Cem dias após a enchente, a região das ilhas, em Porto Alegre, ainda tem casas vazias e móveis cobertos de barro espalhados pelas ruas do bairro. Na Ilha do Pavão, famílias que estavam em barracas em junho, quando foram ouvidas pela reportagem, continuam acampadas, mas agora na área onde ficavam os terrenos das residências, às margens do Rio Jacuí. Três casas foram destruídas pela chuva, e outras duas foram arrastadas, ficando com partes da estrutura de madeira caídas.
— Não mudou nada, até a limpeza ficou ruim da gente fazer. Eu fico até com vergonha de dizer, mas a gente usa baldezinho para fazer as necessidades e para tomar banho, a gente teve que colocar um pallet — conta Claudia da Silva Gonçalves, uma das moradoras.
Mesmo com as dificuldades, e o frio na beira do rio, ela explica que os familiares não querem deixar os poucos pertences que restaram para ficar em abrigos.
— Não tem como a gente abandonar as nossas coisinhas e os bichinhos. A minha irmã até foi, mas não ficou muito tempo — explica.
Há também outros casos de pessoas que estão nos centros de acolhimento ou na casa de parentes, mas não conseguiram voltar para as antigas moradias, porque as paredes ficaram comprometidas ou despencaram.
— Casas caíram, saíram do lugar, muitos estão na casa de parentes, num abrigo. Só nós mesmos da associação que estamos apoiando os moradores com doação de alimento, água, fraldas. De 125 a 150 famílias que moram aqui, só metade deve ter voltado — salienta Cristina de Almeida Cardozo, vice-presidente da Associação Vitória da Ilha do Pavão, que representa os moradores.
A presidente da entidade, Sandra Ferreira, também teve a casa afetada, e se mudou para o bairro Humaitá.
— O pior momento é esse né, que as casas que foram totalmente destruídas porque as pessoas não estão tendo os auxílios, e as casas não estão sendo nem mapeadas não são nem reconhecidas, então a gente não sabe ainda a direção que vai tomar em relação a essas pessoas, que são as mais necessitadas e que estão precisando mesmo de ajuda no meio do inverno, em pleno agosto — reclama ela.
Até o motor da geladeira levaram
CHERY ISELAURE, 29 ANOS
A haitiana Chery Iselaure, 29 anos, estava sentada embaixo do mesmo viaduto onde estão as famílias acampadas. Ela aguardava os filhos, de 2 e 3 anos, que estavam na escola, mas não pode fazer isso em casa, porque o local ainda está coberto de lama. Chery explica que a família está ficando abrigada no Centro Humanitário de Acolhimento Vida, em Porto Alegre, enquanto retirava um fogão revirado e coberto de sujeira da entrada da casa para mostrar a situação.
— Até o motor da geladeira levaram — mostra ela.
O acesso à casa está comprometido e dentro há poucos móveis. O chão com lama ainda tinha brinquedos das crianças e calçados.
— Não tem como voltar — lamenta a estrangeira, que está há cinco anos no Brasil e faz alguns trabalhos como cabeleireira.
O que diz a prefeitura
"As ações da Prefeitura de Porto Alegre com as famílias que permanecem acampadas próximo da BR-290, nas Ilhas, são rotineiras. Já foram distribuídas cestas básicas e cobertores no local, entregues água e lonas, além de banheiros químicos. Equipes da Defesa Civil Municipal e da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) rotineiramente conversam com as famílias.
Na sexta-feira (9) a prefeitura levou assistentes sociais do Centro Humanitário de Acolhimento (CHA) para conversar com os moradores, oferecendo abrigos, e também cadastradores, para informar sobre os benefícios municipais, estaduais e federais disponíveis (Estadia Solidária e Auxílio Reconstrução) disponíveis.
O município entende as dificuldades por que passam as famílias que seguem acampadas na área, mas elas alegam que não querem ir para abrigos emergenciais, que esperam uma solução de moradia definitiva ou aguardam a concessão de benefícios, como o Auxílio Reconstrução".
O que diz o governo federal
A reportagem aguarda retorno da Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul sobre a atualização da entrega das casas prometidas pelo governo federal.