Ao fechar o portão da emergência na tarde desta quarta-feira (10), o Hospital Nossa Senhora da Conceição deu mais uma demonstração da gravidade da pandemia no Rio Grande do Sul — já comprovada pelos recordes em ocupação de leitos de UTI, de casos e de mortes registrados nas últimas semanas. A área da instituição de saúde, uma das principais de Porto Alegre, é conhecida por estar "sempre aberta".
— Decidimos realizar o fechamento momentâneo da emergência por conta do esgotamento dos recursos físicos, humanos e tecnológicos. Neste momento, admitir outros pacientes geraria risco para a equipe e para os pacientes — explica o gerente interino das unidades de emergência do Conceição, Cleber Verona, diante de uma situação que inclui 40 pacientes entubados e 23 com máscaras de oxigênio.
Com gradis em frente à entrada, na Zona Norte, apenas pessoas chegadas em ambulância, em estado grave, passaram a ser admitidas. A expectativa — embora isso dependa da evolução do quadro de quem está internado — é de reabertura na quinta-feira (11). Cláudio Oliveira, superintendente do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), diz se tratar da medida mais difícil que adotou em um ano de pandemia:
— Sabemos do peso que isso tem para a sociedade. É uma medida extrema, e nós reconhecemos isso, mas não podemos de forma alguma colocar a vida das pessoas que estão internadas no hospital em risco. Esse é um alerta de que chegamos na nossa capacidade, de que a população precisa se conscientizar.
Os depoimentos de ambos os gestores ganham mais peso com a definição que André Cecchini, superintendente até o começo de 2020, faz do local: uma emergência que "não tem medo de nada".
— Sempre enfrentou tudo e todos. Esse é o simbolismo do fechamento. É o último local da cidade, é o nosso último bastião. E, mesmo assim, perdeu a capacidade de atendimento. É preciso destacar: isso não aconteceu porque o Conceição deveria ter feito melhor, pelo contrário, ele fez tudo o que pôde. Mas o sistema de saúde em toda a cidade, na rede pública ou privada, perdeu a capacidade de absorver novos pacientes — enfatiza o médico.
É o nosso último bastião. E, mesmo assim, perdeu a capacidade de atendimento
ANDRÉ CECCHINI
Superintendente até o começo de 2020
Ex-superintendente do Conceição e ex-secretária estadual da Saúde, Sandra Fagundes diz que contribuiu para o quadro o "total descaso" por parte do governo federal para ampliar leitos e contratar mais profissionais de saúde. Ela acrescenta, assim como outros diretores de hospitais, que profissionais da saúde "chegaram ao limite".
— É algo assustador, alarmante. Muito da credibilidade do Conceição vem de sua capacidade de atendimento à população. Quando o hospital de maior emergência fecha, a indagação que fica é: "Para onde vamos recorrer?". Esse é mais um capítulo da tragédia anunciada — afirma.
A decisão, porém, não ficou isenta de críticas. Para o deputado estadual Dr. Thiago, que também é médico, trata-se de um momento de "operar em mais de 100% da capacidade":
— Fechar emergência durante uma pandemia é um absurdo, e por isso que nenhuma fechou até agora. Há hospitais que não tinham mais onde colocar pacientes e hoje estão atuando acima da capacidade, fazendo mais do que tinham condições de fazer. Pode não ser o ideal, pode estar complicado, mas como um médico vai negar atendimento? Isso é um problema de gestão.
Secretário de Saúde de Porto Alegre, Mauro Sparta afirma que não se trata de um fechamento, já que pacientes que chegam em ambulâncias ainda são atendidos. O médico, que atuava desde 2016 no Conceição, deixou a entidade em dezembro de 2020 para assumir o cargo a prefeitura.
— Tive uma conversa com a direção do hospital hoje e o que eles me informaram é que precisam desse período para se reorganizar e abrir mais espaço para atender pacientes com covid. Mas ressalto que não é um fechamento, é restrição — ressalta.
Quem chega no portão da instituição é orientado a procurar uma Unidade Básica de Saúde ou uma Unidade de Pronto Atendimento. Entre as tardes de terça e quarta-feira, o Conceição atendeu 91 pacientes. Por volta das 16h, havia 215 internados com covid-19 em UTI e leitos clínicos.
Colaborou: Eduardo Paganella