O cenário da dengue no Rio Grande do Sul deve permanecer desafiador em 2025, de acordo com o Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs), órgão vinculado à Secretaria Estadual da Saúde (SES).
As análises realizadas pelo centro indicam que o ano não deve ser tão difícil quanto o de 2024 – que, até o momento, tem 207 mil casos confirmados acumulados, com mortes que superam a soma dos últimos nove anos –, porém, será muito similar ou pior do que o de 2022, ano que, até então, registrava o recorde de casos (67 mil).
— Em termos de cenário epidemiológico, acreditamos que vamos ficar com o número de casos acima de 2022, mas abaixo de 2024 — aponta Valeska Lagranha, bióloga e responsável técnica pela vigilância epidemiológica das arboviroses no Cevs.
Realizar análises preditivas em relação à dengue é uma tarefa difícil, dado que a doença é multifatorial e que o Estado sofre fortemente a influência de fatores climáticos, acrescenta Valeska. A chuva e o calor são favoráveis ao desenvolvimento do vetor e ao surgimento de casos. O cenário dependerá, portanto, das condições climáticas, que podem mudar ao longo do ano – mas o verão deve ser bastante quente, destaca a bióloga.
Influência da enchente
Fenômenos de chuva ou calor extremo podem aumentar o número de casos – e vale lembrar que os anos de 2023 e 2024 alcançaram recordes de calor. Quando o inverno não é tão rigoroso, como neste ano, espera-se um número de casos maior no verão, segundo Valeska.
A enchente de maio também é um fator que deve influenciar o cenário no RS. A curto prazo, a dengue não representou um grande problema relacionado à catástrofe, devido ao inverno. Agora, entretanto, os estragos somam-se ao verão, com calor e corpos mais expostos, e à chuva que tem sido registrada nas últimas semanas.
— Como nós passamos por um período de enchente muito grande em 2024, a gente imagina que isso vai ter uma influência agora, em 2025, em função de que ainda existem muitos entulhos em residências e nas vias públicas — pontua.
Cenário de alerta
O número de casos confirmados de dengue vem diminuindo ao longo das últimas semanas, conforme o painel de casos da SES. Isso pode estar relacionado a uma demora para a inserção das informações no sistema, sendo necessário aguardar algumas semanas para a confirmação, conforme Valeska. O final de ano, porém, está mais favorável do que em 2023, quando já havia municípios com surto da doença – neste ano, ainda não há nenhum.
Por outro lado, o Cevs já nota uma sensibilidade maior da rede de assistência para detectar casos suspeitos (cuja notificação é compulsória) nas últimas quatro semanas epidemiológicas, sobretudo em cidades como Novo Hamburgo, Santa Cruz do Sul, Passo Fundo, Ijuí e Uruguaiana. Até o momento, entretanto, há poucas confirmações. Apesar disso, a equipe acredita que em janeiro e fevereiro os números confirmados comecem a aumentar.
— Estamos, sim, em uma condição um pouco mais favorável, porém, não precisamos achar que teremos um cenário favorável. A gente precisa, mesmo assim, continuar atentos, até porque se todos esses casos suspeitos que estão entrando começarem a se confirmar, vamos entrar em um cenário de mobilização, de alerta e talvez de emergência — ressalta.
No início deste ano, o Estado enfrentou um aumento expressivo de casos, com um pico significativo entre as semanas epidemiológicas 15 e 20, lembra Cezar Würdig Riche, médico infectologista da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Isso se deve a uma combinação de fatores, como calor, chuva intensa e um cenário favorável para a proliferação do mosquito Aedes aegypti.
— Na prática, ainda reunimos as condições para termos uma elevada frequência de casos — afirma.
Preparação do Estado
Devido ao cenário registrado em 2023, o Estado antecipou as ações de preparação para o enfrentamento da dengue. Desde setembro, a secretaria da Saúde vem capacitando as equipes regionais e promovendo estratégias ambientais – ovitrampas (armadilhas para ovos de Aedes aegypti) foram implementadas em diversos municípios para monitorar a distribuição espacial do vetor e realizar ações ambientais nessas regiões.
Mais de 400 municípios também receberam treinamento para uso de borrifação residual intradomiciliar (BRI), um inseticida aplicado em prédios públicos e em residências, com ação residual em torno de dois a três meses. A secretaria também dialoga com municípios onde há aumento de casos suspeitos. Além disso, o plano de contingência foi atualizado em outubro.
Medidas de prevenção
A medida mais eficaz de prevenção contra a dengue é eliminar criadouros, evitando o acúmulo de água parada, ressalta Valeska Lagranha, bióloga e responsável técnica no Centro Estadual de Vigilância em Saúde. Para isso, a população deve tirar 10 minutos por semana para observar a residência e o pátio. No caso de quem partirá de férias, é importante não deixar pratos nos vasos de plantas e optar por vasos com furinhos, para não acumular água.
A população deve estar atenta aos sinais e sintomas, que são semelhantes aos de outras doenças, mas podem ser indicativos de dengue. Nesses casos, recomenda-se buscar atendimento e hidratar-se vigorosamente, principal forma de tratamento da doença. O tratamento deve ocorrer já na suspeita.
O uso de repelentes, telas e roupas de mangas compridas também ajuda a reduzir o contato com o mosquito, conforme o infectologista Cezar Riche. Além disso, ações de limpeza urbana e campanhas de conscientização precisam ser mantidas.
Vacina
Atualmente, existem duas vacinas contra a dengue no Brasil: QDenga e Dengvaxia. O Sistema Único de Saúde (SUS) já disponibiliza a vacina Qdenga para a faixa etária de 10 a 14 anos.
O Rio Grande do Sul, contudo, não recebeu doses para todos os municípios, apenas algumas das regiões de saúde de Erechim, Santa Cruz do Sul, Novo Hamburgo e Porto Alegre. A procura pela vacina ainda está baixa, segundo Valeska. Também é possível buscar o imunizante na rede privada.
Recentemente, o Instituto Butantan também solicitou o registro de sua vacina, desenvolvida no Brasil, de dose única. A novidade pode ampliar as opções para controle da dengue no futuro, avalia Riche.
— O avanço no desenvolvimento de vacinas contra a dengue é uma notícia animadora. Contudo, é importante lembrar que as vacinas são uma ferramenta complementar. O controle do mosquito e os cuidados preventivos ainda são fundamentais, especialmente enquanto a cobertura vacinal não atinge níveis suficientes para causar impacto significativo na transmissão — alerta.