A pandemia alternou rotinas pessoais e profissionais, e os hábitos alimentares estão entre os mais afetados pela nova conjuntura. Pedidos de fast-food por aplicativos, preparo de congelados e instantâneos nada nutritivos e inúmeras “beliscadas” passaram a fazer parte do cotidiano de quem precisou aderir ao teletrabalho ou ficou sem as opções com que podia contar antes da disseminação do coronavírus.
Contribuem para a piora do quadro de saúde geral a diminuição ou a suspensão da atividade física, além de horas a mais ao computador restringirem pequenos deslocamentos e movimentos dentro de casa. Ou seja: muita gente está comendo mal, mexendo-se pouco e adquirindo péssimos costumes, como almoçar e jantar no sofá ou em frente ao computador.
O tema dos hábitos alimentares na pandemia e no futuro integrou a programação do 15º Simpósio de Nutrição, promovido pela Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Nutricionista do complexo hospitalar, Jéssica Pinto Polet chama atenção para a importância da nutrição comportamental, que vai muito além dos componentes do cardápio, considerando o ambiente em que o indivíduo está inserido e os sentimentos despertados na relação com a comida.
O noticiário diário da imprensa, aponta Jéssica, mostra a dimensão das mudanças trazidas pela crise sanitária, com destaque para o desemprego e o aumento de preços.
— As pessoas têm estado mais estressadas, ansiosas, inseguras e com medo do que está acontecendo. Estão deixando de consumir alimentos mais saudáveis, pela dificuldade de acesso, e comendo mais balas, salgadinhos e bolachas recheadas — constata a nutricionista.
Tudo isso deve ser levado em conta quando o profissional prescreve uma dieta. Não são necessárias mudanças radicais, garante Jéssica:
— Entre oito e 80, existem 72 possibilidades. Então a gente faz o que dá para fazer. A nutrição comportamental pode mudar o comportamento.
Pequenas alterações, repetidas até que se tornem rotineiras, podem surtir grande efeito. Estabelecer local adequado e horário para as refeições é fundamental. Reserve tempo para se alimentar com calma, sentado à mesa. Para quem come muito rápido, ensina Jéssica, pousar os talheres no prato entre uma garfada e outra, enquanto a comida é mastigada, surte grande efeito. Com pausas bem marcadas e um ritmo de ingestão mais lento, o organismo consegue processar a sensação de saciedade, o que permite que menores quantidades de comida sejam suficientes para que se atinja a satisfação.
Para aqueles que comem por impulso, o ideal é não colocar as panelas ou travessas na mesa. Melhor é ir até o fogão ou a bancada da cozinha para se servir — nesse trajeto, é possível se dar conta de que, muitas vezes, você continua a comer mesmo já não sentindo mais fome.
Abolir o consumo de “porcarias”, afirma a nutricionista, é praticamente impossível. Então, o melhor é orientar bem como compensar as pisadas em falso.
— Mostro a diferença de regra e exceção. Às vezes, o paciente se sente culpado porque está consumindo refrigerante, balas, produtos industrializados. Todos os dias não dá, tem que se programar. Se você já sabe que no domingo vai ter churrasco, é preciso se cuidar no resto da semana — ensina Jéssica.
Liana Klagenberg também palestrou no evento da Santa Casa. Segundo a nutricionista e chef, um ponto positivo da situação tão negativa que o mundo está enfrentando é que cozinhar se tornou um comportamento mais frequente. Entre as vantagens estão a garantia de saber que ingredientes estão sendo incluídos no preparo dos pratos e a valorização do momento como um cuidado dirigido a si próprio e à família.
— As pessoas, em sua maioria, se alimentam muito mal, mas ninguém desconhece as informações sobre alimentação saudável. Tem é que botar na prática — incentiva Liana.
Para a nutricionista, a comida “de verdade” é um instrumento de afeto, muito longe do que significa recorrer ao que vem em “pacotinho” ou tem preparo “rapidinho”. A preparação dos alimentos pode se tornar o que ela chama de “gastronomoterapia”, incluindo etapas de planejamento, organização, execução, fruição e armazenamento.
— Cozinha saudável é amor. Alimentação equilibrada e balanceada promove uma imunidade fortalecida. Se conseguirmos manter a linha da comida de verdade, acredito que teremos um futuro menos doente.
Reveja seu comportamento
- Sofá e escrivaninha não são lugares para fazer as refeições. Procure se sentar à mesa, que deve ser preparada para aquele momento.
- Avalie o seu comportamento alimentar: você assiste à TV ou mexe no celular enquanto está comendo? Concentre-se no ato de se alimentar e no que está ingerindo.
- Problemas familiares não devem ser pauta para café da manhã, almoço ou jantar. Esses momentos devem ser prazerosos.
- Gosta e sente saudade de ir a restaurantes? Invista na decoração em sua própria casa. A mesa poderá ficar muito mais atraente com louças novas, guardanapos coloridos e flores.
- Dedique-se à preparação de alimentos saudáveis. A empolgação e o capricho envolvidos na montagem de uma lasanha ou torta de chocolate devem ser os mesmos.
- Facilite seu dia a dia e dificulte as escapadas rumo a pacotes de bolachas no armário. Tenha porções de frutas picadas ou oleaginosas prontas para aquela fome que costuma surgir entre as refeições principais.
- Higienize e armazene as verduras em potes na geladeira (coloque papel-toalha entre as folhas). Isso facilitará a montagem da salada nos dias mais corridos.
- Explore o que você ainda não conhece. Existe uma imensa variedade de frutas, verduras e legumes. Experimente.
Fontes: Jéssica Pinto Polet, nutricionista, e Liana Klagenberg, nutricionista e chef de cozinha