Alemanha, França e Itália decidiram suspender, nesta segunda-feira (15), o uso da vacina de Oxford por alguns dias após a suspeita de formação de coágulos sanguíneos. Segundo os governos dos países europeus, a medida foi feita “por precaução” para investigar o possível efeito adverso com a aplicação das doses produzidas pelo laboratório AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford.
Nos últimos dias, optaram por pausar a aplicação, pelo mesmo motivo, nações como Dinamarca, Áustria (um lote específico), Noruega, Espanha, Holanda e Islândia. A Itália recebeu o relato de dois homens que morreram com trombose venal após receberem uma dose do imunizante. A Áustria tomou a decisão após a morte de uma mulher por problemas severos de coagulação.
No entanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS), a agência reguladora da União Europeia (EMA, na sigla em inglês) e a similar do Reino Unido (MHRA) afirmaram que não há motivo para a suspensão porque não existem indicativos que relacionem a vacina de Oxford com possíveis problemas de coagulação sanguínea.
A AstraZeneca cita, em nota enviada a GZH, que União Europeia e Reino Unido registraram somente 37 casos de trombose venosa profunda ou embolia pulmonar em meio a 17 milhões de europeus que receberam a vacina, uma incidência menor do que o registrado na população em geral.
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, afirmou nesta segunda-feira que a suspensão é um procedimento de rotina e uma prova de que os sistemas de vigilância estão funcionando.
— A suspensão não necessariamente significa que esses eventos estejam relacionados à vacinação. Mas é prática de rotina investigá-los e mostra que o sistema de vigilância funciona e que controles eficazes estão em vigor — declarou o dirigente da OMS.
A EMA destacou, em nota divulgada na semana passada, que o aparecimento de problemas de coagulação nos vacinados é menor do que a incidência média na população em geral, mesmo argumento usado pela AstraZeneca. Em nota, a agência reguladora europeia afirma que “não há indicativos de que a vacinação cause essas condições, que não estão listadas como efeitos colaterais. A decisão do Comitê de Farmacovigilância da EMA é de que os benefícios da vacinação superam riscos e que a vacina pode continuar a ser administrada enquanto a investigação dos casos de eventos trombóticos segue”. A instituição está investigando os relatos e deve emitir comunicado nesta terça-feira (16).
A MHRA também saiu em defesa da vacina de Oxford ao citar que problemas de coagulação são comuns e que o imunizante em questão é seguro.
A suspensão temporária da aplicação de uma vacina já aconteceu antes e faz parte de um processo de transparência e acompanhamento dos vacinados, salienta Gustavo Cabral, imunologista e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP).
Toda e qualquer ação teoricamente anormal nas pessoas imunizadas precisa ser averiguada. Isso faz parte do protocolo científico. Mas, neste momento, não há necessidade de preocupação
GUSTAVO CABRAL
Imunologista e pesquisador da USP
— Toda e qualquer ação teoricamente anormal nas pessoas imunizadas precisa ser averiguada. Isso faz parte do protocolo científico. Mas, neste momento, não há necessidade de preocupação. Esse procedimento é normal para esta vacina ou qualquer outra. Aqui no Brasil não teve nenhum efeito adverso grave. E já vacinamos milhões de pessoas — diz Cabral.
A Alemanha, por exemplo, chegou a suspender por alguns dias a aplicação da vacina de Oxford por considerar preliminarmente que faltavam dados de eficácia em idosos. Depois, voltou atrás e passou a incluir aposentados na campanha de imunização.
A Noruega investigou, sem suspender, relatos de 33 idosos que morreram após terem recebido uma dose da Pfizer. Mas uma investigação independente provou que não havia relação entre os óbitos e a vacina.
— A suspensão é uma medida que alguns países adotam após algum evento ser notificado. Mas não é porque duas coisas acontecem ao mesmo tempo que elas têm relação entre si. A própria OMS se posicionou no fim de semana afirmando que não havia relação entre os efeitos trombólicos e a vacina. Óbvio que tem que investigar, mas tudo indica que não há relação com o imunizante — afirma a biomédica Mellanie Fontes-Dutra, doutora em Neurociências e coordenadora da Rede Análise Covid-19.
A própria OMS se posicionou no fim de semana afirmando que não havia relação entre os efeitos trombólicos e a vacina. Óbvio que tem que investigar, mas tudo indica que não há relação com o imunizante
MELLANIE FONTES-DUTRA
Biomédica, doutora em Neurociências e coordenadora da Rede Análise Covid-19
No Brasil, a vacina de Oxford é central na campanha de imunização, conforme as negociações efetuadas pelo governo Jair Bolsonaro – diferentemente das nações europeias, que fecharam acordos com várias farmacêuticas.
Nesse cenário, observa Mellanie, países europeus podem “se dar ao luxo” de suspender por alguns dias a aplicação da vacina de Oxford, uma vez que outros imunizantes seguirão sendo aplicados na população. Já no Brasil, a decisão implicaria um custo muito alto à população.
— É uma medida que alguns países fazem para investigar, mas o fazem enquanto têm outras vacinas e estão em outra situação da pandemia. No Brasil, não vejo motivo de nos preocupar neste momento porque esses eventos são menores do que o observado na população em geral, a OMS diz que não há relação e, ainda por cima, esses relatos não vieram daqui — afirma a coordenadora da Rede Análise Covid-19.
Anvisa afirma que não há efeitos adversos no Brasil
Contatada por GZH, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou, por meio de nota, que o lote suspenso pelas autoridades europeias não veio para o Brasil e que, “nas bases nacionais que reúnem os eventos ocorridos com vacinas, não há registros de embolismo e trombose associados às vacinas contra a covid-19”.
A entidade reguladora brasileira destaca que está acompanhando e buscando informações junto às autoridades internacionais “sobre possíveis eventos adversos relacionados ao uso da vacina de Oxford”.
A Anvisa acrescenta, ainda, que já solicitou informações sobre a investigação promovida na Europa e destaca que não há provas da relação entre os problemas de coagulação e a aplicação da vacina de Oxford.
AstraZeneca sustenta que vacina é segura
Em nota enviada a GZH, o laboratório AstraZeneca sustenta que a vacina de Oxford foi estudada extensivamente nos ensaios clínicos, cujos resultados provaram a segurança do imunizante.
Observa também que “foi realizada uma cuidadosa revisão de todos os dados de segurança disponíveis, que contam com mais de 17 milhões de pessoas vacinadas na União Europeia e no Reino Unido”, mas que os resultados mostraram que não há “evidências de um risco aumentado de embolia pulmonar, trombose venosa profunda (TVP) ou trombocitopenia, em qualquer faixa etária, sexo, lote ou em qualquer país em particular”.
A AstraZeneca também destaca que, durante os ensaios clínicos, o número de eventos tromboembólicos “foi menor no grupo vacinado, embora o número desses eventos fosse pequeno de forma geral”. Diz que não houve evidência de aumento de sangramento em mais de 60 mil participantes dos estudos.
O laboratório ressalta que, durante a produção da vacina, mais de 60 testes de qualidade são realizados pela AstraZeneca, por seus parceiros e por mais de 20 laboratórios de testes independentes. “Todos os testes precisam atender a critérios rigorosos de controle de qualidade, e esses dados são submetidos aos reguladores de cada país ou região para revisão, antes que qualquer lote possa ser liberado”, diz a nota.