Por Lucas Bernardes Volpatto
Mestre em Arquitetura e Urbanismo
Antes mesmo de entrar na faculdade de Arquitetura e Urbanismo, o Palácio do Comércio, localizado próximo ao Mercado Público de Porto Alegre, já me chamava atenção. Não sabia explicar o motivo, se pela beleza ou pela austera monumentalidade. Fato que, mesmo que eu não soubesse interpretar arquitetura, aquele edifício já me provocava.
Anos depois, em uma classe do professor Maturino Luz, principal pesquisador da obra do arquiteto autor do projeto do Palácio e que há décadas transmite o seu vasto conhecimento nas universidades gaúchas, me é apresentada a igreja de Santo Antônio de Cachoeira do Sul, que com sua monumentalidade mais parecia uma catedral. Essa magnífica obra me fez querer saber mais sobre o arquiteto José Lutzenberger (1882-1951), conduzindo-me até a Igreja São José, na Avenida Alberto Bins, e ao Palácio do Comércio.
Na mesma época, era realizada no antigo edifício da fundação O Pão dos Pobres uma mostra de arquitetura de interiores que também colocou o nome do arquiteto na cena. Esse mesmo edifício, uma década depois, veio a ser restaurado por mim. Como um bom discípulo do mestre, foi preciso mergulhar numa profunda pesquisa sobre a obra do arquiteto que me faz afirmar que Lutzenberger é, sim, um arquiteto original.
Na década de 1920, quando ele desembarcou no Brasil, a arquitetura produzida na capital gaúcha era eclética. Não existia um estilo definido, e sim uma mistura de tendências arquitetônicas que “vestiam” os edifícios que muitas vezes empregavam tecnologias modernas como a do concreto armado em suas estruturas. Comum eram as “colagens” de referências e estilos importados, parecendo até mais fácil fazer arquitetura. Projetar poderia ser uma tarefa simples se houvesse rigor e bom gosto, bastava mesclar tendências e aplicar corretamente as ordens clássicas abusando dos elementos escultóricos nas fachadas que tinham a finalidade de caracterizar o uso daquele edifício em uma apoteótica composição.
Os arquitetos que por muitas vezes também eram engenheiros e construtores, emigravam para o Rio Grande do Sul e traziam suas referências e repertórios de países longínquos, e, assim como Lutzenberger, eram em sua maioria germânicos. Mas o que diferenciaria a arquitetura produzida por Lutzenberger dos demais arquitetos de sua época? Não tenho dúvidas de que seja a sua originalidade, pois, mesmo sendo um arquiteto do ecletismo, ele utilizava a técnica e o rigor na busca da perfeição em composições mais sóbrias que exploravam o ritmo, luz e sombras se valendo de poucos elementos decorativos que eram exaustivamente detalhados.
Seus projetos transcendiam o edifício em uma concepção global. Ele projetava maçanetas, ladrilhos, vitrais, murais e mobiliário com originalidade e personalidade. As fachadas de seus edifícios também possuíam algumas esculturas de mestres escultores, mas também compoteiras e coruchéus projetadas por Lutzenberger que jamais se repetiam, únicos para cada projeto com um traço inconfundível. Dentro da concepção global do edifício – em alemão, Gesamtkunstwerk, ou “obra de arte total” –, Lutzenberger se preocupava com questões de ergonomia e conforto térmico e acústico inovando com soluções criativas como as do primeiro sistema de ar-condicionado central de Porto Alegre, instalado no Palácio do Comércio, com dutos compondo elegantemente com a decoração dos luxuosos salões, e para o sistema de indução do ar quente da nave da Igreja São José com a inserção de pequenos cones de vidro coloridos nos vitrais que ele mesmo projetou.
Sua originalidade possivelmente era resultado de uma teimosia na busca do belo, pois esgotava as possibilidades de composições plásticas fazendo e refazendo projetos que tiravam partido do programa e das condições naturais de implantação.
Entre suas obras de destaque, além das já citadas, estão em Porto Alegre, o conjunto de apartamentos hoje ocupado pelo Centro Cultural Vila Flores, sua casa na Rua Jacinto Gomes, o Ginásio Nossa Senhora das Dores e o Edifício Bastian Pinto, na esquina das ruas dos Andradas e Vigário José Inácio. Em Caxias do Sul, o Colégio Nossa Senhora do Carmo e o Hospital Nossa Senhora da Pompeia, e, em Caçapava do Sul, a Igreja Matriz Nossa Senhora da Assunção.
Todas essas obras se destacam pelo traço original de Lutzenberger, que, assim como o Palácio do Comércio, me provocou um dia uma reflexão sobre o fazer arquitetônico, são capazes de nos provocar uma reflexão sobre o belo na arquitetura. Obras de um gênio, arquiteto e artista que na exposição Lutzenberger Universal estamos a celebrar.
Lutzenberger Universal
Trata-se de uma exposição com mais de cem obras de arte de José Lutzenberger e diversos projetos de arquitetura do pintor e arquiteto que nasceu em Altötting, na Alemanha, em 1882, chegou a Porto Alegre no início do século 20 e se tornou um dos principais nomes da arquitetura do período na cidade, onde morreu em 1951 (o ambientalista homônimo é seu filho). A curadoria é de José Francisco Alves. Na Casa da Memória da Unimed Federação (Rua Santa Terezinha, 263), com visitação até 3 de junho. Neste sábado, dia 20, Lucas Volpatto, o professor Maturino Luz e o curador debatem a obra de Lutzenberger. A partir das 10h. Entrada franca.