Pesquisadores do campus de Alegrete da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) desenvolveram uma tecnologia que permite produzir vidro a partir da casca de arroz. O projeto vem sendo desenvolvido pelo programa de pós-graduação em Engenharia e recentemente foi selecionado para participar de um programa para cientistas empreendedores.
Uma das aplicabilidades é a utilização de partículas do vidro na sinalização de estradas.
Basicamente, o processo consiste em substituir a areia, um dos principais “ingredientes” da fabricação do vidro, pela cinza proveniente da queima da casca do arroz. A casca de arroz é considerada um lixo agrícola, e muitas vezes não tem destino final apropriado. Em alguns casos, a queima é usada para gerar energia ou para fabricação de concreto. Mas, no geral, é um resíduo que sobra nas empresas e vira um problema ambiental.
Por ser uma das principais regiões da produção arrozeira no Rio Grande do Sul, a presença do resíduo em Alegrete é abundante e chamou a atenção dos pesquisadores, que buscaram saber o que se podia ser aproveitado da cinza. Foi quando identificaram que o material é rico em sílica, um componente amplamente utilizado na produção desde pneus e borrachas a creme dental e tintas.
– O material mais essencial para fazer o vidro é a sílica. O que a gente fez foi usar esse material e conseguir fazer um produto muito semelhante ao vidro feito com areia – explica o pesquisador Jacson Weber de Menezes, doutor em Engenharia e um dos coordenadores do projeto.
A cinza utilizada é doada por empresas da região para fins de pesquisa. O desenvolvimento passou por várias etapas, entre elas alguns processos químicos para tirar o efeito colorido até se chegar ao vidro transparente, como é amplamente utilizado na indústria.
A descoberta desse processo, que pode ser reproduzido na indústria, é a grande contribuição da pesquisa.
– Tentar chegar em um vidro transparente, além da aplicação que já tínhamos em mente, era para fazer um produto comercialmente viável. Do ponto de vista comercial, é mais interessante o vidro transparente. As indústrias de vidro começam com uma receita, digamos assim, do vidro transparente, e dependendo do cliente eles já sabem o que adicionar para dar a cor desejada, por exemplo nas garrafas de cerveja – diz Chiara Valsecchi, doutora em Química e também coordenadora do projeto.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
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Aplicação
Um dos objetivos é a utilização do vidro na sinalização viária. Os pesquisadores adicionam microesferas transparentes em produtos como a tinta asfáltica. Quando a luz dos carros incide, o vidro reflete e o resultado é o efeito brilhoso da tinta.
– Fora essa aplicação específica que estamos focando, poderia ser qualquer coisa relacionada com vidro, como janela e garrafa. Qualquer tipo de vidro que envolva areia poderia ser substituído pelo vidro da casca do arroz – afirma Menezes.
A novidade tecnológica do vidro transparente e das microesferas gerou um registro de patente junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). O pedido ainda precisa ser aprovado. Se alguma indústria tiver interesse, antes desse aval, ela pode contratar o processo via transferência de tecnologia.
Além disso, por ter uma forte aplicabilidade prática, o projeto foi selecionado em programa entre o Brasil e a Suíça ara cientistas empreendedores. A seleção destacou os 10 trabalhos mais promissores em termos de invenções que podem ser colocadas no mercado.
Representando o estudo desenvolvido pela Unipampa, Chiara vai receber treinamentos no Rio de Janeiro e na universidade suíça de St. Gallen, na área de empreendedorismo e de captação de recursos para encontrar possíveis parceiros que apliquem a tecnologia.
Sustentabilidade
A descoberta dos pesquisadores, se utilizada em larga escala pela indústria, poderia resolver tanto a questão do lixo agrícola quanto a da escassez de vidro no mercado. No ano passado, a demanda maior do que a oferta chegou a acender alerta para desabastecimento do produto na cadeia.
A alternativa de fabricação, no entanto, carece de incentivo, na avaliação de Chiara.
– Na Europa, as indústrias são taxadas mais forte se elas não reciclam. É uma punição. Aqui no Brasil, infelizmente, não tem esse impulso. O custo da areia é bastante barato, assim como seria o custo da casca do arroz, então vantagem econômica, mesmo, não teria. Mas seria uma vantagem ambiental porque resolve dois problemas: tu para de tirar areia do leito do rio e tu usa o resíduo que está dificultando o descarte.