— Vou ter que entregar a minha casinha. Eu amo ela, não sei se não vou ficar arrependida, mas não quero mais morar embaixo. De jeito nenhum — diz Eronita Cavalheiro Martins, 54 anos, enquanto abre a casa onde morava até o dia 2 de maio, para mostrar o que sobrou.
A ex-moradora da Rua Policial Militar Astrogildo Leite Brião habita a Vila Farrapos há 30 anos. Atualmente, foi acolhida na casa de uma amiga. Enérgica, tem procurado recuperar o que dá: alguns casacos, enfeites de Natal e bijuterias. Entre os entulhos, até encontrou um tanque de lavar roupa que está tentando recuperar:
— Olha que beleza: eu peguei do lixo. As pessoas botam muita coisa boa fora, e agora eu tô precisando, né? Já botei bastante detergente e tá aqui, limpando.
Eronita morava na parte térrea de uma casa, alugada por imobiliária. Foi graças ao contrato e ao fato de que a casa não tinha ralo, o que fez com que a água permanecesse alta por mais tempo ali, que conseguiu entrar em um acordo para entregar o imóvel sem deixar nas condições em que recebeu. Ainda neste domingo (16), os entulhos que já foram os pertences da moradora seguem empilhados em frente à residência, em uma altura que tapa a janela.
Passeando pelos espaços que antes a abrigavam, a energia de Eronita foi dando espaço à tristeza enquanto tecia comentários: “Isto aqui era cheio de plantas.”, “Olha, saiu tinta de 200 anos aqui. Agora que ia ficar bom pra pintar, né?”, “A minha TV ainda bem que eu tirei, guardei na vizinha”.
A moradora saiu de casa no dia 2 de maio. Com a volta da chuva, se mantém atenta à água: dentro de casa, achou que uma poça estava aumentando, mas, de modo geral, achava improvável uma nova inundação.
— Graças a Deus que não está enchendo, porque o nosso medo era de que entupissem as bocas de lobo — comenta a moradora.
Paulo Silva de Lima, 56, fazia o almoço na Rua Ernesto Cappeli e olhava para o limoeiro que plantou há mais de 20 anos, em frente à casa da mãe.
— Não sei se vai dar mais pra comer limão dali. Com essa água, acho que não. Talvez daqui a um, dois anos — avalia.
Morador há décadas da Vila Farrapos, Paulo ainda não pôde voltar para casa: está ficando na casa da irmã, que tem dois pisos e teve o andar superior preservado, enquanto tenta recuperar a sua. Por conta da umidade, acha que só vai conseguir terminar a obra no verão.
— Estamos levando como dá para ser. Agora, a gente só tem que ter fé em Deus e tocar para frente. Só espero que os nossos governantes olhem por nós, porque está feia a coisa —lamenta.
Paulo foi resgatado de casa com a água no pescoço, junto com outros vizinhos. Na pressa, só saiu com a roupa do corpo — até mesmo o seu carro ficou, e ainda está, na garagem. Não é o único: pelas ruas da Vila Farrapos, restam carcaças de carros que se somam às montanhas de entulho.