O lixo orgânico de que a gente só quer se livrar em casa acaba sendo essencial para a saúde financeira de Minas do Leão — o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) pago pela empresa, a maior da cidade, corresponde a 18% da arrecadação municipal ao ano. Também gera 130 empregos diretos a moradores da região. A Companhia Rio-grandense de Valorização de Resíduos (CRVR) não divulga seu faturamento, mas apenas a prefeitura da Capital repassa mais de R$ 3 milhões por mês para lhe entregar o lixo de seus moradores. E dar o destino adequado aos resíduos domiciliares não é a única forma de a empresa ganhar dinheiro.
Mistura de metano, CO2 e outros gases, o biogás liberado pela decomposição da matéria orgânica do lixo vira energia limpa no aterro de Minas do Leão, único do Estado com usina termoelétrica. Há pelo aterro 100 drenos a até 60 metros de profundidade, com 10 quilômetros de tubos que captam o gás. Ele é sugado por uma espécie de aspirador de grandes proporções até a usina.
O processo para transformar esse gás em energia limpa é mais fácil do que parece. Primeiro, ele é tratado — é retirada a umidade e partículas que prejudicam os motores. Após, passa a mover motores gigantes, com funcionamento semelhante aos de carros. O gás é usado como combustível, queimado nos cilindros, e um gerador acoplado transforma a energia mecânica em elétrica.
Hoje, há seis desses contêineres com motores, que representaram um investimento de R$ 30 milhões em 2015 e podem abastecer um município de 100 mil habitantes. Até 2020, a CRVR pretende investir mais R$ 15 milhões para comprar mais quatro motores e quase duplicar essa capacidade. A geração deve passar de 8,55 MW/h para 14,2 MW/h.
A solução evita odor (o biogás tem cheiro forte), reduz a emissão de poluentes, gera energia limpa e lucro para a empresa. Embora a energia seja levada por 27 quilômetros de rede até a subestação mais próxima da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), na BR-290, e reforce o abastecimento de Butiá, Minas do Leão, Arroio dos Ratos, São Jerônimo e outros municípios da Região Carbonífera, ela vira crédito que pode ser vendido para qualquer canto do Brasil, graças ao chamado Sistema Nacional Interligado (SIN).
Até mesmo a poluição que o aterro deixa de lançar na atmosfera vira dinheiro em Minas do Leão. A queima do metano contido no biogás gera créditos de carbono, uma moeda que alimenta todo um mercado mundial voltado para a criação de projetos de redução da emissão dos gases que aceleram o processo de aquecimento do planeta. Ele surgiu com o Protocolo de Quioto, acordo internacional que estabeleceu que os países desenvolvidos deveriam reduzir suas emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) 5,2% em média, em relação aos níveis medidos em 1990.
Esse protocolo criou um mecanismo que prevê a redução certificada das emissões. Uma vez conquistada essa certificação, quem promove a redução da emissão de gases poluentes tem direito a créditos de carbono e pode comercializá-los com os países que têm metas a cumprir. O aterro de Minas do Leão faz isso: desde 2007, tem contratos em que é pago por signatários do Protocolo de Quioto que precisam "comprar" créditos de carbono em países em desenvolvimento — como o Brasil. Primeiro, fez negócio com o Japão, e, desde 2015, tem um contrato com o Banco Mundial. Outro aterro do grupo, em São Leopoldo, no Vale do Sinos, tem contrato com o governo da Noruega.
Cada crédito de carbono corresponde a uma tonelada de dióxido de carbono equivalente não lançada na atmosfera — em Minas do Leão, há uma redução anual em torno de 400 mil toneladas de CO2 equivalente, ou CO2eq. A CRVR não divulga o valor dos contratos, mas o engenheiro ambiental Tiago Nascimento Silva, gerente de operações de energia e gás da CRVR, relata que a tonelada já chegou a atingir 20 euros em 2008 (os contratos feitos pela empresa são a longo prazo, o que a protege das grandes oscilações de preço).
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