Estudada pelo governo do Estado para ser implementada nas próximas semanas, a possibilidade de os municípios decidirem se adotam ou não as medidas determinadas pelas bandeiras do distanciamento controlado é vista com cautela por representantes de municípios e especialistas em saúde. Enquanto acreditam que a mudança pode ter resultados positivos se efetivada com bom senso, questionam se a descentralização, cogitada no momento mais crítico da pandemia no Estado, não poderá contribuir para a superlotação de leitos.
— O modelo de distanciamento foi muito adequado na proposta de enxergar a rede de saúde do Estado e os fluxos dos recursos de saúde. Se ele descentraliza as decisões, vai ter uma heterogeneidade maior de interpretações — diz o infectologista e membro da câmara técnica do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers), Paulo Gewehr.
Atualmente, o modelo de distanciamento controlado é dividido por regiões, considerando que municípios menores dependem de recursos e leitos de outros. Quando o Estado estende as restrições a locais onde há poucos casos, calcula os reflexos no sistema como um todo — se vários municípios pequenos dependerem de leitos de uma cidade maior, ela corre o risco de não suprir a demanda.
Nas últimas semanas, as trocas de bandeiras têm sido questionadas por prefeitos de diversos municípios — atualmente, o governo dá prazo de 24 horas para contestação. O governador Eduardo Leite diz que as mudanças projetadas pelo Executivo têm como objetivo dar mais responsabilidade aos prefeitos para “promover engajamento”.
Doutor em epidemiologia e professor da Universidade Federal do RS (UFRGS), Paulo Petry acredita que a descentralização, mesmo princípio utilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), pode ser positiva. Adverte, no entanto, que é preciso responsabilidade por parte dos gestores municipais:
— Este é um momento crítico. A ideia de estratificar é importante, mas, se os prefeitos cederem a pressões dos setores econômicos, a coisa pode desandar.
Segundo o presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Maneco Hassen, a entidade deve se reunir com o governador nos próximos dias. Ele acredita que é possível falar em mudanças, mas questiona se haverá respaldo para as decisões tomadas pelos prefeitos.
— Queremos participar da decisão, saber como isso vai se dar. Se vier de maneira unilateral, é uma transferência de responsabilidade, não uma divisão — diz.
Prefeitos divergem sobre mudanças
Enquanto diversos municípios têm questionado as determinações do governo do Estado, Rio Grande, no sul gaúcho, fez o caminho contrário: apertou ainda mais as regras de distanciamento social no município. Para o prefeito Alexandre Lindenmeyer, a possibilidade de os prefeitos abrandarem as normas inspira preocupação. Na sua avaliação, as pressões de diversos setores sobre os gestores municipais tendem a resultar na liberação de atividades em um momento inoportuno.
— Municípios que têm poucos casos, quando precisarem de leitos, vão demandar os grandes. É importante que o Estado chame para a si a manutenção dos critérios mínimos. Se jogar para cada prefeito, vai ser um Deus nos acuda — diz.
Já o prefeito de Bento Gonçalves, município cuja região já contestou o endurecimento de regras pelo governo, comenta que aumentar a autonomia das prefeituras representa uma “evolução” no modelo de distanciamento controlado adotado no Estado para que não ocorra um processo de “desobediência massificada” da população.
— O modelo já cumpriu com seu papel, fez com que a sociedade entendesse a gravidade do problema. Acredito que seja natural atribuir aos municípios uma autonomia maior. Apertando demais, corre-se o risco de perder o controle — avalia Guilherme Pasin.