Há pouco mais de um mês, quem percorre a Avenida Ipiranga percebe os impactos da interdição imposta à maior ciclovia de Porto Alegre. O trecho — da Borges de Medeiros até a Antônio de Carvalho — está bloqueado devido à queda de seis taludes do Arroio Dilúvio.
Desde 6 de setembro, ciclistas e pedestres precisam dividir espaço nas calçadas da via. Enquanto isso, a prefeitura segue sem um diagnóstico oficial sobre o que causou o desmoronamento das encostas e depende de um estudo técnico para chegar a alguma conclusão.
— Piorou radicalmente (desde a interdição). Eu tenho que ir pela calçada, quase atropelando as pessoas, ou correr o risco de ser atropelada pelos carros no meio da rua. A calçada é dos pedestres. Eles ficam na parada de ônibus, por exemplo, e quando ele chega tranca tudo — relata a psicóloga Fernanda Bassani Figueiredo, 45 anos, que pedala na Ipiranga diariamente para ir e voltar do trabalho.
Para os pedestres, habituados a caminhar pela avenida, a realidade também mudou. Maria Júlia Teixeira, 18, estuda em uma escola localizada na Ipiranga e conta que, frequentemente, precisa desviar para dar espaço às bicicletas.
— Às vezes a gente tem de ir pro barro (área de grama no canto da calçada) ou até para o meio da rua pra poder dar espaço para os ciclistas passarem. Daí complica tanto pra nós quanto para eles.
O secretário de Mobilidade Urbana da Capital, Adão de Castro Júnior, foi questionado por GZH sobre a "disputa de espaço", que coloca em risco tanto pedestres quanto ciclistas. Ele admite que esta não é a melhor das alternativas, mas, ainda assim, considera a mais segura no momento.
— Pelo próprio Código Brasileiro de Trânsito, é definido o uso de bicicleta na mesma pista de rolamento dos carros, mas nós entendemos que se trata de uma via de alto carregamento, com fluxo de intenso. Orientar as pessoas a andar na pista de rolamento seria colocar as pessoas em risco. Por isso a decisão da calçada. Não é a melhor opção, mas é a possível dentro de todos os fatores de segurança neste momento — argumenta.
"Os taludes estão doentes"
Os deslizamentos dos taludes do Dilúvio começaram a ser registrados em junho, quando um trecho próximo à PUCRS não resistiu às fortes chuvas. O segundo episódio ocorreu no mês seguinte, na altura do Planetário da UFRGS, e atingiu a pista destinada à circulação de bicicletas.
Diante da continuidade das chuvas e da ocorrência de novos desmoronamentos, a prefeitura decidiu interditar a ciclovia de aproximadamente nove quilômetros de extensão. Até o momento, não há data para a liberação da pista, pois isso depende da garantia de segurança aos ciclistas.
— Os taludes do Arroio Dilúvio estão doentes. Eu preciso saber porque aquele solo compactado 80 anos atrás não está mais se sustentando, causando esses deslizamentos —afirma o diretor-geral adjunto do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), Darcy Nunes dos Santos.
Uma das hipóteses levantadas envolve o serviço de dragagem e desassoreamento do arroio. Desde o início dos trabalhos, em março de 2022, até junho deste ano, quando começaram a ocorrer os deslizamentos, foram removidos 92 mil metros cúbicos de resíduos do Dilúvio.
Se, por um lado, a retirada de lodo e lixo facilitou o escoamento da água da chuva, evitando novos alagamentos, por outro, os trabalhos feitos na base do arroio podem ter afetado a sustentação dos taludes. Recentemente, profissionais com experiência em estabilização de encostas foram contratados pela direção do Dmae para avaliar as condições dessas estruturas.
— Os primeiros diagnósticos são de que não há uma única causa, um único motivo para esses deslizamentos. E alguns dos profissionais me disseram o seguinte: "Até me admira que tenha durado tanto" — diz o diretor-geral adjunto do departamento.
A previsão é de que o serviço especializado, que teve início na segunda-feira (9), seja concluído em até 75 dias.
— Apenas após esse trabalho será possível apontar o que levou aos desmoronamentos —garante Nunes.
O trabalho também busca identificar qual o melhor modelo para reconstrução dos taludes: seguindo os moldes atuais ou implementando um novo mecanismo de estabilização das encostas. Enquanto isso, a recuperação de trechos afetados permanecerá suspensa.
A medida foi tomada para evitar novos gastos se o levantamento concluir pela implementação de uma estrutura diferente da que existe. A única exceção é o trecho próximo ao Parque Esportivo da PUCRS, onde os trabalhos de reconstrução do talude estão em andamento — não há prazo para conclusão.
Expectativa de liberação parcial
O estudo geotécnico é uma das frentes da força-tarefa liderada pela Secretaria de Mobilidade Urbana. A outra ação que vem ocorrendo é a realização de vistorias periódicas ao longo de toda ciclovia. Alguns pontos foram mapeados e serão revisitados para identificar se existe a possibilidade de liberação de trechos da pista para ciclistas.
— Vocês hão de concordar que não dá para colocar em risco as pessoas. É complexo a gente não ter nem um estudo aprofundado, começar a liberar e depois ter um acidente grave. Aí vamos ser negligentes. Nesta terça-feira, vamos concluir a primeira vistoria em toda extensão da ciclovia. Vamos retornar, olhar todos os pontos, verificar se houve alterações para então consensuar entre os técnicos quais podem ser liberados — explicou Adão de Castro Júnior.
O secretário destaca que há pontos com claro comprometimento da ciclovia, correndo risco iminente de desabar. Para piorar, as chuvas que têm sido registradas estariam dificultando os serviços de manutenção e vistoria. A expectativa, no entanto, é de que alguns trechos possam ser liberados para os ciclistas até o final do ano.
O talude costuma dar sinais
Um dos engenheiros responsáveis por elaborar o projeto técnico da ciclovia da Avenida Ipiranga, inaugurada em 2013, foi consultado por GZH. Ele garante que a contribuição da ciclovia nos deslizamentos é muito pequena — e positiva, pois o material utilizado reforça a impermeabilização. O profissional pediu para não ser identificado, pois mantém contrato com uma empresa que não permitiu a participação em entrevistas.
— O que tu fez era o que deveria ter sido feito, um acompanhamento visual. Deveria ter sido feita uma contenção onde não estava estável. Pode ser que, com uma chuva exagerada, não dê tempo de perceber, certo? Mas o talude costuma dar sinais, a gente diz que ele começa a "chorar".
O engenheiro se referiu às constatações feitas em reportagem de GZH publicada logo após o desmoronamento do trecho junto ao Planetário da UFRGS. A impressão de que a pista estava prestes a cair no arroio, devido à inclinação, associada às grandes fissuras, poderiam ter servido como um sinal de alerta para o poder público, conforme o especialista.
— É um bom aviso. Não teve morte. É um bom aviso para que haja um cuidado maior daqui pra frente.