Vincent van Gogh, Winston Churchill, Ernest Hemingway, Virginia Woolf, Kurt Cobain. Pintavam, compunham e escreviam deleites. Além do talento, todos eles tinham (ou tiveram) o mesmo diagnóstico: transtorno bipolar. Ainda pouco conhecida, esta doença crônica atinge cerca de 10% da população e é considerada uma das principais causas de incapacidade, conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Nesta quarta-feira (30) – data de aniversário do pintor holandês Van Gogh – marca o Dia Mundial do Transtorno Bipolar, no qual vale destacar os sintomas: humor instável e sem motivo aparente, estresse ou depressão, euforia e ansiedade ou tristeza.
Segundo o psiquiatra e neurocientista Diogo Lara, as mudanças de humor são fundamentais ao ser humano, pois servem como um sistema de adaptação ao meio ambiente. É resposta previsível e estável a algum estímulo que a pessoa sofra.
– O humor saudável ajuda a gente se adequar ao contexto. Se a pessoa tem transtorno, ela dança fora do ritmo. Ela tem um humor desregulado e desconectado do contexto – explica.
O transtorno bipolar faz com que o paciente reaja de forma inesperada e intensa a alguns estímulos. E isso é o que difere a doença de outros problemas pontuais. Estas atitudes exageradas de quem sofre do transtorno podem levar a situações vergonhosas ou até arriscadas.
– No aspecto eufórico, existe essa inflação, tudo é grande, intenso, especial. Assim como um torcedor pode extrapolar a emoção comemorando a vitória de um título – destaca Lara.
Doença crônica, o transtorno de humor bipolar prejudica a vida do paciente no trabalho, nos relacionamentos afetivos e na escola, e até mesmo causa declínio cognitivo se não for acompanhado por tratamento médico.
– A pessoa tem mesmo a sensação de que está mais inteligente, mais criativa, fazendo mais coisas, mas isso é muito subjetivo. Ela dimensiona de modo errado no momento sintomático, de mania, e começa muitos projetos, sem terminar. Ela pode, de fato, executar mais, o problema é a qualidade disso. Vemos isso no Schubert (compositor austríaco), por exemplo. Percebemos que, nessas fases, a produção aumenta, mas não são as obras de maior qualidade – explica Doris Hupfeld Moreno, psiquiatra e pesquisadora do Grupo de Doenças Afetivas do Instituto de Psiquiatria do Hospital de Clínicas da USP.
O transtorno de humor bipolar é uma doença da qual ainda não se sabe muito sobre as causas e não há exames que possam comprovar o diagnóstico. Conhecida pela alternância entre fases de mania e depressão, a enfermidade apresenta um rol de sintomas e nuances que não se restringem à oscilação de humor e que tornam o diagnóstico mais complicado. No Brasil, uma pessoa com o problema demora, em média, seis anos para descobrir que sofre com a doença.
Bipolaridade e a infância
As crianças que têm o transtorno bipolar são invadidas por uma montanha-russa de sentimentos sem que possam, muitas vezes, compreender exatamente o que estão sentindo.
– Atualmente, o que se sabe é que de 20% a 40% dos adultos com o transtorno já apresentavam sintomas quando criança. Essa informação é muito importante, pois, o quanto antes o problema for tratado, menores são os prejuízos que a pessoa tem ao longo da vida – explica Silzá Tramontina, psiquiatra de crianças e adolescentes do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
As crianças costumam apresentar uma conjunção de sintomas como impulsividade, irritabilidade e dispersão, e podem variar de humor de forma muito mais rápida e intensa que os adultos. Em um mesmo dia podem apresentar períodos de euforia e outros de apatia e baixa autoestima.
– As formas como os sintomas costumam aparecer também são diferentes. Por exemplo, enquanto um adulto bipolar pode querer mandar ou mesmo agredir o próprio chefe se estiver grandioso e eufórico, uma criança nessa situação pode brigar com o professor sobre como é o jeito certo de dar aula para a turma, ou andar perigosamente de skate na contramão dos carros por achar que nada de mal acontecerá a ela – explica o psiquiatra de crianças e adolescentes Andre Kohmann, do Hospital Santa Casa de Porto Alegre.
Principais características do transtorno bipolar
- Autonomia do humor: o paciente sofre variações de humor que não estão adequados ao momento em que vive ou ao estímulo que sofre;
- Instabilidade: picos de euforia podem alternar com tristeza e ansiedade ou medo;
- Excessos: o paciente extrapola as emoções e pode ter excessos comportamentais como vício em jogos, drogas, sexo, compras;
- Exposição: pessoas bipolares acabam se expondo a riscos ou situações desagradáveis;
- Impulsividade: é comum em pessoas que sofrem da doença agir por impulso.
Aspectos que diferem da depressão
Quando um bipolar está com o humor em baixa, é comum apresentar sintomas de depressão como a falta de vontade de fazer as coisas. Porém, quando alguém sofre de depressão, não apresenta forte euforia, impulsividade e irritabilidade, apenas tensão, ansiedade e tristeza.
– Algumas pessoas confundem, pois a ansiedade e a tensão são os sentimentos mais comuns ao longo da vida de pacientes que sofrem de transtorno bipolar – afirma psiquiatra e neurocientista Diogo Lara.
O psiquiatra alerta também que a bipolaridade pode se manifestar depois de muitos anos e não só com mudanças bruscas de humor, que podem ocorrer em um mesmo dia. Somente a avaliação de um profissional especializado pode diagnosticar o problema.
– Essa bipolaridade muitas vezes não é identificada de forma correta, e o tratamento com anti depressivos induz uma virada de humor, para o lado da euforia – explica o psiquiatra.
Como é feito o diagnóstico
- A avaliação clínica é feita com o paciente e um familiar.
- Alguns indicadores: temperamento mais forte ou dinâmico, excessos comportamentais, irritabilidade e histórico na família de excessos ou transtorno bipolar.
Como é o tratamento
- Medicamentos estabilizadores de humor.
- Psicoterapia e reeducação de hábitos como exercícios físicos e rotinas pré-definidas para regular o comportamento.
Para ficar bem, o paciente de transtorno de humor bipolar precisa se conscientizar de que, depois do diagnóstico, não deve mais abandonar a medicação e, também, fazer mudanças no estilo de vida. A doença tem forte componente genético - nos casos em que um familiar de primeiro grau tem o transtorno, aumenta-se de 1% para 10% os riscos de ter a doença -, mas também pode ser influenciada por muitos fatores ambientais. Sono desregulado, estresse, uso de drogas e abuso de álcool podem ajudar a desencadear crises.
– Em primeira instância, vem o medicamento, mas, em geral, associações de familiares conseguem cumprir uma parte que nosso sistema de saúde não cumpre. Elas ajudam a pessoa a conviver melhor com a sua doença. Para que a aceite melhor, por meio de palestras psicoeducacionais e grupos de autoajuda.