As vias de alguns dos bairros mais atingidos pela enchente de maio seguem com robustos montes de entulhos em Porto Alegre. Neste sábado (15), a reportagem de GZH circulou por ruas do Humaitá, da Vila Farrapos e do Sarandi. Além do cheiro forte e desagradável, foi possível ver bocas de lobo entupidas, lodo e lixo nas calçadas, além de indignação por parte dos moradores.
A cobradora de ônibus Sonia Nascimento, 54 anos, precisa desviar de uma verdadeira montanha de lixo para poder entrar em casa no Acesso B3, no loteamento Mario Quintana, localizado na Vila Farrapos. Ela vive em uma residência de dois pisos na companhia do filho Davi, 13.
— Minha preocupação agora é se chover e trazer todo esse lixo para dentro da minha casa de novo. Olha todos esses bueiros entupidos — mostra a moradora, que precisou ficar por 30 dias na casa do irmão na região do Terminal Triângulo da Assis Brasil enquanto esperava a água baixar.
Perto da Arena do Grêmio, um caminhão cheio de donativos vindos do Paraná distribuía alimentos para os moradores. Vários carros da Polícia Civil acompanhavam a distribuição.
— Estou abrigando duas famílias na minha casa. Meu pai e vizinhos sempre diziam que isso (enchente de grandes proporções) poderia acontecer, mas nós achávamos bobagem — conta a educadora Silvana Pedroso, 48, que pegou cesta básica e cobertor no caminhão.
Os moradores da região seguem limpando suas casas e pedindo mais agilidade por parte da prefeitura em relação ao recolhimento dos entulhos.
O pedreiro Flávio Roberto Dias, 68, mora em uma casa de três pisos na Rua Frederico Mentz. Quando a inundação começou, ele foi para outro local mais seguro por onde permaneceu por 28 dias. Perdeu tudo e agora anseia pela limpeza dos entulhos.
— Hoje (sábado), começaram a recolher o lixo. Mas isso porque fizemos um protesto pacífico ontem (sexta-feira) — diz, acrescentando: — Aqui (Vila Farrapos) esqueceram da gente.
Moradora da Rua 698, uma das mais atingidas pela enchente, Maria de Lourdes Wagner da Silveira, 64, compartilha que, durante a cheia, só teve tempo para salvar um colchão.
— Faz 40 anos que moro aqui. Foi a primeira vez que entrou água na minha casa — surpreende-se.
"Queremos que recolham o lixo"
Em torno das 10h, moradores do bairro Humaitá bloqueavam as pistas dos carros na Rua Dona Teodora, na entrada do Viaduto Leonel Brizola. Os manifestantes portavam cartazes e exigiam a retirada dos entulhos da Rua Luiz Felipe Zamprogna.
A dona de casa Rubia Nunes, 28, explicou o motivo do bloqueio.
— Queremos que recolham o lixo. Como vamos respirar com esse cheiro? — questiona ela.
A Brigada Militar negociou com os cerca de 30 manifestantes. Um caminhão da prefeitura removeu os entulhos colocados no bloqueio, o que encerrou a manifestação. A Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) controlou o trânsito durante o ato, que se estendeu por cerca de uma hora (confira, abaixo, o que diz a prefeitura sobre a situação).
Fedor no Sarandi
No bairro Sarandi, os entulhos tomam conta das vias, bloqueando os bueiros e oferecendo riscos à saúde pública. Mas a marca registrada da região é o fedor generalizado e nauseante. A Rua Oliveira Lopes parece um imenso depósito de lixo a céu aberto.
O eletricista Manuel Cardoso, 67, vive ali e revela que chorou durante vários dias depois que a água invadiu sua casa e chegou a 2m20cm de altura.
— Isso aqui é uma tristeza — resume.
O voluntário Daniel Vargas, 40, estava na companhia de outras seis pessoas auxiliando na limpeza da casa de um amigo no Sarandi. Era a segunda residência que ele colaborava na faxina neste sábado. A reportagem de GZH flagrou ele exausto, encostado em uma parede. Ele trabalhava desde as 8h e o serviço se estenderia até o turno da noite.
— Para a gente é gratificante ajudar, porque o pessoal precisa mesmo — observa.
Na Avenida Souza Melo, o cenário é semelhante a tantos outros da região — pilhas de lixo para todos os lados. O cheiro provoca náusea e fica difícil respirar em determinados pontos.
— Isso aí é um absurdo. O Sarandi está realmente abandonado — critica o aposentado Antonio Silveira, 77.
A esposa dele, a aposentada Marli Inês, 64, menciona que a casa da família fica entre os dois diques da região e perto do Arroio Feijó.
— Agora estamos preocupados com a leptospirose e a presença dos mosquitos da dengue. E nesse lixo vai ter rato. Tivemos que matar alguns dentro de casa — comenta ela. — Minha indignação maior é que arrebentou o dique porque deixaram construir casas ali.
Enquanto a reportagem circulou pela Rua Oliveira Lopes e pela Avenida Souza Melo, das 12h às 13h, não encontrou nenhum veículo da prefeitura ou equipe de limpeza.
O que diz a prefeitura
A prefeitura de Porto Alegre disse, por meio do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), que 30 locais estão contemplados pela força-tarefa deste sábado. Mais de 64 toneladas de lixo e entulhos já foram recolhidas das ruas da Capital. Estão em serviço nas vias 1.040 garis, 456 equipamentos e um total de 1,5 mil pessoas. O trabalho ocorre nos três turnos deste sábado.
Confira o que foi dito especificamente sobre o protesto na Rua Dona Teodora:
"A Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSUrb), por meio do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), informa que o local apontado pela reportagem já foi limpo três vezes, apenas nesta semana, pela operação especial de limpeza. Na manhã deste sábado, 15, houve um protesto de moradores na rua Dona Teodora, por acúmulo de resíduos na região. A rua já foi liberada, já que o bairro consta nas ações do plano de contingência, conforme previsto no planejamento de serviço."