Em desenvolvimento no Instituto Butantan e já em teste em seres humanos, a ButanVac largou na frente na corrida entre algumas das maiores instituições de pesquisa do Brasil em busca de um imunizante nacional contra a covid-19. São mais de 10 projetos em andamento em todo o país, mas cinco deles estão mais adiantados.
Além da ButanVac, os produtos das universidades federais do Rio de Janeiro (UFRJ) e de Minas Gerais e da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto aguardam autorização da Anvisa para início dos testes clínicos, seguidos pela candidata da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
A expectativa é de que já no ano que vem o Brasil possa contar com pelo menos uma vacina desenvolvida e produzida em solo nacional. A produção no país é importante por baratear custos e dar autonomia, além de favorecer o desenvolvimento de tecnologia brasileira.
A ButanVac é a única das candidatas à vacina nacional que já se encontra em fase de testes clínicos — em pessoas. Se tudo der certo, acreditam seus desenvolvedores, a autorização para uso emergencial será pedida em novembro. Com uma tecnologia originalmente desenvolvida nos Estados Unidos, o imunizante usa o vírus inativado da doença de Newcastle (que acomete aves) para levar a proteína spike do coronavírus para dentro do organismo.
— Nesta fase A do estudo clínico estamos testando a segurança e a definição das doses — contou o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas. — Ela deve estar encerrada até o fim deste mês. Na segunda etapa, vamos fazer a comparação do desempenho imunológico em relação a outras vacinas e à própria CoronaVac. Isso deve acontecer até outubro. Depois disso, vamos iniciar o processo de submissão de documentação à Anvisa para obtenção da autorização de uso — acrescentou.
O vírus será desenvolvido em ovos embrionados. É a mesma técnica utilizada na produção de vacina da gripe, para a qual o Butantan já tem estrutura industrial de produção. O produto ainda não foi aprovado, mas o instituto já produziu 10 milhões de doses. Serão usadas assim que a autorização final for concedida. A expectativa é de que já ano início do ano que vem a vacina esteja disponível.
— Essa vacina, como é feita na plataforma igual à da vacina da gripe, pode ser produzida em muitas fábricas ao redor do mundo — disse Covas.
A Coppe/UFRJ também desenvolve um imunizante contra a covid-19, a UFRJvac. A vacina é baseada na tecnologia da proteína recombinante, usada, por exemplo, nas vacinas contra a hepatite B e contra o HPV. Por isso, acreditam, dificilmente apresentará algum efeito colateral inesperado. No caso da covid-19, os cientistas criaram em laboratório uma cópia da proteína spike do Sars-CoV2, presente nas espículas que recobrem o vírus. Ao receber o imunizante, o organismo "aprende" a reconhecer a proteína, preparando-se para combater uma eventual infecção.
A tecnologia usada na vacina da UFRJ permite também que sejam feitas adaptações (com relativa facilidade) na cópia da proteína spike usada na formulação do imunizante, de acordo com as mutações apresentadas pelas variantes do Sars-CoV2.
— Em março, começamos a trabalhar nas variantes — contou Leda Castilho, da Coppe/UFRJ, coordenadora do estudo. — Já temos para Delta, Gama, Beta e para outras três ou quatro — acrescentou.
O produto em desenvolvimento pela UFMG e pela Fiocruz-MG, a SpiN-TEC, também é baseado na tecnologia da proteína recombinante. Os pesquisadores usaram uma bactéria comum modificada geneticamente. Ela recebeu partes do genoma do Sars-CoV2 para que conseguisse produzir proteínas do coronavírus. Quando injetada no organismo humano, a quimera induz a resposta imune. Por usar duas proteínas do vírus, a vacina seria capaz de driblar mais variantes.
— Como várias partes da molécula são reconhecidas, se houver uma mutação aqui ou ali, isso não altera a resposta da vacina — explicou o coordenador do estudo, Ricardo Gazinelli, da UFMG e da Fiocruz, lembrando que o IFA do imunizante está em produção.
E a vacina que a USP de Ribeirão Preto desenvolve com a Farmacore, a Versamune, também usa uma proteína recombinante do SarS-CoV2. Neste caso, no entanto, ela é empacotada em uma nanopartícula que estimula as células T do sistema imunológico. Segundo a Farmacore, vacinas que usam a mesma tecnologia geram imunidade por até 12 anos. Ainda não se sabe se o mesmo efeito será alcançado para o coronavírus.
Ainda sem um nome definitivo, a vacina da Universidade Federal do Paraná também usa proteínas virais recombinantes. São carreadas por biopolímeros biodegradáveis. É uma tecnologia nova, também desenvolvida na UFPR. Os biopolímeros absorvem as proteínas do Sars-CoV2. Mimetizando o vírus, carregam-nas para dentro do organismo.
— As vacinas são compostas, basicamente, por dois componentes: o antígeno e o carreador ou adjuvante — explicou o coordenador do estudo da UFPR, Emanuel Maltempi de Souza.
— A parte da vacina que vem do organismo patogênico reconhecido por nossas células constrói a defesa. Mas o carreador também é essencial; é ele que estimula as células T a desenvolver uma resposta. O antígeno é relativamente fácil de fazer, mas o adjuvante é outra história. Poucas empresas produzem. O desenvolvimento de adjuvantes é essencial, não apenas para a produção, mas também para termos a propriedade intelectual desses adjuvantes. Para nossa completa independência temos de fazer parte da cena dos produtores — continuou.
Tecnologia
Embora seja um grande produtor de vacinas, o Brasil nunca desenvolveu um imunizante.
— Uma coisa que essa pandemia evidenciou é a nossa dependência tecnológica, tanto na área dos diagnósticos e equipamentos médicos, mas também na questão da vacina — afirmou o coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Vacina do MCTI, Ricardo Gazinelli. — Todos os países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) já desenvolvem suas vacinas, Cuba já tem duas. Precisamos aprender esse caminho — acrescentou.
Emanuel Maltempi de Souza concorda com o colega:
— Um país com mais de 200 milhões de habitantes que não tem tecnologia própria de vacina está à mercê das intempéries, não tem como reagir.