Otimista em relação ao desenvolvimento de vacinas para covid-19, a diretora-assistente da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a área de medicamentos, vacinas e produtos farmacêuticos, Mariângela Simão, espera que em até um ano já se tenha uma imunização para o coronavírus.
No entanto, ela apela para que esse esforço mundial permaneça e que seja efetivo na distribuição de doses.
— Enquanto houver surto, nenhum país está seguro. Deve se investir num mecanismo global para permitir que todos os países tenham acesso — afirmou em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, nesta quarta-feira (29).
Desenvolver uma vacina eficaz em um curto espaço de tempo é um grande desafio dos cientistas na luta contra a pandemia do coronavírus. Há mais de 160 pesquisas, em âmbito mundial, envolvendo a imunização — seis delas em grau avançado de desenvolvimento, na fase de testagem e comprovação da eficácia, chamada de fase 3: entre elas, a produzida pela empresa AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford, a da farmacêutica chinesa Sinovac Biotech e a norte-americana Moderna.
Confira a entrevista completa
A gente está perto ou longe de ter uma vacina?
Depende do que você define como perto. Porque se demora 10 anos para desenvolver uma vacina, para pesquisar e colocar no mercado. Um ano, então, é bem perto. Não é semana que vem. Na verdade, em outubro, como saiu (foi divulgado) recentemente, se terminam os estudos de fase 3, não quer dizer que essa vacina vai estar no mercado ou disponível para pessoas reais estarem usando.
Os russos estão afirmando que em duas semanas estarão com vacina.
Não temos muita informação sobre a vacina russa, mas existem quase 200 candidatos a vacina. Existe a fase pré-clínica e a clínica, que é quando você começa a testar em pessoas. Estudo em fase 3, quer dizer que estão investigando a eficácia dela, têm três ou quatro vacinas só no mundo nesta fase.
A vacina tem que ser segura. Ela não pode nem criar mais doenças ou ter efeitos colaterais graves.
Para a gente entender melhor: o que é a fase 3?
As fases em teste de seres humanos são as fases 1, 2 e 3. A fase 3 é quando ela já é testada em milhares de pessoas. Tem algumas (pessoas) que tomam vacina e outras, placebo. A vacina para funcionar tem que criar uma reação no sistema imunológico, que a gente chama de criar anticorpos. O segundo ponto é que a vacina tem que ser segura. Ela não pode nem criar mais doenças ou ter efeitos colaterais graves. Na fase 3, você tem a consolidação desses dados. Ela nunca vai para o mercado sem passar pela fase 3.
A vacina russa então pode ser uma surpresa?
Eu não tenho conhecimento sobre a vacina russa, mas a OMS (Organização Mundial da Saúde) mantém dados com todas as vacinas. A vacina chinesa está sendo testada em larga escala, por exemplo, com pessoal da segurança e das fronteiras e militares. Os países estão escolhendo populações diferentes no sentido de fazer os testes de eficácia. A vacina russa pode ter entrado numa fase 3 e estar utilizando como população-alvo os profissionais de saúde. Porque os profissionais de saúde vão ser prioritários. A OMS está recomendando que duas populações preferenciais sejam atingidas primeiro: profissionais de saúde e pessoas maiores de 60 anos que tenham alguma doença associada.
A gente fica confuso porque são muitos modelos. Tem a vacina Coronavac, tem de Oxford. O que está mais próxima ou o que é promissor?
Sobre os prazos de quando a vacina vai estar disponibilizada, uma vez que os estudos em fase 3 terminem no final do ano, ela precisa ser licenciada pelas autoridades sanitárias e você precisa aumentar a capacidade de produção dela. Por isso, a OMS está com otimismo cauteloso pensando que a gente possa ter em meados do ano que vem, daqui a um ano ainda. Em junho e julho do ano que vem.
A OMS não consegue centralizar informações sobre as vacinas, como no caso da russa?Não, existe um banco, mas eu não estou a par. Qualquer pessoa pode acessar o site da OMS. Você vai acessar informações sobre todos os candidatos, inclusive a russa.
Obviamente não se terá condições de produzir para todo o mundo. Seria positivo que mais de um modelo seja testado então. Como vocês pensam num momento pós-vacina?
A gente está chamando de locação justa das vacinas. O que geralmente acontece, aconteceu em 2009 (quando houve a pandemia da gripe A), é que os países ricos tiveram acesso primeiro. Os mais pobres quando tiveram acesso, a pandemia já havia passado. Há um esforço enorme de conseguir entre os países. Uma vez que essa vacina comprove ser segura, (queremos) que haja uma locação de países ao mesmo tempo, não os ricos recebendo antes. Como não tem acesso a todo de uma vez só, a orientação é de que os países priorizam grupos. A OMS entende dos profissionais de saúde porque estão na linha de frente e aquelas pessoas que têm maior risco de morrer: acima de 65 anos ou com doença associada.
Enquanto houver surto, nenhum país está seguro.
Mas os EUA já compraram todo o estoque da vacina desenvolvida pela Pfizer.
Eles estão colocando bilhões de dólares nos portfólios de vacina em desenvolvimento lá. Mas a OMS diz que não adianta você tentar proteger apenas a sua população. Enquanto houver surto, nenhum país está seguro. Deve se investir num mecanismo global para permitir que todos os países tenham acesso.
Esse argumento foi aceito?
Os países fazem o que querem. Tem países que fizeram acordo bilateral. Se você investir em três ou quatro vacinas, você não sabe se está investindo no candidato que vai ao final comprovar a eficácia segura. A discussão que tem globalmente é que se você faz investimento em um fundo de natureza global, você tem como colocar recursos e ter acesso a um maior número de candidatos.
Existe alguma organização em torno da vacina? Essas discussões poderiam levar a algum tipo de guerra?
Não. O que se está buscando é fazer os acordos e contratos com potenciais produtores. Você tem uma vacina que está vindo para o Brasil para ser testada na Fiocruz, ao mesmo tempo elas fizeram acordo com grande produtor na Índia. Você vai produzir a vacina em um lugar ou dois e depois vai envasar em vários lugares do mundo. É uma logística bastante grande, tem uma equipe enorme trabalhando com isso. A Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) está envolvida nisso. Tem a grande indústria farmacêutica e tem também a indústria de países em desenvolvimento, que tem uma organização, vários no Brasil fazem parte.
Esse conjunto está trabalhando para que uma vez que você tenha uma vacina boa, ela possa ser distribuída mais rapidamente. É extremamente complexo, estou sendo otimista não só ao prazo de um ano, mas também em relação ao espírito de organização dos organismos internacionais. Vai depender da capacidade instalada também nos países. Eu não tenho preocupação com o Brasil, que é reconhecido mundialmente por boas campanhas de vacinação.