Em vigência desde 20 de fevereiro, a medida de combate à pandemia decretada pelo governo do RS que restringiu o funcionamento das atividades comerciais à noite e durante a madrugada tem impactado a rotina dos gaúchos. Os supermercados do Estado estão obrigados a encerrar suas atividades às 20h, e só podem retomá-las às 5h do dia seguinte. Se por um lado o plano de ação visa limitar os motivos pelos quais as pessoas sairiam à noite, a restrição no horário tem provocado aglomerações do lado de fora dos comércios de alimentos em horários de pico.
Nessas ocasiões, reforça o professor de epidemiologia da Universidade Federal do RS (UFRGS) e assessor do Hospital de Clínicas Jair Ferreira, o risco de transmissão da covid-19 é alto, já que parte das pessoas que aguardam sua vez de entrar "não mantém o distanciamento adequado, não usa máscara ou usa sem tapar nariz ou boca".
— Como o supermercado é essencial e as pessoas precisam se abastecer com frequência, existe uma concentração de pessoas por volta das 18h às 20h, que é quando grande parte sai do trabalho. Nesse aspecto, acabam ocorrendo aglomerações, o que não é nada bom. Em se tratando de supermercados, não vejo grande vantagem nessa restrição, mas ela é pertinente para outras atividades — afirma Ferreira.
Já o médico epidemiologista do Hospital Moinhos de Vento Maicon Falavigna entende que a medida pode fazer sentido se for bem-sucedida em inibir as interações à noite.
— A restrição de horário do supermercado tende as fazer as pessoas se aglomerarem mais, o que deixa o ambiente mais perigoso para contágio. Mas, por outro lado, dentro de uma política de fechar diversas atividades a partir das 20h, esse aumento de risco pode fazer sentido se conseguir diminuir a circulação geral de pessoas nos demais horários — afirma Maicon.
Sob o regime de bandeira preta do sistema de distanciamento controlado do governo do RS, a lotação do comércio varejista deve ser de uma pessoa para cada oito metros quadrados de área útil, respeitando os limites do Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI) de cada estabelecimento. O decreto vigente também determina que os clientes que ingressam no estabelecimento até as 20h têm até as 21h para concluírem suas compras. A restrição de horário deve se estender pelo menos até 7 de março, medida que conta com o apoio da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), que afirma depositar total confiança nas recomendações da equipe técnica do governo:
— Estamos cumprindo o que foi determinado pelo governo e está dando certo. Não vamos nos opor nem dar uma outra sugestão, pois não temos esse parecer técnico. O que estamos fazendo é cobrar bastante os cuidados com higienização e distanciamento nos supermercados, mas é claro que, pontualmente, algumas lojas têm pessoas na fila do lado de fora, quem chega às 19h muitas vezes não consegue entrar — diz o presidente da Agas, Antônio Cesa Longo.
Já o Sindigêneros, entidade que representa a categoria econômica das empresas varejistas de gêneros alimentícios, entende que a redução do funcionamento é prejudicial aos consumidores e aos trabalhadores:
— As medidas que vêm em prol de garantir a vida das pessoas são fundamentais, mas é inegável que estamos com problemas sérios de aglomeração no final da tarde. Se o funcionamento fosse maior, haveria menos aglomeração, já que o cliente teria mais espaço para decidir o melhor horário para ir. Também seria uma segurança no sentido de garantir mais empregos, em um momento em que muita gente está sendo demitida — afirma o presidente do Sindigêneros-RS, João Francisco Micelli Vieira.
Mudança de hábito
No dia 19, quando anunciou a ampliação da restrição do funcionamento dos supermercados das 22h para as 20h, o governador Eduardo Leite argumentou que a intenção era "chamar a atenção da população para mudar seus comportamentos e fazer com que as pessoas fiquem em casa o máximo do tempo, restringindo seus contatos e a circulação neste momento crítico". Segundo a Agas, uma mudança no comportamento dos consumidores está de fato em curso, como uma resposta à pandemia.
— Estamos atendendo, atualmente, cerca de 2,5 milhões de pessoas por dia, número que em tempos de maior liberdade chega a 4 milhões. As idas ao súper diminuíram, mas os consumidores estão gastando mais para aumentar seus estoques de produtos. As pessoas estão preocupadas, não estão indo para passear. Um ano atrás, levava-se cerca de 20 segundos para escolher o produto. Hoje, não passa de oito segundos — estima Longo.
Com o RS atravessando seu período mais crítico em termos de ocupação da capacidade hospitalar, a recomendação dos especialistas é que as idas ao supermercado sejam em horários menos lotados e feitas de forma rápida e atenta aos protocolos de saúde.
— Algumas opções são o uso de serviços alternativos, como aplicativos para a telentrega de compras, evitar a ida de famílias inteiras ao súper e planejar com antecedência os itens que se pretende comprar, para reduzir o tempo de permanência — afirma Falavigna.
O governo do Estado foi consultado pela reportagem a respeito da efetividade da medida que restringe o horário de funcionamento dos supermercados, mas não se pronunciou.