Já apontada como referência nacional na separação de resíduos recicláveis, Porto Alegre vê esse cenário mudar nos últimos anos: o percentual de materiais recolhidos pela coleta seletiva de lixo caiu em cerca de um terço desde 2015 — hoje corresponde a apenas 4,5% das mais de 1,1 mil toneladas retiradas todos os dias das ruas da cidade.
Além de prejuízos ambientes, a situação resulta em dificuldades para centenas de famílias que tiram sustento das unidades de triagem da Capital.
Há saídas possíveis para o problema, que envolvem ações variadas como educação ambiental prolongada, novas estratégias de ação e fiscalização adequada. A prefeitura também finaliza um novo projeto com a intenção de ampliar o recolhimento de resíduos reaproveitáveis (veja mais abaixo).
Veja as soluções apontadas para resolver o problema da coleta seletiva de lixo na Capital:
Educação ambiental permanente
As pessoas separam o lixo quando entendem a importância de não misturar resíduos orgânicos a recicláveis. Para isso, não bastam campanhas eventuais ou de pouco alcance. É preciso um trabalho sólido de conscientização que comece nas escolas.
O Japão é um país exemplar nesse sentido. A educação ambiental se inicia em casa e alcança a vida adulta. Moradores de condomínios e conjuntos habitacionais, por exemplo, são estimulados a fazer mutirões regulares de limpeza das áreas de uso comum.
Integração das equipes de educação ambiental
Cidades como Porto Alegre costumam ter órgão públicos com equipes de educação ambiental. Cada um age de forma isolada e, por vezes, pouco organizada. Uma proposta, que chegou a ser encaminhada na gestão anterior da prefeitura, mas não foi adiante, previa a centralização das equipes de educação ambiental de entidades como DMLU ou Dmae.
— Chegamos a fazer a preparação de um edital. Queríamos terceirizar a educação ambiental, que ficaria sob a gestão dos funcionários hoje divididos em vários órgãos e secretarias. Com a pandemia, isso acabou suspenso — afirma o ex-secretário de Serviços Urbanos Ramiro Rosário, hoje vereador pelo PSDB.
Orientações claras
É preciso estabelecer um sistema de comunicação abrangente sobre como funciona a coleta seletiva, que não apenas estimule a consciência ambiental, mas forneça informações básicas sobre como separar o lixo em casa, descartar os itens reaproveitáveis, horários e locais de coletas, entre outras orientações fundamentais. A prefeitura pretende iniciar um trabalho mais intenso de esclarecimento e orientação que prevê contato direto com comerciantes, grandes geradores de resíduos e condomínios.
Presidente da Associação Brasileira de Resíduos Sólidos e Limpeza Pública (ABLP), João Gianesi acredita que a comunicação sobre como tratar o lixo deve ser feita de maneira mais direta e clara com a população:
— Acho que os contêineres são mais eficientes do que a coleta dos sacos de lixo. Mas falta uma comunicação mais firme por parte do poder público, ter mensagens dizendo que o que você faz de errado está sendo observado, por exemplo. Dizendo "não coloque lixo orgânico aqui". Nenhuma caçamba no Brasil, por exemplo, traz mensagem dizendo que ali só devem ser depositados resíduos de construção civil.
Combate à coleta irregular
Um dos principais desafios à correta destinação dos itens reaproveitáveis é a ação de atravessadores que se antecipam à coleta seletiva e retiram material reciclável de forma irregular (tudo o que é descartado em via pública só pode ser coletado pelos serviços autorizados). Para evitar a ação de catadores informais, é preciso combinar ações sociais que ofereçam oportunidade de trabalho e renda e reforço de fiscalização.
Uso de tecnologia
O uso de tecnologias como a coleta mecanizada, prestes a ser suspensa em Porto Alegre para o caso dos materiais recicláveis, é considerado um meio de facilitar o descarte por parte do cidadão e otimizar o recolhimento. Para evitar problemas como a ação de catadores informais, seria possível buscar soluções alternativas como contêineres com pequenas aberturas que permitam apenas a colocação do material a ser jogado fora – mas não o acesso para a retirada dos itens. Esse tipo de solução está em estudo pela prefeitura, mas sem previsões de quando haveria uma definição.
Outras soluções adotadas em cidades europeias como Barcelona, em que o material reciclável é depositado em locais com ligação a uma tubulação subterrânea. Por sucção, são encaminhados para a reciclagem. Esse sistema evita sujeira, coleta irregular e até circulação de caminhões, mas é pouco viável na realidade brasileira pelo alto custo.
Prefeitura prepara novo sistema para o Centro Histórico
A falta de educação de parte significativa da população levou a prefeitura a anunciar, recentemente, a decisão de recolher os 50 contêineres verdes das ruas do Centro Histórico. Eles faziam parte de um projeto-piloto iniciado em 2018, durante a gestão de Nelson Marchezan (PSDB), de coleta mecanizada dos recicláveis.
O problema é que, além dos materiais passíveis de reaproveitamento, também eram preenchidos com restos orgânicos. Isso inviabilizava qualquer reaproveitamento.
Ao mesmo tempo em que encaminha a retirada dos contêineres verdes, a prefeitura finaliza agora um novo projeto com a intenção de ampliar o recolhimento de resíduos reaproveitáveis. Em linhas gerais, o plano previsto para começar no início de novembro se baseia na coleta direta em estabelecimentos comerciais, em uma nova campanha de educação ambiental e no cadastramento de condomínios residenciais para um maior controle do descarte de lixo, entre outras ações.
Uma força-tarefa que inclui órgãos como as secretarias de Serviços Urbanos (SMSurb), de Desenvolvimento Social (SMDS), além do DMLU e da Cootravipa trabalha na nova estratégia para tentar ampliar a quantidade e a qualidade dos recicláveis removidos pelo município. Um dos pilares do modelo é a retirada direta dos resíduos de dentro de estabelecimentos comerciais (grandes geradores de lixo). A intenção é evitar que toneladas de materiais como plástico, papel, vidro ou metal fiquem expostas nas calçadas e sujeitas à ação de atravessadores não cadastrados que recolhem boa parte dessa carga sem autorização.
— Retiraremos esse resíduo de dentro dos estabelecimentos, em um horário próprio e com equipamentos específicos, já que não temos como utilizar caminhões muito grandes. Para isso, vamos conversar previamente com os comerciantes, orientar, explicar — revela Marcos Felipi, secretário de Serviços Urbanos da Capital.
O perímetro atendido inicialmente e a rota que será feita pelos veículos ainda estão em fase final de definição. Outra medida será o lançamento de uma nova campanha de conscientização ambiental focada na importância de separar o lixo corretamente, a ser divulgada em meios de comunicação e redes sociais do próprio município. A ação também incluirá distribuição de material impresso para moradores e comerciantes.
Uma terceira estratégia será buscar o contato mais próximo com grandes condomínios residenciais da cidade, não restritos ao Centro. A intenção é cadastrar essas unidades, buscar um contato mais próximo com funcionários e moradores, orientar sobre o descarte de resíduos e garantir que ele seja destinado à prefeitura.
— Teremos uma central de atendimento para os condomínios de Porto Alegre, pelo qual vamos cadastrá-los e tentar ter uma coleta mais próxima do cidadão, do zelador, para que entreguem esse resíduo para nós. Se precisar, estaremos lá para dar orientações, entregar material — afirma Felipi.
O resultado dessa nova estratégia será monitorado e comparado com períodos anteriores para avaliação.