Pediatras e infectologistas consultados por GZH são favoráveis à inclusão das crianças de cinco a 11 anos no plano nacional de vacinação contra o coronavírus e ao intervalo de três semanas entre as duas doses, indicado pela bula da vacina da Pfizer, contrariando a indicação do Ministério da Saúde de oito semanas entre as aplicações. O motivo para isso é a atual situação do Brasil, com a explosão de casos de covid-19 a partir da variante Ômicron.
Para a infectologista Raquel Stucchi, professora da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), o Brasil não tem condições de seguir a indicações do estudo realizado pelo Canadá, que ainda não foi publicado, mas foi apresentado pelo Ministério da Saúde na quarta-feira (5), durante o anúncio da vacinação em crianças. O estudo aponta que prolongar o intervalo entre a primeira e a segunda dose pode aumentar a proteção. Porém, Raquel afirma que o país não tem tempo para essa espera.
— No Brasil, neste momento, a minha opinião é de que não estamos numa situação de controle da pandemia. Muito pelo contrário, temos um aumento dos casos, as nossas enfermarias e as nossas UTIs pediátricas estão com crescimento das internações por quadros respiratórios, muitos deles secundários à covid-19, temos retorno das atividades presenciais escolares e que devem ocorrer ainda neste mês. Então, temos pressa, sim, em vacinar nossas crianças — explica.
Mesma opinião tem o pediatra e infectologista Marcelo Otsuka, integrante da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Ele reconhece que o aumento do intervalo pode aumentar a eficácia vacinal, como já ocorre com os adultos. Porém, se as vacinas forem feitas no período de três semanas, a resposta imunológica seria maior já no início das aulas.
Otsuka lembra ainda que estudos feitos nos Estados Unidos apontaram que, para 7 milhões de doses aplicadas em crianças, somente oito casos tiveram relatos de miocardite. Ainda assim, com boa evolução e sem necessidade de internação, com cura completa.
— Quando pensamos no Brasil, considerando a população pediátrica que teve a infecção pelo coronavírus, podemos ver que a síndrome inflamatória multissistêmica (SIM-P) foi relatada em mais de 1,2 mil crianças, com mais de 80 indo a óbito. Na SIM-P, um dos grandes problemas que vemos é a miocardite. Ou seja, teoricamente, tivemos perto de 1,2 mil crianças com miocardite, devido a uma complicação do coronavírus, que é a SIM-P. Ou seja, se essas crianças que tiveram miocardite pela vacina tivessem tido a infecção, como seria o comportamento? Teriam miocardite muito mais grave? Então, é interessante entendermos que o número de casos de miocardite pela vacina não justifica prolongar o intervalo entre as doses da vacina. E não é feito, a princípio, em nenhum lugar do mundo por conta disso — afirma Otsuka.
Ao contrário dos demais entrevistados, a vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim), a pediatra Isabella Ballalai, não vê problema em ampliar o intervalo entre as doses para oito semanas, já que a eficácia seria maior e o governo, de qualquer forma, não teria tempo hábil para vacinar todos os pequenos antes do início das aulas.
— Será preciso protocolos mais rígidos nas escolas nesta volta ao estudo presencial. Temos estudos que mostram que o intervalo maior aumenta a presença de anticorpos, é mais eficaz e reduz a possibilidade de miocardite. Apesar de a miocardite ser um evento muito, mas muito raro, com este aumento do intervalo, esse risco fica ainda menor — justificou.
Ao todo, o Brasil receberá pouco mais de 3,7 milhões de vacinas ainda neste mês. Serão três lotes de 1,248 milhão de doses cada um. A primeira remessa deve chegar ao país em 13 de janeiro. A expectativa é de que as primeiras doses sejam enviadas aos Estados e municípios a partir de 14 de janeiro.
Do primeiro lote, cerca de 60 mil doses devem vir para o Rio Grande do Sul. Segundo a secretária estadual da Saúde, Arita Bergmann, caso as doses sejam enviadas ao Estado na data prevista, o governo gaúcho pode dar início ao repasse aos municípios em 17 de janeiro.
Vacina é segura
Em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, desta quinta-feira (6), a infectologista pediatra Sonia Maria de Faria, do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, declarou que a volta às aulas de forma segura está diretamente ligada à vacinação contra a covid-19 em crianças. Segundo a especialista, não há motivos para os pais temerem vacinar seus filhos.
— Para a vacina ser licenciada, como foi essa para crianças, ela precisa ser muito bem avaliada. Ela passa por testes. Todas as fases foram cumpridas, mesmo que de forma acelerada. Durante todas essas etapas, ela se mostrou segura e eficaz, que é o que se exige de uma vacina — diz.
Sonia destacou ainda que o uso da vacina será monitorado em longo prazo, assim como os demais imunizantes usados no público adulto e adolescente.