O Mercado Público de Porto Alegre, localizado no coração do Centro Histórico, viverá um dia carregado de emoções na segunda-feira (5), quando seis restaurantes reabrirão suas portas para o público no segundo piso. Desde 2013, quando um incêndio de grandes proporções atingiu o tradicional cartão-postal da cidade (leia mais abaixo), estabelecimentos ficaram fechados ou tiveram de funcionar no andar de baixo em um espaço de eventos. Agora, o cenário de incertezas parece ter ficado, de fato, nas páginas do passado.
As salas do segundo andar foram entregues aos permissionários no final de julho. Desde então, os comerciantes correm contra o tempo para arrumar os restaurantes e ajeitar a decoração dos ambientes.
— Isso aqui é mais do que um sonho. O meu sentimento é de muita gratidão, esforço e luta. Agradeço a Deus por voltarmos para nosso espaço depois de nove anos — confessa Iara Fátima Rufino, 66 anos, permissionária da Sorveteria Beijo Frio.
Com o olhar sereno de quem já passou pelo pior desde que as chamas consumiram 60% da parte superior do Mercado Público, Iara compartilha uma felicidade que não cabe no peito. A única permissionária negra do local sabe o valor dessa conquista. O período em que manteve o negócio improvisado no andar de baixo foi de vacas magras.
— Foi muito difícil, perdemos mais de 60% da nossa clientela. Não era um local aconchegante — atesta.
Em torno das 16h da última quarta-feira (31), dona Iara preparava a sorveteria, que terá 36 cadeiras e possui capacidade para receber cerca de 50 pessoas em um ambiente de 90 metros quadrados. Estava sendo realizada uma sessão de fotos com diversos pratos que ilustrariam o cardápio. A louça, composta por xícaras e pires delicados, são em estilo vintage. Serão de quatro a cinco funcionários auxiliando no atendimento ao público.
Isso aqui é mais do que um sonho. O meu sentimento é de muita gratidão, esforço e luta. Agradeço a Deus por voltarmos para nosso espaço depois de nove anos
IARA FÁTIMA RUFINO
Permissionária da Sorveteria Beijo Frio
— Nosso carro-chefe é o sorvete — pontua. — Mas oferecemos também sorvete artesanal sem gordura trans, banana split, tortas, açaí, doces de Pelotas e salgados low carb — acrescenta, citando que os produtos são fornecidos pela Oca Tupi, conhecida por trabalhar com alimentos sem glúten nem conservantes.
— Estamos vindo com tudo — projeta a funcionária da sorveteria Grace Kelly, 32, que tem o nome inspirado na ex-atriz norte-americana de cinema e princesa de Mônaco.
Os demais permissionários externalizam sentimentos semelhantes.
— É um sentimento de recomeço — traduz Francisco Assis dos Santos Nunes, 69, permissionário do restaurante Sayuri, especializado em gastronomia japonesa e, desde o ano 2000, funcionando no segundo pavimento.
Sayuri significa "pequeno lírio" em japonês. Além do mais, o nome do estabelecimento é o sobrenome de Sandra Sayuri, esposa de Chico, como o proprietário é conhecido. Na decoração do espaço, há uma grande pintura em que aparece o Monte Fuji. O horário de atendimento deverá ficar entre 11h e 22h, e serão oito funcionários, com reforço de pessoal no turno da noite.
Quando a gente não estava aqui, parecia que faltava ao Mercado Público uma parte do corpo
FRANCISCO NUNES
Permissionário do Sayuri
— Foi um período difícil lá embaixo porque o espaço era apertado. Os clientes passavam para nos cumprimentar, mas diziam que não gostavam do lugar. E depois, com a pandemia, foi problemático — relata Chico, salientando que antes dos tempos sombrios até 400 pessoas visitavam o restaurante por dia.
O permissionário enaltece as melhorias depois da reforma, em especial a acessibilidade para o segundo andar, e define o sentimento de espera até agora:
— Quando a gente não estava aqui, parecia que faltava ao Mercado Público uma parte do corpo.
Visitantes aprovam melhorias realizadas
O aposentado Ataíde Manuel Cardoso, 75, caminhava com ar de felicidade no segundo piso do Mercado Público, na terça-feira (30). Frequentador há mais de 50 anos, como explica com as mãos em movimentos serenos e pausados, costuma vir de Alvorada, na Região Metropolitana, para comprar peixe. Enquanto olhava atentamente para as salas ainda fechadas do andar superior, opinava sobre o que achou mais relevante da reforma.
— A escada rolante facilita — reconhece, antecipando que pretende voltar em outras oportunidades ao segundo piso, onde espera conhecer os restaurantes e provar os pratos oferecidos.
O vaivém de pessoas pelos quadrantes do segundo pavimento é uma espécie de sinal de que as coisas parecem estarem voltando aos eixos. As escadas rolantes novas e os elevadores — exceto o de serviço, que estava desligado na terça-feira para poupar energia — conduzem os visitantes. Há extintores de incêndio em vários pontos, o que transmite mais segurança.
— Às vezes, costumo frequentar o segundo andar. Antes, o espaço aqui era mais reduzido — compara a estudante Júlia Zimmermann, 20, que passeava com a colega Bruna Bandeira, 21, pelos corredores, ambas concordando que agora está melhor do que antes.
A diarista Vanessa Ferreira, 38, que é natural de São Paulo e vive há seis anos na capital gaúcha, passeava pelo local com a filha Stheffany, 13.
— Não vi o segundo andar como era antes do incêndio. Mas estou aqui porque tenho muita curiosidade e, com certeza, pretendo ir nos restaurantes — garante, dizendo que frequenta o Mercado Público para comprar carne e temperos.
O porteiro Mário Brandão, 59, tem o hábito de passar pelos corredores do prédio com assiduidade.
— Venho bastante e gosto de passear pelo segundo andar. Acho bonito e faz parte da nossa cultura — afirma. — A importância do Mercado é que é um prédio muito antigo. É a história de Porto Alegre. Aqui sempre foi, desde os tempos antigos até agora, o local que a população mais frequenta — completa.
A pensionista Selvita Ramão Ribeiro, 76, caminhava com as mãos cheias de sacolas depois de fazer as compras. Estava conferindo, sem pressa, o segundo piso.
— Venho sempre para comprar lá embaixo salame e linguiça — conta.
Questionada sobre suas impressões acerca da reforma, a resposta sai de bate-pronto:
— Achei maravilhosa.
É o dia que eu esperava por nove anos. Não teve um dia nesses nove anos que eu não lutasse e torcesse para que isso acontecesse
ADRIANA MARTINI KAUER
Presidente da Ascomepc
Nesta segunda-feira, haverá um ato simbólico para marcar a reabertura, às 11h, no segundo pavimento. Organizado pela Associação de Comércio do Mercado Público Central (Ascomepc), seis fitas vermelhas serão desenlaçadas nas portas dos estabelecimentos a serem reabertos por permissionários. O prefeito Sebastião Melo pretende almoçar no prédio histórico. Um banheiro que estava interditado no andar superior também será entregue em condições de uso após ter sido reformado depois de ter sido vandalizado.
Para a presidente da associação, Adriana Martini Kauer, o dia será de alegria por ver a vida voltando ao local.
— É o dia que eu esperava por nove anos. Não teve um dia nesses nove anos que eu não lutasse e torcesse para que isso acontecesse — desabafa.
Por sua vez, a Associação de Artesãos Porto Alegre Solidária já está em atividade e com as portas abertas no local desde o dia 13 de agosto.
Prefeitura projeta presente e futuro do Mercado Público
O atual prefeito se envolveu diretamente na recuperação do prédio histórico. Em 2013, quando era vice de José Fortunati e ocorreu o incêndio, Melo foi designado para conduzir a reabertura e as obras até 2016. As ações foram retomadas em sua gestão, agora.
Queremos abrir a parte de gastronomia do Mercado aos domingos, e, talvez, uma loja de cada produto
SEBASTIÃO MELO
Prefeito de Porto Alegre
— Queremos abrir a parte de gastronomia do Mercado aos domingos, e, talvez, uma loja de cada produto. Vamos terminar a pintura por fora e por dentro, e arrumar uma parte voltada para o lado do Largo Glênio Peres, que ainda está com problemas — antecipa o chefe do Executivo municipal.
Interpelado se em algum momento houve receio da prefeitura de que o segundo piso jamais ficasse pronto ou recuperasse o esplendor do passado, Melo revela que sim:
— Fiz um diário do Mercado Público e um grupo no WhatsApp desde que assumi a prefeitura, em que eu cobrava diariamente as atitudes. Tive medo, sim, de não ficar pronto. O acerto foi a obra ter sido feita pelo setor privado — reflete.
O que foi feito na reforma
A reforma do Mercado Público envolveu troca de equipamentos, como as aguardadas escadas rolantes e os elevadores. Houve melhoria no sistema elétrico, adequado às exigências do novo Plano de Prevenção e Combate a Incêndios (PPCI) e aos requisitos da subestação de energia elétrica e do quadro geral de distribuição de baixa tensão. Além disso, a abertura dos novos banheiros garantiu acessibilidade, segurança e conforto a comerciantes e visitantes do lugar.
Dessa maneira, o perfil do próprio Mercado Público ganhou algumas características que podem ser encontradas em outros locais semelhantes de padrão internacional.
— O Mercado Público de Porto Alegre segue as características, e isso não é de hoje, dos mercados públicos mundiais — confirma o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Vicente Perrone.
Conforme cita o titular da pasta, mercados situados em Montevidéu, no Uruguai, em Barcelona, na Espanha, e até em Portugal serviram de alguma maneira como inspiração. Porém, o foco da prefeitura é outro:
— A ideia do segundo andar é retornar com as atividades que funcionavam ali antes do incêndio — explica. — Os permissionários que precisaram ir para o andar de baixo no espaço de eventos podem retomar seus lugares — conclui.
Os recursos para a reforma do Mercado Público integram o Termo de Conversão de Área Pública (TCAP), que foi firmado entre a prefeitura de Porto Alegre e a empresa Multiplan. O valor é de R$ 9,4 milhões.
Restaurantes que serão reabertos no segundo andar
- Bar Chopp 26
- Taberna
- Pizza Veg (antigo Telúrico)
- Mamma Julia
- Sayuri
- Sorveteria Beijo Frio
Como foi o incêndio
O panorama atual no histórico prédio do Centro é bem diferente do encontrado naquele 6 de julho de 2013, há nove anos. Na noite daquele sábado, um incêndio de grandes proporções atingiu o Mercado Público. O fogo começou por volta das 20h30min, no canto ao lado da Rua Siqueira Campos com a Avenida Borges de Medeiros, e se alastrou rapidamente pelo andar superior do imóvel. Houve relatos de que a fumaça do incêndio chegou até a zona sul da Capital.
O primeiro andar não sofreu maiores danos, mas o segundo pavimento e o telhado ficaram com significativas avarias. Ninguém ficou ferido, e as chamas foram controladas em torno das 23h. Um curto-circuito dentro de um restaurante foi a causa do incêndio.
Histórico do prédio
Inaugurado em 3 de outubro de 1869, o prédio em estilo neoclássico do Mercado Público resistiu à enchente de 1941 e a outros três incêndios: em 1912 (quando o segundo pavimento estava sendo construído), 1976 e 1979. O espaço foi tombado como Patrimônio Histórico e Cultural de Porto Alegre em 1979. Entre 1990 e 1997, a estrutura passou por restauração.
Linha do tempo: do incêndio à reabertura
- 05/09/2022 - Seis restaurantes reabrirão suas portas
- 29/08/2022 - Reabertura do segundo piso
- 13/08/2022 - Reabertura da Associação de Artesãos Porto Alegre Solidária, primeiro local a voltar a funcionar no segundo piso após o incêndio
- 22/06/2022 - Escadas rolantes começam a ser instaladas
- 22/02/2022 - Começa a pintura externa da fachada do Mercado Público
- 17/01/2022 - Retomadas as obras no segundo piso
- Final de 2016 até setembro de 2017 - Reforma paralisada por falta de recursos
- 06/07/2013 - Incêndio de grandes proporções atinge o Mercado Público