Durante um tratamento médico, devemos guardar nossos remédios na mochila, na geladeira ou em armários do quarto, da cozinha e do banheiro? E, após o término, descartamos o que sobrou no vaso sanitário, no lixo orgânico ou no lixo seco? Ou simplesmente os guardamos em casa para utilizá-los novamente quando preciso, mesmo sem uma nova prescrição?
São dúvidas como essas sobre uso, armazenamento e descarte correto de medicamentos que podem gerar uma série de problemas à população — entre eles, a poluição do meio ambiente e a intoxicação de crianças, adultos e animais, seja em decorrência de automedicação ou de consumo indevido de remédios.
Uma pesquisa realizada em 2019 pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), por meio do Instituto Datafolha, mostrou que 77% dos brasileiros que haviam utilizado remédios nos seis meses anteriores tinham a automedicação como um hábito comum. O estudo também apontou que 57% dos entrevistados não usa os medicamentos prescritos conforme orientado, alterando a dose receitada, e que outros 22% tiveram dúvidas enquanto faziam seus tratamentos.
Em relação ao descarte de remédios que sobram ou vencem, 76% dos participantes indicaram que o fazem de forma incorreta. A maioria deles utiliza o lixo comum, enquanto 10% disseram jogar esse tipo de resíduo no esgoto doméstico, por meio de pias, vasos sanitários e tanques. Foi pensando em amenizar problemas assim que, em 2012, foi criado na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) o programa de extensão Cuidando da Farmácia Caseira.
O projeto tem como objetivo promover o uso racional e o armazenamento e o descarte adequados dos medicamentos vencidos ou sem uso. Kellen de Souza, professora da universidade e coordenadora do Cuidando da Farmácia Caseira, explica que o foco principal é alertar sobre os cuidados necessários com o estoque domiciliar de remédios, seja de uso eventual ou contínuo. Segundo ela, esse olhar é importante porque, muitas vezes, casos de intoxicação estão relacionados ao uso de medicamentos que sobram de tratamentos anteriores ou são adquiridos sem prescrição médica.
— Os medicamentos são produtos que têm substâncias químicas e há testes que determinam o prazo de validade deles, então, se expirou, não pode ser consumido, porque pode causar danos à saúde — alerta a docente, ressaltando que a ampla oferta de remédios com venda livre e a compra indiscriminada são alguns dos fatores responsáveis pelo alto volume de resíduos desse tipo.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
A importância do descarte adequado
De acordo com a professora, o descarte adequado ajuda a evitar que as pessoas utilizem medicamentos vencidos ou incorretos e uma série de problemas ambientais, como a contaminação do solo, da atmosfera e dos lençóis freáticos. Quando jogados no vaso sanitário ou na pia, por exemplo, os remédios acabam caindo no esgoto e indo parar em cursos d'água e mananciais. E, quando atingem esses locais, não há como removê-los.
Por outro lado, quando descartados em lixo comum, seja orgânico ou seco, esses medicamentos podem prejudicar pessoas ou animais que tenham acesso aos aterros para onde os resíduos são encaminhados.
Para evitar o acúmulo desnecessário de medicamentos, é importante sempre ter orientação e acompanhamento profissional — o que ajudará a adquiri-los na quantidade adequada e a utilizá-los de forma racional. Kellen afirma que o ideal é descartar os remédios sempre que eles estiverem vencidos ou sobrando.
Ações do Cuidando da Farmácia Caseira
Antes da pandemia, professoras e alunos da UFCSPA atuavam na farmácia distrital do Sarandi e em unidades de saúde da zona norte de Porto Alegre, levando orientações e deixando caixas para a coleta de medicamentos. O serviço era destinado aos usuários daquela unidade e só permitia que a população deixasse o remédio no recipiente, que permanecia fechado. Quando a caixa enchia, os funcionários do local avisavam a equipe da UFCSPA, que fazia a separação e a contagem, para então dar o destino adequado.
Além disso, o programa trabalhava presencialmente com os hóspedes da Casa de Apoio Madre Ana, que atende os pacientes que estão em tratamento na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e seus familiares. Com esse público, a equipe da UFCSPA fazia oficinas sobre uso, guarda e descarte correto de medicamentos. Para Martina Salini Lucca, aluna do oitavo semestre de Farmácia e bolsista do programa de extensão, a melhor parte do trabalho era justamente fazer essas ações presenciais na casa de apoio e na farmácia distrital:
— Eu gostava muito, porque realmente via uma necessidade das pessoas de aprenderem aquilo que a gente estava ensinando. Elas queriam aprender e, para mim, isso era muito gratificante.
Mas, agora, as atividades presenciais do grupo estão pausadas e o foco passou a ser as ações virtuais pelo Instagram e pelo Facebook.
— Desde o início da pandemia, nos reorganizamos e passamos a fazer toda a parte de educação em saúde nas redes sociais. Postamos materiais pelo menos uma vez por semana, fazemos enquetes e conversamos com os seguidores, buscamos saber o que as pessoas que nos seguem têm interesse de saber, quais são suas dúvidas. Essa troca e esse diálogo com a comunidade são muito importantes dentro do programa de extensão — relata Kellen.
Dicas para armazenar medicamentos
A professora e coordenadora do Cuidando da Farmácia Caseira explica que os medicamentos precisam ser armazenados ao abrigo da luz, em local seco. Os melhores locais para guardá-los, segundo ela, são os armários do quarto, em uma prateleira alta, longe do sol e do alcance de crianças.
Deve-se evitar armazenar os remédios no banheiro, por exemplo, por causa do calor e da umidade. Se optar pela cozinha, é necessário mantê-los longe do micro-ondas, do fogão e de alimentos.
— Tem que guardar dentro do blister ou do frasco. O ideal é deixar sempre dentro da caixinha, com a bula, e nunca cortar o blister, porque pode não ter o nome do medicamento naquela parte e causar confusão — orienta Kellen.
Já os remédios que devem ficar dentro da geladeira, não podem ser deixados na porta, mas sim na parte interna, em alguma das prateleiras, não muito próximo ao freezer, nem muito embaixo, pois há diferença de temperatura. A professora salienta que só é preciso colocar no refrigerador quando há indicação na bula do medicamento.