Das mais de 300 pessoas que ficaram abrigadas no Sesc Protásio Alves, na zona leste de Porto Alegre, em razão da enchente, restaram, agora, 30. O espaço chegou a figurar entre os abrigos com maior ocupação da Capital, mas foi se desmobilizando gradualmente conforme a trégua das chuvas e o retorno à normalidade. Tal cenário é visto em toda a cidade. Passado mais de um mês desde o pico da enchente, o número de abrigos caiu de 195 para 45 na Capital – uma redução de cerca de 77%. Já o número de pessoas vivendo em alojamentos provisórios, que já chegou a quase 15 mil, agora é de 2.055, conforme dados da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social.
Secretário-adjunto da pasta, Lucas Vasconcellos, também responsável pela gestão de abrigos, vê a desmobilização como uma etapa natural da catástrofe, que ocorre à medida que as pessoas atingidas retomam suas vidas. O gestor afirma que abrigos têm fechado as portas todos os dias na Capital, seja pelo fim da demanda ou pela necessidade de retomada dos espaços. O processo é acompanhado pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), que viabiliza a realocação dos abrigados, quando necessário.
— Vimos que a desmobilização acelerou no início de junho, quando o sol apareceu e a água baixou. Já na última semana, com a volta da chuva, o ritmo ficou mais lento, mas é um processo que continua acontecendo. Ainda assim, duas mil pessoas continuam precisando de abrigo. Então, nós ainda necessitamos desses espaços, tanto privados como das instâncias públicas — diz Vasconcellos.
Segundo o secretário-adjunto, o número de abrigos que permanecem abertos é suficiente para atender a demanda atual da Capital. O gestor diz que a rede comportaria, ainda, um eventual aumento de demanda causado pelo retorno da chuva, considerando o volume projetado nas previsões meteorológicas.
— Organizamos vagas para receber mais pessoas nos abrigos cadastrados, caso seja necessário. Estamos monitorando, porque a chuva e o aumento do nível de outros rios podem trazer impactos para cá. Mas, a princípio, não será o caso de abrir novos abrigos.
O Centro Humanístico Vida, na Zona Norte, que chegou a receber 700 pessoas no pico da enchente, viu o número de abrigados cair mais da metade, mas permanece com a maior ocupação entre os espaços abertos - cerca de 280 pessoas. Na sequência do ranking estão os abrigos da Esefid, com cerca de 240 acolhidos; do Sesi Rubem Berta, com aproximadamente 180; e do Centro Estadual de Treinamento Esportivo (Cete), que recebe em torno de 150 pessoas. Os demais espaços abertos têm, em sua maioria, menos de cem abrigados.
Sem data para fechar
É o caso do Sesc Protásio Alves, que acolhe 30 pessoas em seu ginásio principal. Antes, havia flagelados da enchente vivendo também em salas de atividades e em barracas do Exército montadas na área externa, somando um total de 310 acolhidos. Mas apesar da redução significativa no número de abrigados, o espaço não planeja fechar as portas, conforme Daniel Sperb, diretor do Sesc Protásio Alves e coordenador do abrigo.
— Não temos previsão de encerrar o abrigo, nenhuma data. Quando houver uma acomodação melhor para as pessoas, em que elas tenham melhores condições do que têm aqui, vamos começar a falar sobre isso. Até porque não são "só 30 pessoas", são 30 pessoas que ainda dependem de nós.
O responsável pelo abrigo cita as moradias temporárias do chamado Centro Humanitário de Acolhimento (CHA) como uma possibilidade para a realocação de quem permanecer sem condições de retomar a vida. As residências estão sendo erguidas no terreno do Centro Vida e, de acordo com vice-governador Gabriel Souza, devem ser entregues em aproximadamente 20 dias, com capacidade para acolher 800 pessoas em caráter provisório. Contudo, segundo Sperb, os abrigados no Sesc querem, em sua maioria, voltar a viver em suas casas.
As 30 pessoas que permanecem no abrigo são moradoras de regiões como o Humaitá, Sarandi e Vila Farrapos, onde a água demorou a recuar e, ainda hoje, há lixo acumulado pelas vias. A ocupação do espaço tem sido baixa durante o dia, pois os acolhidos saem para trabalhar na limpeza das residências. Quem permanece ali, sonha com o momento de voltar para casa.
É o caso da aposentada Geni Agostinho Brandão, 63 anos, que vive há mais de um mês no Sesc Protásio Alves junto ao cachorrinho Xaolin. Ela já realizou a limpeza de sua casa, mas ainda precisa conseguir itens como geladeira e fogão para ter condições de retornar.
— Não tenho nada para reclamar, estou sendo muito bem tratada aqui. O Xaolin ganhou até uma casinha nova, um kit completo. Tem mais roupa do que eu — diverte-se. — Mas eu quero retomar a minha vida. Quero voltar para o meu cantinho, fazer a minha comidinha, ir na igreja. Se Deus quiser, vou conseguir voltar até semana que vem — sonha.
Busca por voluntários
Outro local que não deve fechar tão cedo é o Abrigo Emergencial 60+, que acolhe 40 idosos desde o dia 17 de maio. O espaço da Avenida João Pessoa abriu as portas mais tarde do que a maioria dos demais, mas nunca viu o número de acolhidos baixar. Mesmo que alguns já tenham retornado a seus lares, há lista de espera para a ocupação das vagas liberadas.
A maior procura vem de abrigos que estão sendo fechados e precisam realocar os idosos acolhidos, mas também de hospitais que necessitam dar alta a pacientes que perderam tudo na enchente e não têm para onde retornar. Por conta da grande demanda, o abrigo seguirá aberto até novembro.
— Em desastres, os idosos são os últimos a serem resgatados e os últimos a voltar para casa. São pessoas que têm dificuldade para fazer a limpeza, que precisam de toda uma rede de apoio para conseguir voltar em segurança, é algo que leva mais tempo. Desde o início, trabalhamos com a ideia de permanecer abertos por seis meses, pois não faria sentido uma desmobilização rápida — explica a assistente social Michelle Clos, coordenadora do abrigo.
Para seguir funcionando, o local necessita, principalmente, do apoio de cuidadores e profissionais da área da saúde. Nesta semana, técnicos de enfermagem foram alocados pela Secretaria Municipal de Saúde para trabalhar ali, mas ainda é preciso mais, conforme a coordenadora. Já houve diminuição do número de voluntários do abrigo e o receio é que, nos próximos meses, o cenário fique pior.
— No momento, estamos em busca de parcerias que possibilitem a contratação de profissionais da saúde, porque precisamos ter uma garantia da permanência desse trabalho. Mas também precisamos de voluntários para limpeza, oferta de atividades lúdicas, separação de roupas, recepção, enfim, muitas coisas.
Também há necessidade de voluntários no abrigo montado junto ao Colégio Rainha do Brasil. O local chegou receber cerca de 200 atingidos pela enchente, entre o ginásio e a casa das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora Aparecida, responsáveis pela escola. Agora, somente a residência da congregação, localizada junto ao colégio, está servindo como abrigo. São cerca de 80 pessoas que permanecem ali.
O abrigo vai encerrar as atividades no dia 30 de junho porque necessita retomar o espaço ocupado, conforme explica a coordenadora, Irmã Leila Lucini. Contudo, até lá, ainda é preciso dar conta do atendimento às famílias acolhidas — entre elas, famílias atípicas.
— Hoje, temos comida suficiente para o abrigo até dia 30, temos alimentos para distribuir às famílias e temos dinheiro para ajudar a pagar um ou dois meses do aluguel de quem precisar e para ajudar na compra de móveis e eletrodomésticos. Também temos pessoal da prefeitura e voluntários fixos durante a semana. O que ainda precisamos é de voluntários nos finais de semana, principalmente para brincar com as crianças.
Lucas Vasconcellos, secretário-adjunto de Deselvolvimento Social, afirma que a prefeitura tem feito esforços para suprir a baixa de voluntários.
— A mobilização da sociedade civil foi imprescindível para que as pessoas fossem salvas e acolhidas no momento da maior emergência, mas os voluntários precisam retomar suas vidas. E é correto que isso aconteça. Temos feito todo tipo de esforço para que haja uma compensação: o número de voluntários atuando diminui, enquanto aumenta o de servidores públicos e contratados pela prefeitura.
Conforme o gestor, não é possível prever até quando a cidade terá pessoas vivendo em abrigos emergenciais. Contudo, a expectativa é de que, até a abertura do Centro Humanitário de Acolhimento (CHA), o número de desabrigados seja próximo ao das vagas que estarão disponíveis no local.