A despeito de ser o terceiro Estado que mais vacina no país, há duas semanas o Rio Grande do Sul empacou em um alto patamar do qual não consegue avançar: 95% da população adulta com uma dose, de acordo com dados da Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS). As estatísticas mostram que um teto parece ter sido atingido: 5% dos gaúchos adultos não receberam nenhuma dose de imunizante contra a covid-19.
Os dados conversam com pesquisa do Datafolha, divulgada em julho e usada como referência por especialistas e governos de todo o país, segundo a qual 5% dos brasileiros não queria se vacinar e 1% não sabe. A pesquisa mostrou ainda que a maior rejeição ocorre entre apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que critica imunizantes e declarou que não irá se vacinar.
— Acredito que chegamos ao teto. A gente não vai conseguir atingir 100% de cobertura, a literatura aponta que os antivacina são entre 5% e 7% da população. Estamos mais preocupados com as pessoas que tomaram a primeira dose e ainda não completaram o esquema vacinal. O fato de vacinarmos 95% da população adulta com a primeira dose é um tremendo sucesso. No geral, adultos não aderem tanto à vacinação, e sim crianças e idosos. Atingir esse percentual em adultos é muito além do que a gente poderia esperar — pontua Tani Ranieri, chefe da Divisão de Vigilância Epidemiológica do Estado.
Até esta quinta-feira (25), o Rio Grande do Sul aplicara a primeira dose em 80,1% de toda a população e completara o esquema vacinal de 67,5% de todos os gaúchos, uma cobertura mais alta do que Suíça e Áustria, quase igual ao Reino Unido, à Alemanha e à Suécia, mas abaixo de França, Itália, Espanha e Portugal.
Parcela dos não vacinados alega medo de reações adversas, sensação de “fim de pandemia” e negacionismo para não se vacinar, relataram prefeituras em sondagem da Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS) e do Conselho de Secretários Municipais do Rio Grande do Sul (Cosems-RS), divulgada no último dia 19. Gestores e analistas afirmam que os dois primeiros grupos, ao menos, podem comparecer aos postos de saúde mediante informação e esclarecimento.
De fato, o Estado chegou a permanecer quase um mês com 94% da população adulta com uma dose, como mostra o gráfico a seguir, mas os dados indicam que esse 1% dos adultos foi convencido a se vacinar contra o coronavírus.
O epidemiologista Pedro Hallal, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), destaca que 95% de adesão da população adulta à primeira dose é um patamar “altíssimo” e que, a despeito dos 5% refratários à vacinação, a pandemia poderá ser controlada se os que receberam a primeira dose tomarem a segunda dose e o reforço.
— Chegamos perto de um teto. Não podemos esquecer que temos um presidente que quase uma vez por semana faz declarações dando a entender que ela não é segura, é experimental ou causa HIV. Mas esse movimento “flopou”, só consegue atingir 5% das pessoas. É preciso dizer: elas não vão estragar tudo. Dá para controlar a epidemia sem elas. Precisamos garantir que o grande bloco de vacinados esteja permanente imunizado, com o número de doses necessário no momento — diz Hallal.
As estatísticas ainda mostram que a adesão às vacinas é menor quanto mais jovem o indivíduo, como mostra o gráfico a seguir. Entre adultos, a cobertura menos favorável é entre 20 a 24 anos – 90% de primeira dose. A meta do Ministério da Saúde é vacinar 90% de cada público apto à vacinação.
A epidemiologista Anaclaudia Fassa, diretora da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), pontua que é mais difícil elevar a cobertura vacinal rapidamente quando restam poucas pessoas a serem encontradas e que a experiência de outros países mostra que, neste momento, o controle envolve não apenas alta vacinação, mas uso de máscaras e certo distanciamento entre as pessoas.
— Temos municípios do Rio Grande do Sul com menos de 85% de cobertura de primeira dose. Temos que olhar esses lugares caso a caso. Ainda há espaço de vacinar jovens entre 18 e 24 anos. Agora é o momento de o poder público ir atrás de quem ainda não se vacinou — afirma.
Presidente do Conselho de Secretários Municipais do Rio Grande do Sul (Cosems-RS), Maicon Lemos afirma que os municípios ainda disponibilizam vacinas para quem não recebeu nenhuma dose, mas a procura é baixa. Segundo ele, o público que mais preocupa no momento são os adultos jovens, principalmente os que têm entre 25 e 35 anos.
— Está neste grupo, hoje, o maior quantitativo de pessoas que não procuraram a segunda dose. Os municípios estão vacinando em diferentes horários, em sábados, domingos, feriados. É preciso que os jovens acompanhem o que está acontecendo em outros continentes. Na Europa, na Ásia, já temos suficientemente claro um quarto momento difícil da pandemia, e os mais prejudicados são os que não estão vacinados e os que estão com o esquema incompleto. É importante que esse público busque a vacinação.
Conforme previsto por especialistas, brasileiros demonstram alta adesão às vacinas, que gozam de boa reputação após vencerem graves problemas de saúde pública, como o sarampo e a paralisia infantil. A existência do Sistema Único de Saúde (SUS), que organiza a logística das doses e leva imunizantes aos postos de saúde e à casa da população, também é apontada como essencial para o bom desempenho.
Mas duas regiões gaúchas, em específico, preocupam: Bagé e Taquara, que receberam aviso do governo do Estado, primeiro passo do sistema 3As, justamente por terem estagnado na vacinação.
A região covid de Taquara é a que tem menor proporção de pessoas com uma dose (69,8%) e esquema completo (54,5%). A região covid de Bagé é a segunda pior, e desde a metade de outubro a proporção de pessoas com duas doses não passa dos 60%.
— Ter faixas etárias com altas coberturas e outras, com baixa cobertura, cria a possibilidade de circulação do vírus naquele segmento da população. Municípios com baixa cobertura criam a possibilidade de surtos. Além da alta cobertura, é importante ter cobertura alta e igualmente alta pra todas as faixas etárias — complementa Tani Ranieri, da Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS).
A possível aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que a Pfizer possa ser aplicada em crianças de cinco a 11 anos deve expandir ainda mais o “cobertor” de imunizante entre gaúchos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que o Rio Grande do Sul tem 968.960 crianças nessa faixa etária.
— Esses 5% de adultos (não vacinados) não são estatisticamente relevantes. É mais importante continuar na vacinação de adolescentes e das crianças. Mesmo que não evoluam com grande gravidade, são vetores de transmissão. Ter o máximo possível da população vacinada, o que inclui dose de reforço para todos os adultos, é fundamental para nos dar garantia de conseguir o controle da circulação do vírus — acrescenta Tani.