Para suprir a demanda de animais sem lar em razão da enchente, diversos abrigos voluntários surgiram na Capital. Passado mais de um mês da tragédia, no entanto, esses espaços enfrentam sobrecarga, falta de apoio e indefinição sobre o futuro.
Entre os abrigos visitados e contatados pela reportagem de GZH ao longo desta semana, o cenário se repetia. Poucos eram os voluntários nos espaços e aqueles que persistiam no trabalho atuavam interruptamente e em diferentes frentes dos abrigos. Muitos dos organizadores dos espaços de acolhimento relataram temor pelo destino dos animais em razão do que consideram ser falta de apoio. A demanda de animais à espera de um lar, contudo, permanecia alta nos locais consultados pela reportagem.
A prefeitura de Porto Alegre, por meio do Gabinete da Causa Animal (GCA), estima que ao menos 6 mil animais estejam abrigados em espaços voluntários. O órgão mapeou 62 locais ativos que realizam esse trabalho. A secretária do GCA, Fabiana Ribeiro, acredita, no entanto, que é possível que estes números sejam maiores, uma vez que essa lista possui apenas iniciativas que contataram a prefeitura.
Segundo maior abrigo da Capital deve fechar neste mês
O Aubrigo Scooby, segundo maior de Porto Alegre segundo a prefeitura, precisará encerrar suas atividades ainda este mês. Criado através de uma parceria entre a ONG Santuário Voz Animal e o Shopping Iguatemi Porto Alegre, o espaço acolhe atualmente mais de 130 cães. No entanto, o número já chegou a quase 600. Trezentos destes animais estão em lares temporários e o restante já encontrou seu dono ou foi destinado para outro abrigo.
O combinado entre as entidades previa a cedência do sexto andar do estacionamento do shopping para o abrigo voluntário até 15 junho. O prazo foi ampliado até o dia 30. Voluntários relatam não saber o que acontecerá nos próximos dias, caso lares temporários não sejam encontrados para todos os animais.
— A gente vai fazer alguma coisa. Não podemos abandonar esses animais. Vamos ter que remanejar para algum lugar. Não sabemos para onde ainda, mas não vamos causar mais um trauma a animais, que já passaram por enchente, alguns por abandono — afirma a advogada e voluntária Sophie Dall’Olmo, que atua no local desde os primeiros dias.
A gente vai fazer alguma coisa. Não podemos abandonar esses animais.
SOPHIE DALL’OLMO
Advogada e voluntária
O shopping está colaborando na organização da chamada Mega Feira de Lar Temporário, que busca encontrar locais que possam acolher esses animais até que as famílias de origem consigam recebê-los ou localizá-los (veja como participar abaixo).
— Tem gente que pensa: "ah, mas o meu apartamento é pequeno, não posso levar". Na verdade, se vocês olharem a condição que eles se encontram hoje, qualquer cantinho da tua casa vai ser melhor — diz Fernanda Ellwanger, fundadora da ONG Santuário Voz Animal.
Outra preocupação do abrigo é conseguir vencer todas as tarefas cotidianas do espaço. Sophie explica que os animais possuem uma rotina de passeios e alimentação. Como apenas 15 voluntários permaneceram atuando de forma constante no espaço, a dificuldade e a sobrecarga de atividades aumentou.
— Com um número menor de voluntários, a gente acaba tendo um trabalho muito maior. Os passeios demoram mais para acontecer, a alimentação também, enfim, tudo acaba sendo mais trabalhoso. De madrugada, está sendo difícil conseguir pessoas para ajudar — afirma.
Além de voluntários e doações, o espaço conta com o apoio da prefeitura com cinco veterinários fixos. É possível contribuir com a iniciativa se disponibilizando para ser um lar temporário. A Mega Feira de Lar Temporário acontecerá nos dias 22 e 23 de junho, das 11h às 20h, no sexto andar do estacionamento coberto do Iguatemi. É preciso preencher este formulário para participar do evento.
Voluntária transformou casa em abrigo
Julia Zelanis, voluntária e idealizadora do projeto Segura Minha Pata, abriu mão de se mudar para a nova casa para acolher animais resgatados no espaço. Pelo local, já passaram mais de 300 animais salvos da enchente. Restam agora 10 bichinhos à espera de um lar. O restante foi realocado em lares temporários.
— Eu abri as portas de um imóvel para onde me mudaria e recebi animais. Todos os meus planos de mudança foram cancelados por tempo indeterminado. Não tenho CNPJ, não sou ONG e nem protetora. Sou uma pessoa física dependendo de doações — diz.
Da Vakinha, já gastamos tudo. Do nosso bolso, nem paramos para contar, não deu tempo e foi muito gasto.
JULIA ZELANIS
Idealizadora do projeto Segura Minha Pata
Ela diz que há mais de um mês sua rotina se tornou apenas o cuidado dos animais, já que não conta com voluntários na grande parte dos dias. Ela também relata que precisou vender o carro para arcar com os custos do abrigo, como alimentação e tratamentos veterinários dos animais.
— Da Vakinha, já gastamos tudo. Do nosso bolso, nem paramos para contar, não deu tempo e foi muito gasto. Não estamos conseguindo trabalhar e não sabemos até quando conseguiremos manter o local — relata.
Segundo Julia, a demanda mais urgente é conseguir realocar todos os animais remanescentes em lares temporários. Também é possível ajudar com doação de ração ou com a disponibilização de veterinários parceiros. Para se disponibilizar para ser lar temporário, interessados devem mandar mensagem para o Instagram @seguraminhapatars.
Prefeitura detalha ações de apoio
Segundo Fabiana Ribeiro, secretária do GCA, o apoio ofertado pela prefeitura aos abrigos voluntários de animais da Capital consiste na disponibilização de médicos veterinários e equipes de limpeza contratados.
Os veterinários atuam de forma fixa e também em sistema de ronda entre os espaços à medida que aparecem demandas de doenças. Vacinas também estão sendo levadas a esses espaços.
A secretária ainda afirma que existe uma previsão de contratação de cerca de cem jovens protetores para trabalharem nos abrigos. Eles atuarão segundo os moldes do programa Jovem Aprendiz.
Um centro que abrigará os animais desses espaços voluntários está previsto para ser aberto no próximo mês. Os animais serão remanejados gradativamente à medida que passarem por cadastramento, vacinação, castração e microchipagem. Esses serviços serão ofertados pela prefeitura aos abrigos voluntários, afirma a secretária.