Após semanas de melhora nos números de casos e hospitalizações por covid-19, o momento é de recrudescimento da pandemia no Estado, o que tem preocupado cientistas no Rio Grande do Sul. A opinião de especialistas ouvidos por GZH é de que é necessário ter cautela nas flexibilizações de regras sanitárias, pelo menos até que se saiba mais sobre a variante Delta.
Para o epidemiologista Paulo Petry, que é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a sociedade gaúcha está em uma encruzilhada – ao mesmo tempo em que a vacinação está avançando, enfrenta-se a disseminação acelerada da variante Delta, o que demonstra sua alta transmissibilidade.
— É uma preocupação. Imagino que as flexibilizações tenham sido pensadas a partir do declínio que vínhamos observando nas internações, mas, agora, seria melhor esperar — analisa Petry, citando países como China, França e Estados Unidos, que chegaram a adotar flexibilizações, mas voltaram atrás, diante do aumento no número de casos com o surgimento da Delta.
Na última semana, o governo do Estado publicou decretos nos quais flexibiliza as regras para o funcionamento de diferentes estabelecimentos. Em escolas, por exemplo, a distância mínima entre classes diminuiu de 1,5 metro para um metro. Em restaurantes, a ventilação cruzada não é mais obrigatória. Nas academias, já não é necessário fazer agendamento prévio para realizar atividades presenciais.
Nos próximos dias, outro decreto deve ser publicado pelo Palácio Piratini. Neste, o foco são casas noturnas e eventos. Casas noturnas poderão receber até 350 pessoas, entre clientes e funcionários, que terão de estar de máscara e não poderão usar a pista de dança nem beber em pé. Também será determinado um distanciamento mínimo de um metro entre pessoas que não moram no mesmo domicílio. As restrições, porém, não são consideradas eficazes pelo epidemiologista.
— Na prática, a eficácia é zero. Numa confraternização, as pessoas vão beber, comer e, consequentemente, tirar as máscaras, e duvido que respeitem o distanciamento. Isso não acontece nem no transporte público, onde as pessoas não estão confraternizando, imagina em festas — observa Petry.
O infectologista Ronaldo Hallal, que é membro do Comitê Covid-19 da Sociedade Riograndense de Infectologia (SRGI), avalia que a expansão da Delta aumenta a incerteza quanto a qual o cenário pandêmico que irá se instaurar a partir dela, e que há indícios de que a variante possui “escapes imunológicos” à eficácia das vacinas hoje oferecidas.
— Mesmo com regras, as flexibilizações geram um aumento de aglomerações e, provavelmente, de exposição e transmissão da doença. Precisamos ter muita cautela neste momento, porque há dados mostrando que a detecção de casos e a ocupação hospitalar pararam de cair. Podemos ter uma nova onda, ainda que talvez não tão letal — salienta Hallal.
Reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e epidemiologista Lucia Pellanda reitera que a vacina, sozinha, não impede a transmissão da covid-19.
— A transmissão está muito alta, e isso proporciona o surgimento de novas variantes. Para mim, não é o momento de a gente flexibilizar, e sim de avançar na vacinação, manter os cuidados e, aí sim, poder abrir com mais segurança — conclui a reitora.
Pellanda alerta, ainda, para o alto perigo, hoje, para os não vacinados:
— Talvez os não vacinados estejam correndo mais risco do que nunca correram ao longo da pandemia, porque antes havia outras pessoas mais vulneráveis à doença, mas agora os grupos de risco já se vacinaram — pondera a epidemiologista.
Segundo Petry, as medidas para combater a variante são as mesmas de sempre: ampliar a cobertura vacinal e promover cuidados como distanciamento, uso adequado de máscaras e manter os ambientes com ventilação natural e cruzada. Petry também indica a necessidade de testagem em massa e rastreamento dos contactantes de pessoas positivadas, o que teria diminuído, desde o início, o número de mortos pela doença.
Projeções apontam que variante Delta deverá predominar no RS
Uma projeção feita pelo Comitê Científico de Apoio ao Enfrentamento à Pandemia da Covid-19, vinculado ao governo estadual, indica que o Rio Grande do Sul caminha para o predomínio da variante Delta – mais transmissível – sobre a Gama (antiga P.1, de Manaus), atualmente mais comum no Estado. A suspeita surgiu diante da tendência de leve aumento no número de casos e hospitalizações no Estado e da ocorrência de surtos de covid-19 em hospitais e municípios gaúchos.
— Infelizmente, neste momento, parecemos estar vivendo um cenário de Delta. Isso explica por que pararam de cair as internações e vemos um leve crescimento delas — relata a estatística em epidemiologia Suzi Camey, que também é professora da UFRGS.
Nos últimos dias, o Comitê Científico tem recomendado o reforço dos protocolos sanitários nas fronteiras, assim como sejam fortemente estimuladas medidas como fiscalização de ambientes públicos e o uso de máscaras. Com a confirmação da disseminação da variante Delta nas projeções, a indicação é de não reduzir o distanciamento entre as pessoas.
— Algo que terá impacto no controle da Delta é as pessoas entenderem que têm que parar de relaxar. As pessoas sabem se cuidar, mas pararam, por achar que estava mais tranquilo — pontua Suzi.
A estatística entende que, em um “mundo ideal”, a recomendação seria não reduzir a distância entre as pessoas, mas pondera a importância do retorno de atividades presenciais, por exemplo, nas escolas. No que se refere a eventos, porém, afirma que o Comitê Científico tem se posicionado repetidamente de forma contrária, devido à concentração de pessoas.