Se o pôr do sol na orla do Guaíba encanta pela beleza, o amanhecer ali pode provocar outro tipo de sentimento. Imagens do trecho revitalizado tomado por copos plásticos, garrafas, guardanapos, canudos e caixas de cigarro são comuns nas manhãs de segunda-feira após um fim de semana ensolarado.
A limpeza da área é feita pela concessionária que passou a gerir o espaço neste mês, junto com garis bancados pela prefeitura de Porto Alegre na parte da avenida. Mesmo com a imundice que encontraram na última segunda (9), antes das 9h o espaço já estava limpo. Foram recolhidos seis metros cúbicos de resíduos.
Segundo informações do consórcio GAM3 Parks, a demanda de limpeza está sendo maior do que o previsto no plano operacional, muito porque há grupos que permanecem na orla mesmo durante a madrugada. Por isso, a partir do dia 23, eles pretendem colocar equipe para começar a varrição durante a madrugada, a partir da meia-noite. Já existem 56 lixeiras duplas no trecho de pouco mais de um quilômetro, mas o DMLU vai colocar mais 24 contêineres móveis de plástico já a partir deste final de semana. E tanto prefeitura quanto concessionária estão avaliando ações de educação ambiental.
— Estamos pensando em um plano de conscientização com parceiras que trabalham sustentabilidade e também estamos em contato empresas de mobiliário urbano para colocar mais lixeiras ao longo da orla — adianta Alan Furlan, diretor operacional da concessionária.
A falta de educação de moradores não é exclusividade de Porto Alegre, fazendo com que gestores e ONGs se esforcem para bolar iniciativas criativas que apelem para a consciência. Em 2020, último ano da gestão de Marcelo Crivella, o Rio de Janeiro promoveu a campanha Praia Urgente, com ações pela conscientização ambiental da população. A primeira delas, em fevereiro, foi uma travessia da Praia de Ipanema ao arquipélago das Ilhas Cagarras em pranchas de stand-up paddle e caiaques, onde 50 voluntários fizeram o recolhimento de lixo. Até o começo da pandemia, havia ações programadas para estimular o uso responsável das praias praticamente todos os finais de semana.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
E há pelo mundo ações educativas mais passivo-agressivas. Em 2015, o rosto de quem polui as ruas foi parar em outdoors em Hong Kong. Chamada de The Face of Litter (O Rosto do Lixo, em português), a campanha criava as representações digitais com base em um processo de fenotipagem, que consegue reconstituir os traços físicos da pessoa a partir do DNA encontrado no objeto descartado.
Muitas cidades também coíbem a ação de porcalhões por meio de multa. Considerada a metrópole mais limpa da Ásia, Singapura é uma das mais rigorosas: aplica punições superiores a R$ 1 mil. A primeira campanha a tentar mudar o comportamento das pessoas por meio de multa, chamada Mantenha Singapura Limpa, ocorreu em 1968. A partir de então, a cidade vem reforçando essa política.
Porto Alegre nem precisa criar uma lei para seguir o mesmo exemplo: já há multas previstas para quem joga lixo na rua no Código Municipal de Limpeza Urbana. É considerada infração leve atirar embalagens no chão, com punição de R$ 401.
Na época da sanção, em 2014, havia planos de fazer blitzes pela cidade: após flagrar a infração, os agentes informariam a multa, entregariam o tíquete manual e, depois, seria enviado um e-mail com o valor a ser pago. Não limpar o cocô do cachorro também dá, em tese, multa.
Segundo o DMLU, a legislação exige a identificação de quem joga lixo no chão, o que, segundo departamento, "torna muito difícil a aplicação da multa porque as pessoas geralmente se negam a informar seus dados, impedindo a conclusão da ação fiscal."
Se a pessoa é identificada, o auto de infração é realizado e, após 30 dias, a multa é emitida para pagamento.
Secretário municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm admite que a fiscalização acaba se voltando mais a infrações cometidas por empresas que fazem descarte irregular. Para ele, a solução junto aos moradores passa por educação ambiental.
Bremm lembra que, em 2019, gestão na qual também foi secretário, foi feita a campanha Orla Sempre Limpa, e relata que estão sendo programadas novas ações, especialmente, para o verão:
— Vamos focar na abordagem individual, distribuir sacos de lixo para as pessoas. É importante que haja esse censo de coletividade, a preocupação com o planeta.
Fundadora da Pasárgada - Oficina de Sustentabilidade, Fabíola Pecce não acredita que apenas apelar para a consciência das pessoas seja suficiente:
— Por mais que tenha escola de sustentabilidade, eu sei que a gente não tem a velocidade para convencer as pessoas da necessidade do encaminhamento de resíduos, então temos que ter essas passagens estratégicas, atuando com os produtores dessas embalagens.
A grande preocupação dela é com a quantidade de plástico deixada para trás, e Fabíola defende a criação de políticas para proibir os fabricantes de produtos que poluem as ruas de utilizar esse tipo de material nas embalagens, preterindo por papel ou mesmo vidro:
— Hoje o mundo demanda novas opções de embalagens. A orla deveria só vender coco verde, sem canudo, que depois se manda para compostagem. E, se chover, o que vai entrar no Guaíba vai ser um material orgânico.
Confira a íntegra da nota do DMLU
"A Secretaria Municipal de Serviços Urbanos por meio do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) informa que a fiscalização do caso de resíduos (lixo) descartados irregularmente, os flagrantes são realizados pelos Agentes de Fiscalização que estão constantemente nas ruas. No entanto, a legislação exige a identificação do autuado, o que torna muito difícil a aplicação da multa porque as pessoas geralmente se negam a informar seus dados, impedindo a conclusão da ação fiscal. Há também a possibilidade de flagrante através do uso de meios eletrônicos (filmagens ou sequência de fotos), mas que também exigem a identificação do infrator para emissão de multa. O valor da multa atualmente é R$401,42.
Havendo a identificação da pessoa, há emissão de um auto de infração que pode ser imediato ou enviado para o seu endereço e após 30 dias, durante os quais o infrator poderá contestar o auto de infração, será emitida a multa que deverá ser paga no banco. Caso não haja pagamento, será aberto processo de dívida ativa.
Já para as "cacas de pet", a fiscalização não compete ao DMLU. A competência era da antiga SMAM, atual SMAMUS. O DMLU pede ajuda da população para denunciar os infratores ao fone 156 com imagens e/ou fotos que ajudem na identificação."