A vacinação contra a covid-19 tem enfrentado uma dificuldade em Porto Alegre desde a chegada da última remessa de doses, na semana passada: a negativa de uso por algumas pessoas que receberão o imunizante da Universidade de Oxford/AstraZeneca, produzido no Brasil em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e que é maioria no lote recebido. As justificativas mais usadas para a negativa são o intervalo entre doses muito grande e o receio de eventos adversos recentemente noticiados.
Em alguns casos, inclusive, há relatos de indivíduos que chegam nas unidades de saúde portando atestado médico recomendando o uso da CoronaVac no lugar da vacina de Oxford, conta Fernanda Fernandes, diretora adjunta de Vigilância em Saúde de Porto Alegre. Quando é possível, diz Fernanda, a opção do paciente é levada em consideração. No entanto, atualmente, não há essa possibilidade:
— Nos últimos dois lotes, não recebemos CoronaVac para dose 1 (D1), apenas para dose (D2). Não podemos usar essas D2, pois pode faltar para quem já fez a D1. No momento, a única disponível para D1 é Oxford, que foi a mesma que o prefeito tomou ontem.
Sem muitos detalhes, os documentos médicos apenas fazem a recomendação e não apresentam uma justificativa para a escolha, acrescenta Fernanda.
Abaixo, confira alguns esclarecimentos alguns pontos sobre a vacina de Oxford/AstraZeneca:
Quais foram os eventos adversos relatados?
São efeitos leves, como dor de cabeça, dor no local da aplicação, coceira no local, sensação febril e leve mal-estar, elenca Fernanda. Segundo ela, esses casos são reportados por um em cada 10 vacinados, sendo que o quadro regride em 24 horas. Os eventos tromboembólicos são considerados raros.
O quão raros são esses eventos?
Na Europa, até 22 de março, 86 potenciais casos do problema foram reportados em um total de 25 milhões de imunizados com o produto Oxford/AstraZeneca.
— Não se conseguiu fazer uma atribuição à vacina, até porque a incidência desses eventos era exatamente igual ou inferior à população que não tinha sido imunizada — explica Carlos Isaia Filho, presidente do Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers).
De acordo com especialistas, tais eventos não sofreram nenhum aumento em razão da vacina. Em entrevista ao programa Timeline, Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), afirma que eventos tromboembólicos acontecem no dia a dia sem a vacina. Em alguns casos, têm relação com o uso de anticoncepcional oral nas mulheres e com o tabagismo.
Qual o perfil de quem teve eventos adversos raros?
A Agência Europeia de Medicamentos, equivalente à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil, informou, no começo de abril, que a maioria dos casos ocorreu em mulheres abaixo dos 60 anos.
— Esse viés tem sido observado em mulheres jovens em idade reprodutiva. Pode ter alguma questão hormonal, mas isso ainda está sendo investigado. Além de ser extremamente raro, não fizeram a ligação dos eventos com a imunização. Possivelmente não está relacionado, mas a boa prática científica nos leva a não menosprezar qualquer relato — garante Fernanda.
Onde a vacina não está sendo usada?
Alguns países restringem a faixa etária que pode utilizar a vacina de Oxford, enquanto outros, como a Dinamarca, optaram por não a usar. Na Alemanha e na Holanda, por exemplo, a recomendação é de aplicar o imunizante na população acima dos 60 anos. A chanceler alemã, Angela Merkel, recebeu a vacina Oxford/AstraZeneca na última sexta-feira (16). Cerca de 20 países europeus chegaram a suspender temporariamente o uso da vacina de Oxford, mas todos retomaram a vacinação.
Por que o intervalo entre doses é maior?
Porque durante os estudos foi verificado que a eficácia era maior com um tempo entre doses estendido. Vale lembrar que, 22 dias depois da aplicação da primeira dose, o organismo já começa a produzir defesas contra a covid-19, diz Fernanda. Essa eficácia fica acima de 70% e deve ser completada pela segunda dose, três meses depois.
O presidente da SBIm destacou que as duas vacinas em uso no Brasil, Oxford e CoronaVac, são eficazes e efetivas para proteção das formas moderadas e graves da covid-19.
— Elas foram eficazes nos estudos e têm se mostrado efetivas no mundo real. Precisamos reforçar: a segunda dose vai completar e dar proteção prolongada — enfatizou Cunha.
Posso escolher a vacina?
Se houver indicação médica, fala Fernanda, não há problema. No entanto, agora, a CoronaVac só está disponível para a segunda dose.
— No início, as pessoas queriam a vacina de Oxford, e não a CoronaVac, inclusive com atestado. Agora mudou — lembra a diretora adjunta.
Na opinião do presidente do Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers), não há motivo nenhum para recomendar uma vacina em detrimento de outra:
— A troca de uma pela outra não tem sentido. Não temos nenhuma evidência clínica ou científica comprovada que mostre uma tendência para esse tipo de prática. Não temos como dizer "essa é melhor que aquela" ou "essa dá menos efeitos colaterais". A própria orientação do Ministério da Saúde não faz esse tipo de restrição — defende.
É importante lembrar que não é recomendável tomar a primeira dose de uma vacina e a segunda, de outra.
Por que é importante vacinar com a dose disponível?
Quanto mais pessoas vacinadas, melhor para todo mundo. A vacina é uma estratégia de saúde coletiva. Conforme Fernanda, quanto mais gente recusando os imunizantes oferecidos, mais comprometida fica a coletividade e a meta de vacinação do município.
— O benefício da vacina supera todos esses possíveis efeitos adversos. Tanto os leves e até os eventos tromboembólicos — finaliza a diretora da Vigilância em Saúde de Porto Alegre.