No decorrer da última semana, países europeus anunciaram a suspensão do uso da vacina contra a covid-19 produzida pela farmacêutica AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford, fato que gerou uma série de dúvidas e questionamentos por parte da população, embora a Organização Mundial da Saúde (OMS) continue reforçando a segurança do imunizante. A coordenadora dos ensaios clínicos do produto no Brasil, Sue Ann Costa Clemens, também defendeu que é seguro utilizá-lo em qualquer país do mundo e apontou que essas interrupções podem estar relacionadas a razões políticas.
Em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, na manhã desta quarta-feira (17), ela reforçou que as pessoas devem entender que existe um plano de farmacovigilância quando uma vacina é liberada para uso e que esses eventos possíveis sempre ocorrem com todos os imunizantes, não somente com aqueles contra a covid-19.
Sue afirmou que mais de 50 países já estão com vacinas registradas e que, no total, mais de 18 milhões de pessoas já foram imunizadas na Europa e no Reino Unido, por isso, é normal que esses eventos adversos sejam relatados de forma seguida.
No entanto, segundo a coordenadora, o importante na análise de base de dados é comparar o número de eventos encontrados nas pessoas vacinadas com o número de eventos esperados para aquela população, naquelas faixas etárias e naqueles países onde a campanha está ocorrendo:
— Foram encontrados 15 casos de trombose venosa profunda e 22 de embolia pulmonar em pessoas vacinadas no Reino Unido, sendo que o número de casos esperados para esses dois eventos era de cerca de 800. Então, o número de casos encontrados foi infinitamente menor do que o que se espera encontrar em uma população normal.
Sue salientou que as áreas científicas e médicas têm consciência desses números e sabem que são casos normais, mas os políticos não. Também comentou que a Europa conta com mais de 15 esquemas de vacinação diferentes, ou seja, não há uma harmonização ou um consenso, e que os países europeus não têm experiência com campanhas de vacinação em massa, como está ocorrendo diante da pandemia. Por este motivo, disse considerar normal que eles se posicionem contra o imunizante, que pensem em investigar e que tenham medo de serem criticados pelas instituições e pelas mídias.
A coordenadora reforçou, entretanto, que não concorda, assim como vários outros cientistas, com a suspensão do uso do produto de Oxford/AstraZeneca. Para ela, os comitês desses países estão sendo supercautelosos, considerando que a Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla em inglês) e a OMS, que são instituições que têm experiência com o desenvolvimento clínico e com vacinas, já se posicionaram defendendo que a vacinação continue.
— Acho que por falta de experiência (dos comitês), eles tomaram uma decisão bastante impulsiva, quando deveriam pensar no impacto de saúde pública que isso causa, sendo que daqui a pouco tomam uma decisão contrária, voltando atrás. A investigação está sendo conduzida por quem entende (EMA e OMS) e isso deveria ser seguido — enfatizou.
De acordo com Sue, a AstraZeneca entregou para a EMA um dossiê feito com a participação de 18 milhões de pessoas mostrando que não há nenhum risco ou aumento de algum tipo de evento ou enfermidade na população vacinada. O imunizante, portanto, se mostra seguro não somente no Brasil, mas em todos os países onde está sendo administrado.
Ela também explicou que eventos tromboembólicos são coágulos que acabam entupindo as veias e causam diferentes doenças e podem ser causados por outros fatores, como tabagismo, nível de gordura aumentado no sangue e uso de outros medicamentos como o anticoncepcional. Ou seja, são situações que podem ocorrer por diversos outros motivos, mas as pessoas vacinadas estão dentro de uma lupa de observação e, por isso, esses casos são analisados e comparados de país para país.
— Nós temos mais de 60 mil pessoas nos nossos estudos clínicos a nível mundial, e teve uma incidência maior desses eventos no grupo que tomou placebo do que no grupo vacinado. Então, é mais um indício de que a vacina é realmente segura e não causa esse tipo de evento — relatou.
A análise e investigação dos eventos é um pouco demorada porque os casos precisam ser avaliados individualmente, esclareceu Sue. É necessário avaliar a relação temporal com a vacina, as condições pré-existentes da pessoa e também tentar excluir todas as outras causas que eventualmente podem ter levado à doença tromboembólica, para então tentar relacionar o evento com a vacina ou não.
Como exemplo dessa avaliação, a coordenadora citou um caso ocorrido na Noruega no início da vacinação com o imunizante da Pfizer, onde 23 idosos morreram em um período de aproximadamente 10 dias. Diante da situação, a aplicação de doses foi interrompida e, durante a investigação, foi observado que morriam 40 idosos por dia em clínicas. Portanto, a causa foi afastada e retomou-se a imunização.
Além disso, Sue relatou que no Reino Unido, também com a vacina da Pfizer, ocorreram 15 eventos tromboembólicos e a suspensão não ocorreu:
— Por que isso não está acontecendo com a vacina da Pfizer? A gente pode se perguntar isso. Então, acho que tem um cunho político também, infelizmente há falta de vacina e a AstraZeneca não entregou o produto na Europa. O primeiro ministro italiano falou ontem (na terça-feira) muito claro, ele acredita que isso (a suspensão) tem cunho político com certeza, pela falta de entrega.
Vacinação no Brasil
Durante a entrevista, Sue ainda comentou que a vacina da Oxford/AstraZeneca também funciona para a variante do coronavírus que está circulando no Brasil e que a empresa começará estudos de efetividade. Ela também elogiou a intervenção do governo para ter as transferências de tecnologia para ter a produção do imunizante no país e disse que essa visão estratégica foi reconhecida internacionalmente.
Em relação ao atraso na entrega dos imunizantes e da matéria-prima para a produção, a coordenadora afirmou que é uma realidade a nível internacional, mas que o chamado Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) deve chegar ainda em março ao Brasil, para que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) possa produzi sua capacidade de um milhão de doses por dia.