Ao mesmo tempo em que atingiu a oitava maior mortalidade do Brasil por coronavírus, o Rio Grande do Sul é o quarto Estado que, proporcionalmente, mais vacinou sua população contra a covid-19. Se o bom ritmo for mantido, afirmam analistas, há esperança de controle da pandemia, desde que mais pessoas possam ser imunizadas diariamente.
Até a manhã desta sexta-feira (2), 1,48 milhão de doses haviam sido aplicadas em 23% dos grupos prioritários e 10% da população total do Estado – há 11,4 milhões de habitantes no Rio Grande do Sul.
A segunda dose foi recebida por 305 mil pessoas, ou 2,7% da população. À frente do Rio Grande do Sul, os melhores ritmos vacinação são de Mato Grosso do Sul, Bahia e Amazonas.
Os dados são do portal Covid-19 no Brasil, cujas estatísticas são utilizadas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em site dedicado a monitorar o avanço da vacinação no país.
Apesar de ter a compra atrasada pelo governo federal em virtude da origem chinesa, a CoronaVac é o grande carro-chefe da campanha: a cada 10 vacinas aplicadas no Rio Grande do Sul, oito são CoronaVac, segundo dados da Secretaria Estadual da Saúde (SES) disponibilizados em novo painel de transparência dedicado às estatísticas vacinais.
Em média, 20 mil injeções são aplicadas diariamente, mas o ritmo vem crescendo nas últimas semanas, conforme o repasse pelo Ministério da Saúde é intensificado. Em 25 de março, o Rio Grande do Sul vacinou um recorde de 62,8 mil pessoas.
O aumento na velocidade pode ser observado pela gradual redução na idade de corte para receber uma vacina. Em Porto Alegre, a cada dia que passa, a linha cai um ano. Neste feriado, podem se imunizar idosos com 66 anos na capital gaúcha. Ainda assim, está longe de ser uma velocidade suficiente para controlar a pandemia.
De todas as 2,86 milhões de doses enviadas pelo Ministério da Saúde ao governo do Estado, 62% foram aplicadas. São Paulo usou 88% das injeções. O Distrito Federal, 83%, e Mato Grosso do Sul, 82%. A Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul afirmou a GZH que o número de doses aplicadas é maior, mas que algumas prefeituras não atualizam as estatísticas no sistema.
Apesar das poucas doses disponíveis, analistas destacam que o Rio Grande do Sul é beneficiado pela herança de um fortalecido Sistema Único de Saúde (SUS) em comparação a outras regiões do Brasil e pela capilaridade da atenção básica – são 2,6 mil postos espalhados pelo Estado e milhares de clínicas particulares e farmácias de bairro que servem há anos como locais de imunização.
Especialistas apontam, ainda, a experiência de governos, prefeituras e, sobretudo, de profissionais da saúde gaúchos que, todos os anos, imunizam milhões de pessoas durante a campanha de vacinação contra a gripe.
— O Rio Grande do Sul está vacinando bem, dentro das possibilidades. Não é surpreendente: temos uma característica de eficiência em serviço público de saúde. Além disso, apesar de todos os Estados aplicarem vacina contra a gripe, no Rio Grande do Sul a gripe tende a ser, pela característica climática, mais grave, então há essa expertise em vacinar. Se continuarmos entre os que mais vacinam, talvez vejamos bons resultados — avalia Pedro Hallal, professor de Epidemiologia na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e membro do Comitê Científico do Palácio Piratini.
Como o inverno é rigoroso e o H1N1 é motivo de preocupação porque o Rio Grande do Sul é o Estado com, proporcionalmente, mais idosos no país (portanto, mais pessoas vulneráveis), são anos de prática em organizar uma imunização em massa e sensibilizar a população sobre a importância da vacina – sobretudo nos velhinhos.
— Muitas pessoas deixam de se vacinar simplesmente porque não têm o hábito de se vacinar. Mas, no Rio Grande do Sul, esse hábito existe, e inclusive o antivacinismo por aqui é menos evidente quando comparado a outros Estados. Isso está ligado ao clima e a termos uma época de influenza. Depois da influenza, as pessoas passaram a se vacinar mais, o que favorece outros programas de vacina, como o da covid — avalia André Luiz Machado da Silva, médico infectologista no Hospital Conceição.
Mas o médico epidemiologista Ricardo Kuchenbecker, gerente de risco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, pondera que, por ser o Estado mais idoso do país, o Rio Grande do Sul recebe mais vacinas contra a covid. Com 11,4 milhões de habitantes, 45% da população – o equivalente a 5 milhões – faz parte dos grupos prioritários.
— Temos uma população que, na média, é mais velha do que no resto do país. Então, também conseguimos ter um percentual de população vacinada maior do que a média brasileira. Mas o Rio Grande do Sul tem historicamente uma capilaridade maior do que outros Estados para fazer a vacinação, o que pode estar fazendo diferença — afirma Kuchenbecker.
Essas vacinas auxiliam ao proteger contra a doença, hospitalização e morte, mas não contra a transmissão. Por isso, vai demorar para vermos um efeito concreto na epidemia.
CRISTINA BONORINO
Professora da UFCSPA
A agilidade gaúcha deve servir como motivo de esperança, mas a imunologista Cristina Bonorino, professora na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e colunista de GZH, alerta que o ritmo atual não é suficiente para o controle da epidemia e que a população deve manter as medidas de distanciamento social por uma razão: não há provas de que a CoronaVac e a vacina de Oxford evitem a transmissão do vírus em quem foi imunizado – apenas que evitam a hospitalização e a morte.
Como resultado, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) orienta que pequenas reuniões em ambientes fechados aconteçam apenas entre vacinados. Da mesma forma, se você visitar seus pais ou avós imunizados, a máscara deve ser utilizada porque, apesar de eles estarem protegidos, você pode pegar covid-19 deles e adoecer.
— Essas vacinas auxiliam ao proteger contra a doença, hospitalização e morte, mas não contra a transmissão. Por isso, vai demorar para vermos um efeito concreto na epidemia. À medida que começarmos a diversificar o portfólio de vacinas, conseguiremos controlar a transmissão — diz a professora da UFCSPA.
Na visão de Ana Costa, diretora do Departamento de Atenção Primária e Políticas de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde (SES), o bom desempenho gaúcho é explicado pela boa logística na distribuição das vacinas. É comum, ela diz, as vacinas chegarem pela manhã ao Estado e, no fim da tarde, já estarem nas prefeituras.
Ana Costa também cita que, para contornar a inexperiência de grande parte dos prefeitos que assumiram o primeiro mandato em janeiro deste ano, o governo do Estado treinou prefeituras sobre como conduzir uma campanha de vacinação. E ela destaca que Palácio Piratini transfere verbas para fortalecer a assistência básica em municípios do Estado.
— O SUS é forte no Estado, mas o Estado também investe na rede, então acaba existindo mais recurso para o posto de saúde aplicar recursos em equipe, material, insumo e qualificação. Além de receber o designado em portarias (do Ministério da Saúde), a rede também recebe incentivo às ações do SUS pelo Estado. Por exemplo, o Estado permitiu que municípios usassem o saldo de recursos repassados no ano anterior para ações de covid, tanto de fiscalização quanto de vacina. Isso possibilitou a contratação de novas pessoas — diz.
Mas Ana discorda da interpretação de que o Rio Grande do Sul estaria na frente por ter recebido do Ministério da Saúde mais doses de vacinas em virtude de ser o Estado mais idoso do país.
— Temos mais grupos prioritários porque temos uma população que envelhece mais, o que também traz mais comorbidades. Mas, ao mesmo tempo em que temos mais vacinas por isso, há mais equipes envolvidas em atendimento e mais idosos acamados e em ILPIs (instituições de longa permanência). Vaciná-los envolve ligar, marcar um horário, levar vacinadores ao local... O que é vantagem em número de vacinas pode ser desvantagem em tempo de atuação — afirma a diretora da Secretaria de Estado da Saúde.