Inaugurada há um mês, a megapista de skate da orla do Guaíba, concorrido ponto de lazer da Capital, vem se sobressaindo também por um aspecto preocupante: o aumento do número de lesões entre adeptos do esporte. O Hospital de Pronto Socorro (HPS), referência nesse tipo de atendimento na rede pública, registra elevação de 10% nos casos de trauma relacionados a práticas desportivas nos finais de semana — e o skatismo se destaca entre as causas.
A instituição não disponibiliza o número exato de ocorrências com usuários de skate porque, nos prontuários, a definição de “queda no esporte” abarca fraturas, contusões (trauma direto), entorses (lesão em ligamentos) e luxações (deslocamento de articulações) ocorridas em todas as modalidades. Durante o trabalho das equipes é que o vínculo com essa prática específica acaba sendo informado por alguns pacientes. Desde a abertura da pista, em 23 de outubro, os relatos vêm se acumulando. Os principais casos são, pela ordem, fraturas em membros superiores (punhos e cotovelos) e traumas no tornozelo.
Ronei Anzolch, médico traumatologista e responsável técnico pela traumatologia do HPS, explica que a elevação no número de ferimentos entre aqueles que praticam exercícios físicos é até esperada nesta época do ano, sendo a melhora do clima e a maior circulação nas ruas alguns dos fatores propulsores — o que impressiona, agora, é o percentual tão expressivo.
— Antes da pista, tínhamos trauma de skate, mas não era tão frequente — observa Anzolch.
O médico ressalta que finais de semana e turnos da tarde são, tradicionalmente, os momentos de maior demanda por esses atendimentos, e as escalas têm sido reforçadas nesses períodos. Também chama a atenção a ausência do uso de itens de proteção por aqueles que acabam se machucando. A falta de técnica e prática são outros componentes decisivos.
— Vemos gente querendo fazer altas manobras sem estar habilitada para isso. Como em toda atividade esportiva, tem do nível iniciante ao profissional. Não posso descer um halfpipe (pista em forma de U) de grande altura se nunca fiz isso. Posso ter a coragem, mas não tenho a técnica para isso. Ninguém começa a andar de bicicleta sem as rodinhas para, pelo menos, minimizar as quedas — alerta Anzolch. — E, para fazer algo de alta performance, preciso de preparo físico, destreza, saber como cair — acrescenta.
Diretora-geral do HPS, Tatiana Breyer reforça como características típicas de diferentes faixas etárias contribuem para os acidentes.
— Uma criança não sabe que pode cair de uma certa altura, não tem noção do perigo. E os jovens vão muito pelo ímpeto, é característico desse público não ter medo — constata Tatiana, que considera organizar uma ação de conscientização junto aos frequentadores da pista.
Outra referência do Sistema Único de Saúde (SUS) para traumatologia em Porto Alegre, o Hospital Cristo Redentor (HCR) também verifica mais atendimentos em decorrência do skatismo. Pela localização, na Zona Norte, recebe menos pacientes, que, na maioria das vezes, são dirigidos ao HPS, mais perto da Orla. Paulo Mulazzani, traumatologista do HCR, atua também no Hospital Mãe de Deus, outra entidade que percebeu o acréscimo.
Os iniciantes na prática, segundo Mulazzani, são os que têm se machucado mais, com abrasões (esfoladuras), entorses (tornozelo e joelho, principalmente) e fraturas de punho, antebraço, cotovelo e tornozelo. Na avaliação, decide-se se o tratamento será conservador (com gesso ou tipoia) ou se haverá necessidade de cirurgia. Posteriormente, vem o período de reabilitação, com possibilidade de sessões de fisioterapia.
— Algumas lesões podem ser definitivas. Fraturas de cotovelo, quando ocorrem entre os oito e os 14 anos, fase ainda de crescimento, podem deixar sequelas para a idade adulta — alerta o traumatologista, frisando que um bom tratamento reduz o risco de complicações futuras. — Quando a criança está crescendo, o osso tem uma capacidade muito grande de remodelação. O osso vai se remodelar e ficar bem. Mas, mesmo assim, fraturas de punho e cotovelo são as mais graves — diz Mulazzani.
Com itens de proteção como capacete, joelheiras, cotoveleiras e protetores de punho, além de orientação especializada, a prática desportiva, destaca o traumatologista, é sempre uma boa aposta:
— O skate é de alta energia, mas de variação de direção das articulações. Exige reflexo. Tem que ter força e treinamento. É o surfe sem onda, a molecada gosta. É um esporte de risco, mas entendo como uma boa ideia. As crianças ficam muito tempo ligadas ao computador. Todo esporte que as tire de casa é bem-vindo.
O maior interesse pela prática já era aguardado por Régis Lannig, presidente da Federação Gaúcha de Skate, antes mesmo da Olimpíada de Tóquio, quando houve o anúncio da inclusão da modalidade na competição e a espera pela provável conquista de medalhas por atletas brasileiros — o que se confirmou com Rayssa Leal, Kelvin Hoefler e Pedro Barros. Lannig sugere que quem está começando escolha locais planos e sem grande movimentação, para evitar também choques com outros skatistas.
— A pista da Orla é convidativa, e pessoas que nunca tiveram contato com o skate acabam se aventurando, em desacordo com suas habilidades. Quem tiver condições, que procure um instrutor. As aulas são, com certeza, a forma m ais segura e rápida de aprender a andar — afirma Lannig.
Skatistas experientes não estão livres de lesões, mas a prática regular permite incorporar técnicas fundamentais, como a de se “ejetar”, ou seja, saltar do skate quando a manobra não dá certo.
— O skatista é como o goleiro, ele sabe cair. Pode ser em um corrimão grande, uma escada grande. A gente adquire a técnica de sair do skate na hora certa, mas claro que tem tombos inesperados — complementa o presidente.
Dicas para aumentar a segurança da prática de skate
- Não dispense os itens básicos de segurança: capacete, joelheiras, cotoveleiras e protetores de punho. Há ainda outros acessórios, como protetores de quadril, ombros e coluna, para quem tiver interesse.
- Para os iniciantes, o ideal é começar a andar de skate em locais planos. Deixe as pistas, em especial as mais desafiadoras, para quando tiver desenvolvido boa habilidade.
- O skate mais longo, com superfície maior de apoio para os pés, facilita o equilíbrio.
- Busque a ajuda de um instrutor, especialmente se você é sedentário.
- Evite os horários de maior movimento nas pistas: em geral, no final da tarde e aos finais de semana. Quando há muita gente, o risco de choques entre esportistas é maior.
- É importante fazer a manutenção do skate, ajustando a tensão dos eixos, que influencia a mobilidade do skate. Lojas especializadas podem passar orientações. Também há tutoriais disponíveis na internet.
Fonte: Régis Lannig, presidente da Federação Gaúcha de Skate