Representantes dos blocos de Carnaval de rua de Porto Alegre criticam a prefeitura por falta de apoio para a folia e pela inexistência de um calendário oficial. A Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa (SMCEC) promoveu duas reuniões com as lideranças, uma em janeiro e outra este mês, para tratar do tema. Na última, foi criada uma comissão, composta por integrantes de 15 blocos, destinada a deliberar sobre os editais de fomento e os eventos descentralizados.
O bloco "Puxa", que foi criado em 2017 no bairro Cidade Baixa, optou por não sair às ruas neste Carnaval como forma de protesto pelo que define como “desinteresse” por parte do poder público municipal.
— Decidimos não fazer nada porque a prefeitura não apoiou o que os blocos pediram — afirma Diego Silva, um dos coautores do bloco, acrescentando: — As escolas de samba estão sendo financiadas por editais e têm apoio da prefeitura. Mas falou em bloco de Carnaval de rua, não temos apoio nenhum. Fomos largados às traças.
Existem cerca de 86 blocos de Carnaval de rua na cidade, sendo que 31 deles estão em atividade. A prefeitura cedeu toda a estrutura para os chamados bloquinhos, no último Carnaval de rua antes da pandemia de covid-19, em 2020. Na ocasião, trios elétricos, banheiros químicos, segurança, espaços, ambulâncias, datas, horários e até um cachê de R$ 3 mil foram disponibilizados.
— A única questão em aberta é o edital do Fumproarte (Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística de Porto Alegre), com valor de R$ 120 mil, que será para fomento. O edital não abriu e, de acordo com a quantidade de blocos inscritos, vai dar uma média de R$ 3 mil a R$ 4 mil para cada um — avalia Silva, dizendo que a prefeitura não ofereceu nada em 2023.
Outra reclamação do "Puxa" diz respeito à falta de um calendário oficial da cidade onde o Carnaval de rua esteja sinalizado com antecedência. Segundo o folião, o evento só aparece quando a semana da folia chega.
— Os blocos de Carnaval saíram em todo o Estado. Aqui, em Porto Alegre, alguns foliões foram às ruas da Cidade Baixa, mas sem infraestrutura, sem banheiros químicos ou som. Foi uma vergonha — diz, entendendo que a questão representa puro desinteresse do poder público.
O bloco "Ziriguidum Batucada Social", que completará uma década em junho, promoveu sua festa da folia na Rua Lopo Gonçalves, esquina com a José do Patrocínio, na Cidade Baixa. O evento, que ocorreu no domingo (19), foi possível de ser realizado em função de parceria com três bares locais.
— O bloco foi às ruas por iniciativa e força próprias. Não tivemos apoio da prefeitura, nem solicitamos — comenta o organizador do Ziriguidum, Flávio Muller.
Conforme Muller relata, a prefeitura de fato chamou representantes de alguns blocos há alguns dias, para uma reunião, quando informou que seria dado fomento para o Carnaval de rua via Fumproarte.
— Mas isso é coisa demorada, nem abriu o edital ainda — observa.
Para promover o Carnaval na Cidade Baixa, o Ziriguidum alugou oito caixas de som (cada uma custou R$ 150).
— Acho que a prefeitura está com uma política equivocada, porque pode fazer geração de renda com o pequeno comércio — acredita, em relação a incentivos ao Carnaval de rua.
O futuro edital de R$ 120 mil também não chega a ser festejado.
— Se forem 40 blocos inscritos, dará menos de R$ 3 mil para cada um. Isso não aluga nem um carro de som modesto — compartilha.
O presidente do bloco "Gaviões da Vila Nova" e integrante da comissão de blocos, Vitor Hugo Narciso, mais conhecido como Mestre Gavião, conta que o evento deste ano precisou ser realizado dentro da própria sede, onde existe aparelho de som próprio.
— Para sair às ruas precisamos ter carro de som, autorização da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) e do Escritório de Eventos. Então, não temos como fazer por nós — lamenta, citando que o bloco participa de reuniões com diversos representantes da prefeitura há mais de 12 meses e nada avançou.
Mestre Gavião diz que pediu à prefeitura carro de som, banheiros químicos, gradis de segurança e autorização para fazer o desfile do bloco, que existe há um ano, na orla do Guaíba.
— Pedimos à cedência do trecho da orla onde fica o Anfiteatro Pôr do Sol. Sabemos que tem o problema dos cágados, mas tínhamos conseguido uma normativa da Smamus (Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade), para que pudéssemos acessar o local e isolar a área dos animais — detalha, salientando que a proposta não seguiu adiante.
Para o dirigente, os blocos reúnem mais público do que as próprias escolas de samba durante os desfiles da Capital.
— A prefeitura não tem nenhum comprometimento com os blocos de Carnaval de rua. O Porto Seco coloca 30 mil a 40 mil pessoas, e um bloco só coloca 70 mil pessoas. Gera economia criativa, principalmente criando empregos nos bairros — compara.
A falta de comprometimento é um dos pontos mais cobrados pelos integrantes dos bloquinhos.
— Este ano não teve Carnaval de rua com o apoio da prefeitura. E se for contar nos dedos quantos saíram, não deu 10 blocos — conclui, criticando a falta de organização do poder público municipal.
Participante de alguns blocos de Carnaval da cidade, Moreno Brasil toca bateria e constata os problemas relacionados à falta de apoio da prefeitura para a realização do evento.
— Infelizmente, a Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa não consegue ser centro de debate do governo municipal, que enrolou até onde deu. Essa falta de apoio ocorre desde 2016 — atesta.
O baterista critica a passividade da prefeitura em relação ao Carnaval de rua.
— Enquanto a prefeitura não conseguir entender isso como um ativo econômico da cidade, não vai fazer nada mesmo. Me parece que esta gestão não quer fazer nada para depois colocar a culpa nos blocos — critica, citando a ausência dos banheiros químicos e lixeiras nas festas deste ano.
Para o ex-presidente da União dos Blocos Carnavalescos da Cidade e mandatário do bloco Gonhas da Folia, Lúcio Weber, o problema se arrasta há tempos e passa por diversos secretários.
— Taparam o sol com a peneira com um evento na Avenida Augusto de Carvalho, em dezembro de 2022, pagando um cachê simbólico de R$ 2 mil para cada bloco que se apresentou — lembra.
De acordo com seu relato, os blocos "Gonhas da Folia", "das Donzelas" e "Senzala dos Coutinhos" foram contemplados pelo Fumproarte no ano passado. A verba a ser liberada teria atrasado e apenas em 2023 o circuito de Carnaval de rua aconteceu na Restinga.
Também há outros problemas no que diz respeito aos blocos de regiões distintas da Capital
— Movimentamos 50 mil pessoas dentro da Restinga. Há uma guerra de blocos. Os da Cidade Baixa não admitem que os blocos da comunidade se apresentem na região central, como na Praça Garibaldi ou na orla do Guaíba. Tem uma competição — revela Lúcio Weber.
Na opinião de Weber, a prefeitura tira proveito da desorganização dos próprios blocos de Carnaval.
— Infelizmente, tenho que admitir que há uma desorganização por parte dos blocos e não há um entendimento — resume, pedindo também um calendário oficial para o Carnaval de rua.
Para o dirigente, há discriminação em relação aos representantes da Zona Sul.
— Independente da bandeira, falo por todos os blocos. Somos totalmente discriminados, não nos querem fazendo Carnaval na região central de Porto Alegre — desabafa, completando: — A prefeitura nos rejeita e oprime de forma totalmente desumana. Nos sentimos rejeitados.
O descontentamento é generalizado. A reportagem de GZH testemunhou integrantes do bloco "No Caminho te Explico", na última terça-feira (21), protestando com gritos de “fora Melo” durante o deslocamento pela Rua Washington Luiz. Na oportunidade, não havia banheiros químicos, carros de som, nem lixeiras disponibilizadas para os foliões presentes. O trânsito chegou a ser orientado pelos próprios integrantes do bloco em trecho da via com a esquina com a Espírito Santo.
Na ocasião, a EPTC informou que monitorava e orientava o trânsito na via, mas que o bloco não havia entrado em contato com o Escritório de Eventos, vinculado à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo (SMDET), para solicitar autorização e apoio para o desfile do feriado.
O que diz a prefeitura
A última reunião entre representantes da prefeitura e dos bloquinhos abordou aspectos para a elaboração de editais de fomento, via Fumproarte, ao Carnaval de rua e a eventos descentralizados. Na ocasião, as entidades ressaltaram que a medida não chegaria a tempo de viabilizar a folia deste ano, e que muitos blocos sairiam às ruas com recursos próprios, o que de fato ocorreu.
O secretário municipal de Cultura, Henry Ventura, que assumiu o cargo a poucos dias da folia, explica o que tem sido feito para se chegar a um consenso e também rebate às críticas dos blocos de rua. A missão do titular da pasta não será simples, porque há muitos blocos na cidade, com tamanhos e estruturas diferentes e, acima de tudo, com demandas diversificadas.
— Propomos um edital de fomento e a organização deste edital para as estruturas que envolvem banheiros químicos, trios elétricos. Para prestarmos esses serviços, temos que ter critérios para as seleções dos blocos — pontua, dizendo que esses critérios estão sendo discutidos neste momento.
A prefeitura realiza levantamento para saber quais são os blocos ativos e os inativos da cidade.
— No passado, houve críticas porque os critérios não foram debatidos suficientemente com os blocos. Para organizar nunca foi feito um comitê. Então, pecamos pelo excesso da escuta, mas não pela falta de promover o processo de ouvir democraticamente os blocos — pondera Ventura.
A ideia da prefeitura é que os próprios blocos escolham o processo de contemplação, definindo como serão determinados os critérios de apoio.
— Os blocos vão decidir o processo, não a prefeitura como era antes — confirma o secretário, acrescentando sobre o evento deste ano: — Na primeira reunião, vimos que não seria possível organizar para este Carnaval. Não tinha tempo hábil para conseguir banheiros químicos e fazer licitação para contratar caminhões de som.
A existência de variados blocos de Carnaval de rua na cidade dificulta as medidas de organização.
— Cada bloco tem uma demanda. Não tem um documento único. Há blocos que representam os descentralizados, outros falam pelos centralizados e alguns só querem estrutura. Há necessidades diferentes — cita Ventura.
O Quarto Distrito foi abordado pelo secretário durante a entrevista para GZH.
— Quem tem o saber dessa atividade cultural são eles (os blocos). Nós tivemos agora, no Quarto Distrito, o Carnaval do bloco "Fusca Azul". Funcionou muito bem e foi o primeiro naquela região. Mais de 10 mil pessoas estiveram lá e teve o apoio da prefeitura.
Ao mesmo tempo, muitos não querem fazer o desfile nessa região.
— Tem blocos que não querem desfilar no Quarto Distrito, preferem sair na orla. Não vai ter como 30 blocos saírem no mesmo lugar. Definir esses critérios será muito importante — diz, completando: — A maioria dos blocos não possui CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica). Não podemos pagar para uma pessoa jurídica e outro para pessoa física. Teremos de regularizar os blocos que quiserem participar.
Ventura insiste no ponto do edital direcionado para fomentar a folia.
— O edital de fomento é para fomento. Não é para montar a estrutura, estamos fomentando a atividade que eles fazem o ano inteiro.
E diz que a proposta é realizar, de fato, o Carnaval de rua de 2023 fora de época por meio do poder público municipal.
— Propomos uma outra data para 2023 ainda, se for consenso e eles quiserem. E estruturar o Carnaval de 2024, para que já tenha critérios para o de 2025. Estamos dispostos a fazer o Carnaval dos blocos de rua de 2023, organizado pela prefeitura.
Os blocos da Restinga foram mencionados pelo titular da pasta.
— Há blocos descentralizados, que inclusive participaram e foram contemplados em editais no ano passado, e desfilaram em janeiro na Restinga.
Dessa maneira, é preciso esperar pelas definições em torno dos critérios e dos números de blocos que serão atendidos.
— Vai ter um edital de fomento e uma data organizada pela prefeitura — garante Ventura.
Porém, o tema está longe de um consenso e de uma solução que agrade a todas as partes.