A crise do lixo reciclável, que fez com que Porto Alegre diminuísse em um terço a coleta seletiva de 2015 para cá (leia mais sobre o tema aqui) já provoca efeitos visíveis nas 16 unidades de triagem de material conveniadas à prefeitura, de onde cerca de 600 pessoas retiram o seu sustento, conforme o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU). A escassez de material já leva centros a funcionarem apenas em alguns dias da semana e a realizar um revezamento entre os trabalhadores.
– Dia a dia, diminui a quantidade de resíduos que recebemos nas unidades de triagem. Nas unidades Reciclando pela Vida e Anjos da Ecologia, por exemplo, já se trabalha apenas três dias da semana, e em cada dia com apenas metade das 20 pessoas – revela a assessora técnica das duas unidades de triagem, Simone Pinheiro.
As duas unidades ficam localizadas em uma mesma área, no bairro Floresta. Em razão do sumiço de materiais como plástico, papel e metal, agora os portões só estão sendo abertos às segundas, terças e quartas-feiras. A Reciclando Pela Vida já chegou a produzir mais de cem toneladas de recicláveis por mês. Atualmente, gera pouco mais da metade disso.
– Para as pessoas não ficarem sem trabalhar, há cerca de um ano estabelecemos um sistema de revezamento em que cada grupo trabalha em uma semana – afirma Simone.
A assessora afirma que oscilações na geração de materiais reaproveitáveis são comuns, mas não como nos últimos anos em que a queda vem sendo contínua. Nos últimos meses, a crise econômica que afeta o consumo e, consequentemente, a produção de lixo, pode ter piorado ainda mais a situação.
Segundo dados do DMLU, em junho, julho e agosto deste ano o recolhimento de resíduos recicláveis ficou abaixo de 1,4 mil toneladas mensais – patamar que chegou a mais de 1,7 mil no ano passado. Comparando-se apenas agosto deste ano (período mais recente com dados disponíveis até o fechamento desta reportagem) com o mesmo período de 2021, a queda no volume de itens reaproveitáveis recolhidos das ruas foi de 12%. A variação foi de pouco mais de 1,5 mil toneladas no ano passado para cerca de 1,3 mil agora.
Simone afirma que os profissionais das unidades de triagem esperam um apoio mais firme da prefeitura diante do cenário atual. O secretário de Serviços Urbanos de Porto Alegre, Marcos Felipi, diz que o município está colocando em prática um plano emergencial para tentar alavancar o mais rapidamente possível as remessas de resíduos para os recicladores:
– Estamos tratando com grandes geradores, como shoppings e supermercados, que muitas vezes contratam empresas privadas para retirar o seu lixo, para que esse material possa ser encaminhado às unidades de triagem. Isso traria um impacto grande no curto prazo.
R$ 8,8 milhões desperdiçados por falhas na separação
Erros na separação doméstica e no descarte de pouco mais de um quinto do volume de lixo produzido diariamente em Porto Alegre comprometem o ambiente ao reduzir os índices de reciclagem e pesam no bolso do contribuinte. Estimativas do DMLU indicam que, ao ano, a prefeitura da Capital é levada a desperdiçar R$ 8,8 milhões com o envio de materiais reaproveitáveis para o aterro sanitário em Minas do Leão que deveria receber somente materiais orgânicos.
Das cerca de 1,12 mil toneladas de resíduos coletados todos os dias no município, algo em torno de 252 toneladas, ou mais de 22%, correspondem a materiais que poderiam ser reciclados, mas são misturados a sobras orgânicas e descartados de forma inadequada. Por isso, são transportados junto ao lixo comum até o aterro.
A cada mês, a remessa desnecessária de itens para o aterro gera um custo de cerca de R$ 736 mil aos cofres públicos. Esse gasto desnecessário, se fosse evitado, poderia reduzir a taxa de coleta do lixo cobrada dos cidadãos ou ser destinado a melhorias na cidade. Um recurso de R$ 8,8 milhões, por exemplo, é suficiente para custear até 5,5 mil diárias em leitos de terapia intensiva (UTIs) pela tabela do SUS.
– Esse é o custo que equivale ao peso do que é encaminhado indevidamente ao aterro, que a cidade paga como se fosse orgânico. A gente perde em todas as frentes: nas questões social, ambiental, na limpeza da cidade e por aumentar o custo do serviço – lamenta o ex-secretário de Serviços Urbanos e hoje vereador pelo PSDB Ramiro Rosário.
O relatório de 2020 do Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana, calculado pelo Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana e pela PwC Brasil, indica que a despesa anual com limpeza urbana chega a R$ 167,90 na Capital – próximo da média das 10 cidades melhor colocadas no ranking geral de R$ 169,80. Mas, quando se levam em conta somente com as sete cidades que têm execução indireta (por terceirizada), como a capital gaúcha, o custo médio fica em R$ 114 por morador ao ano.
Por que fizemos esta reportagem?
O manejo de resíduos sólidos é hoje uma questão fundamental no mundo inteiro por fatores como a proteção do ambiente, a limpeza urbana e a geração de trabalho e renda. Em Porto Alegre, o assunto tem importância especial porque a cidade vem reduzindo a proporção de materiais encaminhados para reciclagem nos últimos anos.
Como apuramos esta reportagem?
Foram consultados especialistas em resíduos sólidos, como o presidente da Associação Brasileira de Resíduos Sólidos e Limpeza Pública (ABLP), João Gianesi, e a pesquisadora da Unisinos Luciana Paulo Gomes, além de pessoas que atuam em unidades de triagem, como a assessora técnica Simone Pinheiro, e gestores públicos. Também foram compiladas informações sobre coleta de lixo ao longo do tempo, desempenho dos municípios brasileiros nesse setor, percentuais de destinação dos resíduos, entre outros dados.
Quais os cuidados que tomamos para sermos justos?
GZH procurou ouvir diferentes lados envolvidos na questão do lixo, incluindo especialistas, pessoas que trabalham diretamente no setor de triagem e reciclagem e gestores públicos responsáveis por essa área das duas administrações municipais mais recentes – como o ex-secretário de Serviços Urbanos durante a gestão de Nelson Marchezan, Ramiro Rosário, e o atual titular da pasta, Marcos Felipi. A situação de Porto Alegre também foi comparada com a de outras grandes cidades brasileiras para demonstrar que o cenário é ruim não apenas entre os gaúchos, mais em nível nacional.