Um projeto para reformar a lei dos planos de saúde, que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados e conta com apoio do governo, está mobilizando entidades da área da saúde e da defesa do consumidor. Elas sustentam que a proposta foi feita sob medida para atender os interesses das empresas do setor e são prejudiciais à população e ao sistema público de saúde.
Nesta quarta-feira (9), a comissão montada para discutir as alterações na lei vigente, promulgada em 1998, deveria ter votado o polêmico parecer do relator, o deputado Rogério Marinho (PSDB/RN), mas a sessão foi suspensa, em meio à presença de diferentes grupos de pressão em Brasília. A votação deve ficar para o fim do mês. Em caso de aprovação, o projeto segue para plenário.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), uma das principais entidades da área, informou rejeitar a proposta na íntegra.
— É uma proposta que vem das empresas e do ministro da Saúde e que é prejudicial ao consumidor. Um dos pontos mais preocupantes é a introdução da segmentação como um dos pilares dos planos de saúde. A lei atual já permite segmentação. Há planos ambulatoriais, planos hospitalares, planos com ou sem obstetrícia. Mas as empresas querem segmentar ainda mais e, junto com isso, criar a possibilidade de redução da cobertura de procedimentos. Essa proposta quebra a lógica da assistência integral e abre caminho para vender todos os tipos de planos. Eles estão querendo atingir um mercado de menor poder aquisitivo. Isso é até pernicioso. As pessoas pobres vão gastar o pouco que têm para pagar um plano barato e, no momento em que precisarem realmente, com um problema grave, vão ter de correr para o SUS. Vão gastar e não vão ter solução — critica a presidente do Idec, Marilena Lazzarini.
Outro ponto que alarma as entidades diz respeito aos reajustes no valor dos planos para os pacientes de mais idade. O Estatuto do Idoso proíbe que sejam aplicados aumentos depois dos 60 anos. O que acontece hoje é que operadores impõem uma majoração expressiva aos 59 anos – de 147% em média, segundo o Idec. Na proposta encaminhada por Marinho, seriam permitidos aumentos depois dos 60 anos, a cada cinco anos. O deputado tem justificado que isso seria benéfico para os clientes, porque a ideia seria diluir ao longo do tempo o aumento que hoje ocorre em uma única vez, o que impede que muitos continuem com cobertura.
As entidades mostram-se céticas diante dessa explicação. Ligia Bahia, da comissão de política, planejamento e gestão da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), afirma que há uma "pegadinha" na regra. Segundo ela, o objetivo é atrair clientes não tão velhos, no início dos 60 anos, mas tornar o acesso à cobertura inviável para quem tem mais idade.
— De acordo com a forma como está elaborado o projeto, acima de 70 anos o reajuste vai ser de 500%. Hoje tem um aumento abrupto aos 59 anos, e eles propõem como se fosse um parcelamento, mas é o contrário, é um aumento em progressão geométrica. No início não é tão acentuado, mas depois é acentuado e as pessoas são expulsas inexoravelmente — diz.
A Abrasco é uma das entidades que estão alarmadas com as repercussões que as novas regras podem ter, em caso de aprovação. Uma das críticas diz respeito ao projeto ter sido colocado para tramitar com urgência.
— Esse é o projeto dos sonhos das operadoras. É uma encomenda das operadoras. Por que está tramitando com urgência? Por que essa pressa toda? É a voracidade das empresas para comer o que puderem desse mingau. Estão aproveitando essa coisa de todo mundo ter de ser comprado no Congresso Nacional — ataca Ligia.
GaúchaZH encaminhou um pedido de entrevista com o relator, Rogério Marinho, mas não teve retorno. O partido dele, o PSDB, publicou dias atrás uma texto afirmando que "o projeto, cercado de grande expectativa, tem como ponto principal evitar o aumento abusivo dos valores de planos de saúde para os idosos, como ocorre em muitos casos atualmente". O material traz uma declaração atribuída a Marinho, sobre o reajustes para clientes com mais de 60 anos: "O que estamos propondo é um parcelamento desse aumento que já existe normalmente. Ao invés do idoso, que pagava R$ 1 mil, passar a pagar R$ 2 mil no mês seguinte, pagará apenas R$ 1.200, recebendo, no máximo, 20% de aumento, parcelando-se os 100% ao longo de 20 anos, ou seja, o aumento em razão da mudança de idade será diluído e pago a cada cinco anos. Estamos reduzindo o impacto do aumento dos planos de saúde para os idosos, possibilitando que permaneçam no sistema, impedindo que o aumento exponencial expulse essas pessoas do sistema".
GaúchaZH também solicitou entrevista à Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), que respondeu com uma nota, na qual afirma que enviou contribuições a Marinho e na qual lista o que considera pontos positivos e negativos da proposta. Entre os positivos, cita "a equivalência entre a gravidade da infração e o porte econômico da operadora nos casos de aplicação de multa pecuniária", uma referência a artigos que criam regras diferentes para multas e punições das empresas. Considera como aspecto negativo "ao contrário do que possa parecer, permitir o parcelamento do último reajuste concedido aos beneficiários de planos de saúde ao atingirem 59 anos de idade", o que "resultará, inevitavelmente, a médio e longo prazo, no encarecimento dos planos de saúde".
As críticas
Entidades da área da saúde e da defesa do consumidor mostram preocupação com mudanças propostas para a lei dos planos de saúde, entre as quais:
* Segmentação
O projeto permitiria planos mais segmentados, com menor cobertura, ou mesmo cobertura regionalizada (oferta apenas dos serviços existentes em determinada região ou estabelecimento). Para os críticos, isso significa planos piores e sobrecarga do SUS.
* Reajuste para idosos
O Estatuto do Idoso proíbe reajustes por faixa etária. Por causa disso, as operadoras aumentam drasticamente as mensalidades quando o cliente tem 59 anos. A proposta prevê que esse reajuste seja diluído ao longo do tempo, depois dos 60 anos, com a justificativa de que as os idosos não seriam excluídos por não poder pagar. Segundo os críticos, isso abre uma brecha para que se cobre mais dos idosos ou que os clientes mais velhos, menos interessantes para as empresas, sejam excluídos.
* Flexibilização das punições
Os críticos da proposta dizem que as empresas terão multas menores com as regras propostas, o que as estimularia a descumprir os contratos e deixar os clientes sem procedimentos.
* Ressarcimento ao SUS
Nos casos em que clientes usarem os serviços do SUS, dizem os oponentes do projetos, o ressarcimento ao sistema público por parte das empresas será menor, tornando o sistema um prestador de serviço barato para a iniciativa privada.
Números
Em março de 2017, havia 47,6 milhões de beneficiários de planos de saúde com ou sem odontologia, o que equivale a 24,5% da população brasileira. 19,6% deles eram individuais ou familiares e 80% eram coletivos.