Se nos últimos cinco anos a cobertura vacinal de crianças está em queda no Rio Grande do Sul, na década de 1980 uma operação de guerra foi montada para garantir a imunização dos pequenos em Porto Alegre. Isso porque, na época, o Brasil lutava para erradicar a poliomielite do território nacional. A solução encontrada pelo Ministério da Saúde foi vacinar, em um só dia, todas as crianças menores de cinco anos. A ideia era jogar a maior quantidade possível de material para tornar estéril o meio ambiente e, assim, “imunizar” também aqueles que não faziam parte do público-alvo.
Em Porto Alegre, uma grande mobilização foi montada para exterminar o vírus que provoca a paralisia infantil. Quem lembra é a enfermeira aposentada Maria Aparecida Müller Vilarino, 58 anos, a Cida, como ficou conhecida. Na campanha de 1980, ela era estudante de Enfermagem e acompanhou a movimentação.
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— Se vacinava nas sinaleiras, tinham barcos que levavam até as ilhas para vacinar as crianças. Nos supermercados. Era um grande vai e vem. Por ser uma vacina oral, era mais fácil a organização da campanha. Não só enfermeiros e técnicos, mas também médicos trabalhavam, odontólogos, até o Exército também ajudava muito nessas campanhas — lembra.
Foi com essa memória que a Cida liderou, depois, diversas campanhas de vacinação na Capital. Por 17 anos ela trabalhou no setor de Imunizações da Secretaria Municipal da Saúde, onde foi coordenadora.
— Era um dia de festa, colocavam balões, levavam pirulitos (os dentistas não gostavam muito!). Era uma festa para os profissionais da saúde também. Um dia de confraternização. O Zé Gotinha mobilizava muito. Era o que motivava tanto os pais quando crianças e a sociedade de uma maneira geral — recorda.
No entanto, essa força das grandes campanhas de imunização foi se perdendo aos poucos.
— Antes, tu tinhas uma campanha específica. Tu tinhas algo para combater, que era a pólio. E quando tu fazes uma campanha de multivacinação, tu não tens um foco, são várias estratégias numa única campanha — observa.
Para Cida, a ausência das doenças – erradicadas por conta da vacina – faz com que muitos pais não tenham mais essa urgência pela imunização, reduzindo as coberturas vacinais.
— Mas a gente sabe se começa a baixar a cobertura vacinal o vírus, os vírus e as bactérias podem começar a circular novamente — pondera.
Outro ponto levantado pela enfermeira para a redução na procura pelos imunizantes é em relação à motivação dos profissionais de saúde. Cida conta que, antes dos anos 2000, a cultura da vacina era algo muito enraizado nos profissionais saúde.
— Porque eles também viveram perto da doença. E isso foi se perdendo. Profissionais foram se aposentando, estruturas do serviço de saúde novas. A gente põe muito a responsabilidade nos pais, mas existe a responsabilidade também do profissional da saúde. Até que ponto ele está mobilizado, está motivado pra trabalhar em vacina. Que é muito complexo, viu? Não é só aplicação. Tem todo um processo dentro de uma sala de vacinas, investigar possíveis doenças que aquela criança possa ter — destaca.
Aposentada há cinco anos, Cida acompanhou de camarote a mobilização dos ex-colegas na campanha de vacinação contra a covid-19. Mesmo de longe, ela é taxativa:
— Se não fosse a vacinação nas farmácias, em parceria com farmácias, a gente não teria dado conta de vacinar todo mundo — avalia.
Como é o esquema vacinal contra a poliomielite
- No Brasil, o esquema completo prevê que a criança receba cinco doses.
- As três primeiras são feitas com a vacina de vírus inativado, também chamada de vacina Salk, em alusão ao seu inventor, o americano Jonas Salk. Também é conhecida por VIP, sigla para vacina inativada poliomielite. A dose é por injeção, aos dois, quatro e seis meses de idade, e protege contra os três tipos conhecidos desse vírus.
- Duas doses de reforço devem ser recebidas com a vacina de vírus atenuado, a popular gotinha: entre os 15 e os 18 meses e, depois, aos quatro anos.