Quando habitantes da Índia, no século 5, solidificaram o caldo da cana e o transformaram em cristais granulados, nasceu o "sakara" (areia grossa em sânscrito), o açúcar como nós o conhecemos. Um passo sem volta foi dado pela humanidade: o ingrediente conquistou o mundo para, 1,6 mil anos depois, ter o consumo nos holofotes. Especialmente em locais como o Brasil, quinto país mais obeso do mundo. Esse posto foi alcançado, entre outros fatores, pela crescente ingestão do açúcar, hoje presente em quase todas as nossas refeições (ainda que nem nos demos conta disso).
Em momentos difíceis, é nos doces que nos atiramos. A ciência sabe que tristeza, depressão e estresse influenciam diretamente nossa alimentação. Em uma época de epidemia de ansiedade, os efeitos chegam à balança. Médicos chamam isso de "fome emocional": quando a comida não só mata a fome, mas melhora nosso ânimo.
— Alimentos altamente palatáveis, com açúcar, passam a ter uma influência nesses momentos de descontrole emocional. Comer chocolate e doces tem apelo grande. É mais gostoso e, por isso, prazeroso — diz o psiquiatra Jose Carlos Appolinario, coordenador do grupo de transtornos alimentares da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Outro fator que contribui para o alto índice de obesidade no Brasil é que nossas refeições são cada vez mais artificiais. Arroz e feijão com bife e suco natural perderam espaço para comidas industrializadas, como molhos prontos, lasanha, pizza, nuggets e temperos.
Em comum, tais alimentos processados e semiprontos contêm muito sal, aditivos químicos e, também, açúcar. É isso mesmo: alimentos salgados industrializados também têm açúcar — que é acrescentado para encorpar o alimento, aumentar o prazo de validade e dar brilho visual.
— Em qualquer alimento há açúcar. Até o carboidrato de um salgadinho se converte rapidamente em glicose (nome dado para o açúcar quebrado dentro da célula). A absorção é rapidíssima, o que exige do pâncreas uma liberação de insulina também muito rápida, que terá um pico e uma queda. Aí você fica com mais vontade de comer açúcar — explica Balduino Tschiedel, médico membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
Para alertar quanto aos riscos do açúcar, há uma proposta da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de mudar os rótulos de alimentos — a ideia é exibir bem claro nas embalagens, em triângulo preto, avisos como "alto em açúcar", "alto em sódio" e "contém gordura trans". A Associação Brasileira da Indústria do Alimentos (ABIA) é contra.
A conscientização ocorre porque, em excesso, o açúcar favorece o surgimento de doenças não transmissíveis, a principal causa de morte do mundo. Em 2012, elas foram responsáveis por 68% dos 56 milhões de falecimentos do planeta, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). São aqueles problemas com os quais toda pessoa com mais de 50 anos começa a se preocupar: doenças no coração, câncer, diabetes, doenças renais, síndrome metabólica (pressão alta, excesso de peso) e questões mentais.
A OMS recomenda que o consumo ideal de açúcar seja de, no máximo, 10% de calorias diárias (12 colheres de chá de açúcar, ou 50g). Nessa conta, não entra o açúcar natural de frutas e leite, mas aquele de mesa para o café e o que está em refrigerantes, mel e alimentos processados. Apenas uma lata de 350ml de refrigerante de cola, por exemplo, tem 37g de açúcar.
O problema é que, segundo o Ministério da Saúde, brasileiros consomem 50% a mais de açúcar do que o recomendado. Deveríamos ingerir 12 colheres de chá ao dia, mas comemos 18. Desse total, mais da metade nós mesmos colocamos nos alimentos. Não à toa, quase 20% dos brasileiros são obesos.
O que o açúcar faz no seu corpo
Após a primeira mordida, o açúcar cai na corrente sanguínea e faz o pâncreas produzir a insulina — hormônio que, como uma chave, "abre" a porta das células e permite que o açúcar entre. Ali, o ingrediente é degradado e se transforma em glicose, combustível para que o corpo viva. Mas não é só o açúcar que vira glicose: com carboidratos, proteínas e gordura acontece o mesmo.
A diabete é justamente a doença que atinge esse processo: quando exigido demais, o pâncreas para de produzir insulina. Ou a produz, mas a insulina não funciona mais como "chave".
Se o açúcar não entra para dentro das células, segue circulando no sangue — em última instância, isso machuca as paredes das artérias e pode prejudicar a cicatrização de ferimentos. É o que causa o pé diabético ou a perda de visão.
Quando há açúcar demais e você não gasta essa energia, você engorda. Outro efeito é que a glicose que se acumula na célula gera algo que especialistas chamam de "lixo tóxico". Esse resíduo causa uma pane na célula que, na hora de se multiplicar, pode gerar células defeituosas — dependendo de qual órgão, há maior risco de câncer. Em específico, quem come muito doce tem mais chances de ter tumores no intestino, na mama e na próstata.
— A gente sabe que essa toxicidade que o açúcar leva à célula pode aumentar a destruição de células cerebrais, o que causaria alguma doença cerebral. O que pode ocorrer é o Alzheimer — diz Mário Kehdi Carra, médico endocrinologista do Hospital das Clínicas de São Paulo e presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).
O vício em açúcar (ou a vontade de comer sempre mais) ocorre porque, após a primeira mordida, as papilas gustativas enviam ao cérebro um aviso de que estamos comendo açúcar. Aí o corpo produz dopamina e serotonina, hormônios da felicidade. Uma vez com prazer, queremos cada vez mais.
Acontece que, quanto mais comemos açúcar, mais acostumamos as papilas gustativas com aquele sabor. Consequência: para enviar ao cérebro avisos para produzir os hormônios da felicidade, será preciso mais e mais açúcar, explica Balduino Tschiedel, endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
— Aí, quando o indivíduo fica sem açúcar, é quase como uma dependência química. Fica deprimido, triste, ansioso e com mais vontade de comer. É aí que vicia — diz Tschiedel, também diretor-presidente do Instituto da Criança com Diabetes.
Na pós-menopausa, o açúcar refinado está até associado à insônia, mostrou estudo feito na prestigiada Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Cientistas analisaram dados coletados por quatro anos de mais de 53 mil mulheres de 50 a 79 anos. Os resultados indicaram que o consumo de carboidratos simples (encontrados em pão branco, doces, refrigerantes e bolachas recheadas) estavam associados à dificuldade de dormir, enquanto que uma maior ingestão de fibras, grãos e vegetais estava ligada à menor prevalência de insônia.
"Quando o açúcar no sangue cresce rapidamente (efeito do carboidrato simples), o corpo reage liberando insulina. O resultado, a queda do açúcar no sangue, pode levar à liberação de hormônios como adrenalina e cortisol, que podem interferir no sono", afirmou James Gangwisch em comunicado à imprensa.
Para quem come bastante doce, a atividade física ajuda a queimar a glicose, o que evita seu acúmulo no sangue e os picos de insulina — algo importante para evitar, no futuro, a diabete. A contração muscular que ocorre no exercício também injeta, de forma natural, o açúcar nas células — como resultado, o pâncreas é poupado um pouco do trabalho.
O consenso entre especialistas é que ninguém precisa ficar amargo: o açúcar não é, por si só, um vilão. Basta consumi-lo aos pouquinhos e, de preferência, na sobremesa. Sua saúde agradece.
50g de açúcar equivalem a...
- 3,6 bombons (cada Sonho de Valsa tem 11g de açúcar)
- Mais da metade de uma lata de refrigerante (uma lata de 350ml Coca-Cola tem 37g de açúcar)
- Mais da metade de uma garrafa de 300ml de néctar de fruta (Del Vale tem 32g de açúcar)
- Metade de uma garrafa de 300ml de chá (Mate Leão tem 25g)
- Um quinto em lasanha congelada (lasanha Sadia tem 10,27g)
- Aproximadamente três pizzas congeladas (dependendo do fabricante, a pizza inteira pode ter entre 17g e 18g)