A força do voluntariado transformou o caos em solidariedade na zona norte de Porto Alegre. A parte inferior do Viaduto José Eduardo Utzig, na Avenida Benjamin Constant, foi transformada em um centro de acolhimento às vítimas das enchentes que castigam a Capital desde a última semana.
Na segunda-feira (6), já havia movimentação intensa de voluntários atendendo aos resgatados, mas de um modo menos ordenado. Na manhã desta terça (7), contudo, o cenário mudou e um corredor de serviços foi montado no local.
Foram instaladas 14 tendas com foco em diferentes tipos de atendimentos aos resgatados. A primeira delas é a do curativo, que fica ao lado da triagem médica. Nesse espaço, atuam médicos, biomédicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, todos voluntários.
Assim que a cobradora de ônibus Andréia Marchese, 50 anos, foi resgatada, ela foi direto para a triagem de saúde. Moradora do bairro Humaitá, ela e o marido estavam isolados, sem energia elétrica e sem água, desde sábado (4). Assim como muitos, eles tinham medo de deixar o lar e foram os últimos a sair do Edifício Irmã Dulce.
— Cresci lá no bairro, nunca imaginei nada assim. É muito triste. O recomeço vai ser pior que o da pandemia, porque a gente perdeu quase tudo — lamenta.
Estrutura de acolhimento
Os profissionais voluntários organizaram turnos de atendimentos para garantir que o posto de saúde improvisado não fique desguarnecido em nenhum momento do dia e da noite. Em frente a essas tendas, dezenas de cadeiras de rodas foram posicionadas, à espera dos idosos ou pessoas em situação de saúde debilitada.
Na tenda ao lado, outro grupo de voluntários separa roupas recebidas por meio de doação. Além dos casacos e calças, o ponto também tem toalhas secas, para secar e aquecer as vítimas logo que saem da água. Até mesmo um provador foi montado para oferecer privacidade às vítimas.
— Eu estava em casa, quentinho, vendo tudo acontecendo pelas redes sociais. Mas não tem como ficar parado, ver tanta gente precisando de ajuda — diz o voluntário William Passos de Souza, 24 anos, que passou a noite de segunda-feira ajudando as vítimas e seguiu durante a manhã desta terça.
Na tenda seguinte, é onde fica a farmácia equipada com medicamentos doados pela população. Entre os itens que tem mais necessidade estão AAS, anti-inflamatórios e luvas descartáveis.
Na sequência, os resgatados passam pela tenda de triagem, onde é feito um cadastro com os nomes de cada um e são coletadas informações sobre parentes ou vizinhos que seguem isolados. Também ali, alguns voluntários organizam caronas solidárias para quem já tem para onde ir.
Quem já tem um destino definido, como a casa de parentes ou amigos, segue em frente e quem precisa de abrigo vai para a próxima tenda. Na tenda dos abrigos, ocorre o direcionamento das pessoas que não têm para onde ir. As pessoas que precisam são alocadas em algum dos dos dois caminhões do Exército disponíveis e levadas para os abrigos em que há vagas.
Na parada seguinte, os resgatados recebem alimentação, como biscoitos e sanduíches, café e também água. Ainda foram montadas mais duas tendas para o cadastro de voluntários e para cadastro de endereços para resgate de pessoas.
Também foram instalados dois banheiros químicos para uso de resgatados e de voluntários. Paulista morando no RS há 12 anos, a gerente de TI Flávia Marques, 38, decidiu auxiliar as pessoas após ver a ajuda recebida por amigos e pelo namorado.
— Assim como ajudaram os meus, decidi ajudar os outros e dar continuidade a esse ciclo — sublinha.
Em outro espaço reservado, os animais resgatados são atendidos por uma equipe de protetores e veterinários que prestam os primeiros socorros e ministram medicações quando necessário. Depois disso, eles são encaminhados para abrigos e colocados para adoção.