O cenário por muitas das ruas da Zona Norte de Porto Alegre ainda é de montanhas de entulho. Em cada ponto, traços da história dos residentes da casa em frente submergem, entre roupas e móveis: uma dezena de cuias de chimarrão sinaliza que, ali, vive um apreciador da cultura gaúcha, enquanto um estojo de gatinho e uma perna de Barbie indicam que uma menina morava no local.
Grandes sacos de ração, quadros com imagens de cachorros, bichinhos de pelúcia, tranças de cabelo rosa pink sintético, raquetes de beach tennis e bolas de futebol - nada deixa esquecer que, ali, vidas, hobbies, brincadeiras e personalidades despontavam.
Em meio aos entulhos, moradores aproveitaram o domingo (16) para tentar recuperar as condições de suas casas, na esperança de, em breve, voltar.
Uma das últimas a se ver livre da água na cidade, a Rua Jorge Valmor Gonçalves Teixeira, no bairro Sarandi, está tomada de entulho - tanto que não é possível passar de carro por boa parte da via. Lá, os moradores só puderam conferir os estragos há cerca de 10 dias, quando o nível da água baixou.
Na casa de Gilberto Garcia Ferreira, 59 anos, a água chegou até o telhado. Carregando sacolinhas com lâmpadas, o morador seguia, na manhã deste domingo, no processo de recuperar o mínimo de condições para sair do apartamento que alugou com sua esposa, filha e netos, no bairro Rubem Berta, e voltar para lá.
— Não penso em sair daqui, porque a gente não tem condições de comprar uma casa em outro lugar, né. A casa não é tão boa. Mas está de pé, graças a Deus. Tem muita casinha aí que foi pras cucuias — comenta Gilberto.
Ao entrar e sair do que restou de sua residência, o morador vê a pilha de lixo que virou sua vida pré-enchente. Mas não reclama.
—A prefeitura não passou ainda, está lá na ponta (do bairro). Vai demorar a chegar aqui, porque é muita coisa, também. A gente queria que já estivesse tudo livre, mas a gente entende um pouco. É muita coisa — avalia.
A esperança de Gilberto é de que a força-tarefa da prefeitura para retirar os entulhos chegue à sua rua na semana que vem.
Valdenira Paixão, 51 anos, trabalhava junto à família na limpeza das paredes de sua casa, também na Jorge Valmor Gonçalves Teixeira, enquanto revezava o chimarrão com o filho e o marido. A tarefa do dia era passar o lava-jato, para retirar as marcas de lama, que iam até o telhado da residência.
—A gente já limpou por dentro, tirou o excesso, mas tem que fazer a reforma de toda a casa — calcula Valdenira.
Manicure, a moradora se mudou há mais de um mês para a casa que uma cliente tem e estava vazia. Além dela, do marido, dos dois filhos e dos dois cachorros, outras quatro família também se refugiaram lá. Sobre voltar para casa, acha que não tem como, enquanto os entulhos não forem embora e eles terminarem de limpar a casa, o que ela estima que deve levar, mais ou menos 20 dias. A volta é muito aguardada pela família.
—Lá onde estamos é bem grande, mas a gente não quer estar incomodando. E também pode ser o melhor lugar do mundo, mas não é a nossa casa — observa Valdenira.
Força-tarefa de limpeza
Para retirar os entulhos das regiões afetadas pela enchente, o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) trabalha, neste domingo, em 14 regiões de sete bairros da cidade:
- São Geraldo
- Sarandi
- Vila Santa Terezinha (Centro)
- Vila Farrapos (Farrapos)
- Santa Maria Goretti
- Vila dos Ferroviários (Humaitá)
- Navegantes
Além da retirada dos entulhos, os resíduos também podem ser colocados em pontos bota-espera, que são terrenos destinados a esse lixo. Esses locais ficam na rua Sérgio Jungblut Dieterich, 1.201, bairro Sarandi, rua Voluntários da Pátria, acesso 4, bairro Humaitá, e avenida Serraria, 2.517, bairro Serraria.