questão de não responsabilizar apenas um governo e destaca que o alerta vem sendo feito pelos agentes de saúde há tempo:
— Entra governo e sai governo e não se faz um movimento pra reverter essa situação. A ação de imunização deixou de ser prioritária no Brasil. E a gente não pode deixar que isso aconteça. Isso é responsabilidade federal, estadual, mas também é responsabilidade da sociedade. Nós precisamos que todo mundo esteja engajado nesse processo e garantir que a vacinação aconteça. O governo federal está comprando vacina. Está distribuindo. As salas de vacinas têm vacina. Mas a gente precisa que a população receba as vacinas, principalmente de acordo com a definição no calendário — ressalta.
Vacinas que compõe o calendário do PNI
- BCG (evita formas graves de tuberculose)
- Rotavírus humano (evita diarreia por rotavírus)
- Meningococo C (evita meningite C)
- Hepatite A e B
- Pentavalente (evita difteria, tétano, coqueluche, meningite e outras infecções causadas pelo Haemophilus influenzae tipo b)
- Pneumocócico (evita pneumonia provocada por Streptococcus pneumoniae)
- Poliomielite (evita paralisia infantil)
- Febre Amarela
- Tríplice Víral D1 (sarampo, rubéola e caxumba)
Porto Alegre longe da meta
A capital gaúcha também sofre com a redução na cobertura vacinal de crianças. De acordo com o coordenador da Vigilância em Saúde da prefeitura de Porto Alegre, Fernando Ritter, 79,8% das crianças menores de um ano estavam com o esquema vacinal completo em 2020. Já no ano passado, apenas 60% tomaram todas as doses. No entanto, a meta do governo federal é atingir 95% de cobertura.
Na vacinação contra a pólio, que tem duas campanhas por ano, foram imunizados 77,8% em 2020. Em 2021, foram apenas 61%.
— A gente percebe nitidamente essa redução também na vacina da gripe, da H1N1, que em crianças de seis meses a cinco anos a gente, em 2020, teve 59,25% e 48%, em 2021.
Ou seja, nem metade das crianças foram vacinadas no ano passado. Toda a campanha de mídia que tinha em função dessas vacinas foi substituída por uma campanha de conscientização contra a covid-19.
— Faço aqui uma convocação aos pais e às famílias para que procure as unidades de saúde, coloque os calendários vacinais em dia, pra que a gente não tenha aí crianças internadas por doenças simples, que praticamente estavam já sendo eliminadas do território gaúcho e do Brasil — apela.
“Vacina é barata, simples e segura”
Para o pediatra Daniel Becker, co-criador do Saúde da Família pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a vacina é fundamental pra prevenir doenças graves que podem matar ou deixar sequelas graves.
— A vacina é barata, é simples, é segura e extremamente efetiva e a melhor maneira da gente proteger nossas crianças e a população em geral. É uma medida também do ponto de vista econômico extremamente eficaz porque você gasta pouco e você previne gastos brutais com as doenças. Internar uma pessoa por difteria, por pólio ou por tétano, os gastos são enormes no SUS e você, além de além de evitar o sofrimento humano da pessoa, da sua família e da sua comunidade, você evita também gastos enormes, podendo redirecionar esse recurso pra outras ações governamentais importantes — avalia.
E ele faz um convite:
— Vamos todo mundo vacinar, bora dar uma força ao Zé Gotinha e resgatar a nossa cobertura vacinal e proteger nossas crianças.