A campanha Março Roxo, promovida pela Associação Brasileira de Epilepsia (ABE), quer conscientizar a população sobre a doença que acomete 2% da população no Brasil e afeta em torno de 50 milhões de pessoas em todo o mundo, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS).
A iniciativa internacional começou no Canadá, em 2008, baseada no relato da menina Cassidy Megan, que compartilhou seu sentimento de solidão por ter epilepsia. A cor roxa foi escolhida em alusão à lavanda, flor ligada ao sentimento de isolamento descrito por Cassidy. No dia 26 de março, é comemorado o Dia Internacional de Conscientização sobre a Epilepsia, o Purple Day.
O objetivo da campanha é mostrar que a empatia é tão importante para a pessoa com epilepsia quanto o tratamento, e que a falta de informação e o preconceito podem impactar fortemente a qualidade de vida das pessoas com epilepsia, disse, à Agência Brasil, o vice-presidente da ABE, Lecio Figueira. A estimativa é de que até 70% das pessoas com epilepsia no mundo não recebem diagnóstico e tratamento adequados, segundo o neurologista.
O neurocirurgião pediátrico Ricardo Santos de Oliveira, orientador pleno do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, explica que “a epilepsia é uma doença neurológica caracterizada por descargas elétricas anormais e excessivas no cérebro, que são recorrentes e geram as crises epilépticas”:
— Para considerar que uma pessoa tem epilepsia, ela deverá ter repetição de suas crises epilépticas. Portanto, a pessoa poderá ter uma crise epiléptica (convulsiva ou não) e não ter o diagnóstico de epilepsia.
Lecio Figueira aponta que as doenças neurológicas mais frequentes são o acidente vascular cerebral (AVC), as dores de cabeça e a epilepsia. Esta última é vítima de um estigma.
— A maior parte das pessoas com epilepsia não têm alteração cognitiva significativa ou deficiência mental, toma o medicamento apropriado para a doença que controla as crises e toca a sua vida. São pessoas produtivas, casam — comenta Figueira. — Não se trata de uma doença mental, mas de uma doença ligada ao funcionamento do cérebro.
A maneira melhor de traduzir a doença é dizer que se trata de um curto-circuito cerebral, afirma o neurologista. Essa ativação anormal do cérebro leva aos sintomas, que variam:
— A crise pode ser uma alteração da visão, uma sensação esquisita, uma saída fora do ar, só a mão da pessoa ficar tremendo. Quando a ativação é mais ampla e pega todo o cérebro, pode levar a uma convulsão. A pessoa cai no chão, se debate, fica roxa, baba, pode morder a língua.
Conforme a Associação Brasileira de Epilepsia, as causas muitas vezes são desconhecidas, mas podem ter origem em uma lesão cerebral, provocada por traumatismos, hemorragias ou infecções, além do abuso de substâncias como álcool e drogas. Há também a possibilidade de má-formação congênita.
Crises e controle
A epilepsia não tem cura, mas a maior parte das epilepsias tem controle com medicação. Lecio Figueira assegura:
— É como acontece com a maior parte das doenças crônicas, como colesterol alto, diabetes e hipertensão. Você não cura essas doenças, mas consegue controlar e ter uma vida normal.
É possível que as crises nunca voltem a aparecer. Quando não há novos registros por 10 anos, sendo cinco deles sem o uso de medicamento para o controle, a epilepsia é considerada resolvida.
A doença é definida por crises epilépticas. A pessoa deve ter, pelo menos, uma crise na vida e um risco alto de voltar a ter crise.
— Você não precisa ter crise toda hora, convulsão toda hora, para dizer que tem epilepsia. Basta ter tido uma crise na vida, ter um risco alto de voltar a ter e precisar tomar remédio para controlar esse risco — afirma o neurologista. — O fato de você nunca ter tido uma convulsão não quer dizer que você não tem epilepsia.
Dependendo da região do cérebro em que houver a ativação, uma criança pode ter uma pequena desligada e depois voltar ao normal, meio confusa; pode ficar com olhar meio perdido e não responder aos chamados; pode fazer movimentos sem propósito com as mãos.
Como cada região do cérebro tem uma função, há diversas tipos de crises epilépticas. Figueira diz que a epilepsia pode começar em qualquer época da vida. Atualmente, como há mais idosos na população, é mais comum iniciar na terceira idade, superando a infância.
Pelo menos 70% das pessoas controlam a epilepsia com medicação. Como as pessoas com epilepsia têm predisposição a voltar a ter crise, a recomendação é de que o medicamento tenha uso contínuo, ou seja, seja tomado todos os dias, como prevenção. De qualquer modo, o vice-presidente da ABE diz que o uso dos remédios tem de ser discutido caso a caso com o médico, dependendo do tipo de crise e da atividade da pessoa.
A perda de controle de uma parte do corpo, que começa a se mexer sozinha, pode ser uma crise de epilepsia. O mesmo ocorre com episódios repetidos de alteração da consciência, em que a pessoa fica fora do ar.
O neurocirurgião pediátrico Ricardo Santos de Oliveira lembra que a epilepsia não é uma doença contagiosa e diz que existem situações que podem predispor ao aparecimento de uma crise convulsiva – por exemplo, febre, estresse, uso de drogas, distúrbios metabólicos, privação de sono e estímulos visuais excessivos.
— E um episódio único de crise convulsiva não pode ser considerado diagnóstico de epilepsia — reforça.
O peso do estigma
Entre as consequências da falta da empatia para a pessoa com epilepsia está a desesperança, que pode gerar uma sensação de solidão e perspectivas negativas em quem tem a doença. A autoestima fica prejudicada. Segundo a ABE, esse é um dos principais problemas em qualquer fase.
Apesar dos tratamentos disponíveis e da possibilidade de desempenho normal de atividades no dia a dia, a forma negativa como a sociedade ainda trata a doença leva o paciente a se questionar ou a evitar situações. A associação da epilepsia à doença mental faz ainda com que o paciente seja considerado incapaz. Ele acaba não revelando que tem a doença, o que dificulta a luta por direitos.
Como ação individual, buscar informações e conhecimento é a melhor forma de contribuir para a inclusão de pessoas com epilepsia. Uma questão básica é não chamar alguém com esse transtorno de epilético, pois é um termo que reduz a pessoa a sua doença. Além disso, procurar entender causas, como agir no caso de presenciar uma crise e como funciona o tratamento são atitudes que podem evitar perguntas inconvenientes e desmistificar a epilepsia.
Os quatro tipos de crise
Nas crises, durante alguns segundos, os neurotransmissores emitem sinais incorretos que alteram momentaneamente o funcionamento cerebral. Pode haver reflexos diferentes, como perda da consciência ou do controle motor, ou combinações desses sintomas.
- Crise de ausência – Ocorre quando a pessoa se apresenta desligada por alguns instantes. Geralmente ela retorna ao que estava fazendo em seguida.
- Crises parciais simples – É quando o paciente apresenta distorção de percepção, podendo perder o controle dos movimentos de uma parte do corpo. Pode estar associada com sensação de medo e mal-estar no estômago.
- Crise parcial complexa – É um quadro semelhante ao anterior, porém com perda da consciência. Quando a pessoa volta, pode apresentar confusão e perda da memória.
- Crise tônico-clônica – Há perda da consciência. Pode haver queda, com o corpo ficando rígido, com movimentos nas extremidades corporais, como contração e tremor.
Como agir para ajudar
Em episódios epiléticos que duram mais de cinco minutos, a recomendação é a procura por atendimento médico. Antes disso, é importante saber como agir para deixar a pessoa segura durante a crise.
- Manter a calma é fundamental, além de tranquilizar outras pessoas que podem estar próximas.
- Todas as ações devem ser feitas para preservar a integridade do paciente que está enfrentando uma convulsão.
- A orientação inicial é evitar que a pessoa caia no chão, mas deitá-la, de costas, e colocar sob sua cabeça algo macio.
- Não se deve segurar a pessoa para que ela não se mexa, mas é importante manter a cabeça virada para o lado, para evitar que ela se sufoque, e a barriga voltada para cima.
- Outra atitude importante é afastar tudo que pode gerar algum risco para a pessoa que está convulsionando.
- Também é permitido afrouxar as roupas.
- Fique ao lado da pessoa até a crise passar e controle o tempo. Se em cinco minutos o evento não terminar, acione um médico.
- Depois que acabar, deixe a pessoa descansar por um tempo e, se possível, permaneça à disposição.
- Não tente colocar nada dentro da boca da pessoa, não jogue água, não aproxime nada do seu rosto e não dê tapas.