A despeito de iniciar a campanha de vacinação contra a covid-19 com meses de atraso, a forte cultura de imunização e a existência do Sistema Único de Saúde (SUS) permitiu que o Rio Grande do Sul ultrapassasse, proporcionalmente, o número de pessoas com uma dose de países como Alemanha, França, Estados Unidos, Itália e Reino Unido. É o que mostra o cruzamento de estatísticas do Our World in Data e do governo do Estado.
Hoje, 80,1% de todos os gaúchos receberam a primeira dose contra a covid-19 e 67,4% completaram o esquema vacinal, conforme dados da Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS).
Apenas uma dose não é suficiente para proteger contra o coronavírus, sobretudo após a chegada da variante Delta, mas a adesão à primeira injeção é importante porque dá a medida de o quanto uma população está disposta a receber duas doses.
No Brasil, a cobertura é um pouco menor do que a gaúcha: 74,2% de todos habitantes do país receberam a primeira dose e 61,3%, duas doses ou dose única da Janssen, uma adesão ainda alta, mas que inspira atenção em Estados com menor cobertura, como Roraima, Amapá e Pará, onde sequer 60% das pessoas receberam a primeira aplicação.
As estatísticas comprovam uma previsão de especialistas ventilada há meses: a despeito das constantes críticas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que decidiu não se vacinar contra a covid-19, imunizantes gozam de boa reputação entre brasileiros, uma herança incrustada na memória social de um povo que viu doenças como o sarampo e a paralisia infantil desaparecem com a chegada de vacinas.
A agilidade do SUS e a experiência de servidores, acostumados à logística de uma campanha de massa e à procura dos mais vulneráveis em suas casas, também explicam a grande adesão às vacinas contra o coronavírus, destaca a epidemiologista Anaclaudia Fassa, diretora da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco):
— O SUS explica esse desempenho, junto com toda a história do Brasil em campanhas de vacinação, desde o Zé Gotinha. Temos uma alta confiança da população em relação às vacinas. O SUS é estruturado para fazer a distribuição das vacinas, então, mesmo em contexto de escassez de doses, fomos eficiente em distribuir.
Considerando apenas a população adulta, 95,3% dos gaúchos com 18 anos ou mais receberam a primeira dose, um alto patamar que, no entanto, estagnou há duas semanas.
O Rio Grande do Sul é o terceiro Estado que mais aplicou a primeira e a segunda doses. Entre os fatores para o bom desempenho, estão a decisão de gestores gaúchos, durante o ápice da epidemia, de usar segundas doses como primeiras para avançar na aplicação; a experiência de servidores com as campanhas de imunização contra a gripe; e o hábito dos gaúchos de vacinarem-se contra doenças respiratórias em invernos rigorosos.
— Não é com a covid que o Rio Grande do Sul começou a ser referência em vacinação. Ele já era ao longo dos anos. Nossa estrutura vacinal é boa, as secretarias conseguiram desenhar uma vacinação ágil o suficiente dentro da disponibilidade das vacinas. Temos uma população que culturalmente se acostumou a confiar em vacinas por ver que elas dão resultado. Sem SUS, isso certamente não teria acontecido. Países com sistemas de saúde diferentes de um SUS têm dificuldades em atingir coberturas mais altas — diz Pedro Hallal.
Apesar da alta cobertura e adesão, o Rio Grande do Sul ainda enfrenta o desafio de elevar a cobertura de duas doses, ainda abaixo dos 70%. Por esse indicador, está melhor do que Suíça e Áustria, quase igual ao Reino Unido, à Alemanha e à Suécia, mas abaixo de França, Itália, Espanha e Portugal.