Ao se tornar o terceiro Estado brasileiro com 70% da população com duas doses ou dose única contra a covid-19, o Rio Grande do Sul se vê diante de dois desafios essenciais para manter o controle da pandemia: reduzir o número de pessoas com a segunda e a dose de reforço atrasadas em uma campanha que perdeu velocidade no último mês.
Até esta quinta-feira (9), 80,6% dos gaúchos receberam uma dose, 70% completaram o esquema vacinal e quase 12% receberam terceira dose ou reforço, segundo estatísticas da Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS). A cobertura, superior à de nações ricas, é comemorada por autoridades e especialistas.
No entanto, se quase 7,7 milhões de gaúchos completaram o esquema vacinal e 1,37 milhão receberam a terceira dose, ainda restam 849.428 pessoas com a segunda dose atrasada e 663.758 com o reforço atrasado, segundo estatísticas oficiais.
Como mostrou GZH, a avaliação de analistas é de que, passado quase um ano de campanha, o Estado chegou ao teto de pessoas interessadas pela primeira dose - quase 96% da população adulta. Quem ainda não buscou a primeira injeção, entendem especialistas, são negacionistas, que dificilmente serão convencidos.
Mas há grande margem para reduzir a abstenção de segunda e terceira dose de pessoas que não se vacinaram, geralmente por motivos contornáveis: esquecimento, falta de tempo, sensação de que a pandemia acabou, medo de reações adversas ou por morar longe de um ponto de vacinação.
A meta do Ministério da Saúde é vacinar 90% dos adolescentes e adultos aptos a receberem as doses — no Rio Grande do Sul, 82% das pessoas com 12 anos ou mais receberam duas doses.
Os números são puxados para baixo pelos adolescentes entre 12 e 17 anos: apenas 31% receberam a segunda dose, contra 87% dos adultos. Porto Alegre, com uma das melhores coberturas vacinais entre capitais, está com cerca de 74% da população com esquema completo.
— Temos uma redução natural na velocidade da campanha: aqueles que queriam se vacinar já se vacinaram, e outros têm atrasado a segunda ou a terceira dose. Quando a pandemia melhora, as pessoas relaxam, acham que não precisa, esquecem. Estamos em busca de todos que estão com atraso, fornecemos regularmente aos municípios a lista de todo mundo que está com atraso, o que facilita a busca ativa — explica Ana Costa, secretária-adjunta da Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS).
A médica infectologista Danise Senna Oliveira, professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), destaca que a perda de velocidade na aplicação da segunda dose no último mês pode ter ocorrido porque cresceu o número de pessoas buscando a terceira aplicação, sobrecarregando trabalhadores da saúde.
Para a infectologista, autoridades precisam manter o foco em aplicar segunda e terceira dose, mas, se for preciso escolher, é preferível buscar os idosos que ainda não receberam a terceira vacina, uma vez que é a faixa etária mais vulnerável.
Dados da SES-RS mostram que pouco mais de 1 milhão de idosos tomaram a dose de reforço — a estimativa é de que haja 2,1 milhões de pessoas com 60 anos ou mais no Rio Grande do Sul.
— Temos que levar de forma paralela. A segunda dose é importante, mas temos que ganhar ritmo na terceira dose, sobretudo em idosos, com a chegada da Ômicron. Eu talvez optasse por focar na terceira dose entre idosos, porque é onde temos a maior mortalidade. Entre os que fizeram a CoronaVac lá no início, vai perdendo a eficácia. Mas também vemos pessoas mais jovens acometidas pela doença, já que se diminuiu a preocupação com o distanciamento social. É uma decisão difícil — afirma a médica.
Adota visão distinta Ricardo Kuchenbecker, médico epidemiologista no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Entre focar esforços em aplicar a terceira dose e oferecer a segunda dose a quem está com esquema em atraso, governos devem focar na segunda opção, ele sustenta:
— As evidências mostram que duas doses são suficientes para evitar internações e óbitos, mesmo para a Ômicron, além de diminuir a possibilidade de surgirem cepas resistentes. Temos que estabelecer prioridades. A terceira dose precisa ser utilizada, mas a prioridade precisa ser completar a segunda dose — afirma Kuchenbecker.
Para Ana Costa, porta-voz do governo do Estado, o Rio Grande do Sul ainda não atingiu o teto de pessoas a receberem a segunda dose, diferentemente de países europeus, que estancaram a vacinação após atingir entre 65% e 70% da população com esquema completo. Prefeituras, defende ela, devem focar a busca ativa nos mais vulneráveis:
— Precisamos estar focados nas pessoas com maior risco de morrer, que são os adultos que ainda não tomaram segunda dose e os idosos e imunossuprimidos que não tomaram o reforço. São eles que estão nos hospitais. A dose de reforço é imprescindível para idosos e imunossuprimidos, após seis meses da segunda dose há grande queda de imunidade — afirma a secretária-adjunta da Saúde do Rio Grande do Sul.
A pandemia, destacam analistas, melhorou, mas não acabou. No Rio Grande do Sul, a média móvel é de menos de 20 vítimas diárias para a covid-19 — no ápice da epidemia, eram mais de 300. No entanto, com a chegada das festas de fim ano e da variante Ômicron, completar o calendário vacinal é essencial para evitar o luto justamente no fim de ano.