Um município de 8 mil habitantes na Região Carbonífera é o destino final de quase 40% do lixo domiciliar produzido em todo o Rio Grande do Sul. A 90 quilômetros de Porto Alegre, Minas do Leão acabou virando sinônimo do aterro sanitário que abriga em seu território. É o maior do sul do Brasil e o sétimo em recebimento diário de todo o país.
A casca da bergamota que você comeu em Porto Alegre ou a borra do café que passou em Piratini, no sul do Estado, pegam a BR-290 até serem enterradas ali — e darem retorno de três formas diferentes à empresa responsável por esse processo. Vinte e quatro horas por dia, debaixo de chuva ou de sol, caminhões e carretas passam incessantemente pelos portões da Companhia Rio-grandense de Valorização de Resíduos (CRVR) carregando o lixo de 92 municípios gaúchos ou do sul de Santa Catarina.
Ao tentar visualizar esse lugar, o que vem à sua cabeça? Uma montanha de restos de comida e embalagens rodeada por moscas? Catadores trabalhando em condições degradantes? Quase consegue sentir o cheiro de podre? A reportagem não constatou nada disso durante visita à Central de Resíduos do Recreio, o nome oficial do aterro de Minas do Leão.
O primeiro olhar dos visitantes, quando entram na propriedade, é de um morro de grama aparada, dividido em camadas, ou níveis, que lembra um bolo de casamento. Trata-se de uma fase já finalizada do aterro, com 1 milhão de toneladas de lixo já tapado.
Na outra fase, a do aterro em utilização hoje, onde o lixo é depositado e compactado por máquinas e coberto com argila, os funcionários da empresa nem colocam a mão nos rejeitos.
Os caminhoneiros que os trazem não saem dos veículos, e o fotógrafo de GaúchaZH foi impedido de se aproximar por regras de segurança. Apenas servidores autorizados, equipados com óculos, máscara, capacete, colete refletivo e uniforme, podem circular no local.
Nenhum rato ou barata foi visto pela reportagem — os domingos, único dia em que não há atividade na central, são dedicados à dedetização da área. Há mais de 150 hectares de floresta plantada ao redor do aterro, que servem de barreira visual e, também, para evitar que algum eventual odor se espalhe.
— O povo de Minas do Leão ficava em dúvida sobre como seria o aterro. Achava que seria um lixão. Mas não é assim, não tem lixo destapado. É tudo controlado. Se há algum cheiro na região, não vem daqui — diz Carlos Felipe Ribeiro Luis, 30 anos, morador de Minas do Leão desde que nasceu e funcionário do aterro há nove anos.
Mina desativada foi aproveitada
O local ainda tem uma particularidade considerada inovadora para o Brasil à época de sua instalação, em 2001, ao continuar servindo à atividade que marcou o desenvolvimento do município desde sua criação — Minas do Leão teve origem nas primeiras descobertas de carvão no século 19. O lixo é depositado no ventre de uma mina desativada. A ideia é preencher uma cratera de 75 metros de profundidade, chamada cava, resultante da extração de carvão na Mina do Recreio.
— É uma antiga área de extração que foi preparada, impermeabilizada, e está sendo recuperada com a disposição e tratamento final de resíduos urbanos. Era um espaço impactado pela mineração, e estamos devolvendo a topografia original. Depois, poderá servir a outro tipo de utilização — explica o engenheiro civil Henrique Antunes, coordenador da unidade, acrescentando que, quando acabar a vida útil do aterro (estimada em 23 anos), um parque para a comunidade ou a disposição de painéis de energia solar são algumas das possibilidades de aproveitamento do espaço.
Os efluentes líquidos (chorume) ainda são tratados e usados como água de reuso na lavagem do carvão da mineradora, empresa que tem participação na CRVR. Não há mais atividade de mineração em Minas do Leão, mas a empresa segue extraindo carvão em outros municípios da região e faz o beneficiamento do minério em área junto ao aterro.
A última nota obtida pelo aterro de Minas do Leão no Índice de Qualidade de Aterros Sanitários da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) foi 92 pontos, em um total de 100, sendo o destino final do efluente gerado um dos principais motivos de o aterro não obter resultado máximo. O diretor técnico da Fepam Renato das Chagas e Silva observa que essa prática, de vincular os líquidos do aterro à lavagem de carvão, é autorizada, mas recentemente o órgão passou a exigir que as duas atividades sejam desvinculadas para seguir um padrão de aterros novos. A empresa tem em andamento um processo de licenciamento para a instalação de uma estação nova de tratamento de efluentes. O prazo para conclusão das obras é dezembro.
Há, segundo a Fepam, em torno de 40 aterros sanitários no Estado (só a CRVR tem cinco unidades). Em 2015, o Rio Grande do Sul conseguiu eliminar totalmente a disposição de resíduos em lixões. Sem tratamento, cuidado ou controle sobre o tipo de material descartado, os lixões eram usados por 5% dos municípios até 10 anos atrás, tornando-se focos de contaminação do ar e das águas e de alimentação e abrigo de organismos vetores de doenças.