Quem caminha pelas ruas do Bom Fim, entre árvores floridas, feiras e comércios locais, pode encontrar diferentes opções para uma dieta vegetariana (sem consumo de carnes) ou vegana (sem componentes de origem animal, como queijo). O bairro é um dos tantos onde esse segmento, na contramão de restaurantes em geral, se expandiu durante a pandemia. De março de 2020 a julho de 2022, oito estabelecimentos do tipo fecharam as portas em Porto Alegre. No entanto, ao menos 13 novos abriram, conforme dados do Sindicato de Hospedagem e Alimentação de Porto Alegre e Região (Sindha).
Um desses novos espaços é a Rocco Trattoria Vegana, na Rua Irmão José Otão, inaugurada em maio pelo advogado e publicitário Carlos Silva, 38 anos, e sua esposa, a chef de cozinha e, agora, empresária Camila Langbeck, 29. A ideia de criar a trattoria surgiu do gosto do casal por massas e da busca por afunilar o nicho. Silva e Camila perceberam uma necessidade de ampliar o leque de opções veganas para além das comidas orientais, saudáveis e dos lanches. Eles já eram donos de um restaurante vegetariano, onde os pratos mais pedidos eram veganos, e decidiram mudar de rumo.
— Vimos que tinha algo que podia dar muito certo ou muito errado, mas resolvemos ir por esse caminho mesmo. A gente fez uma breve pesquisa e não existia nada no Rio Grande do Sul de trattoria vegana. Acabamos fechando contrato no Bom Fim, que é uma região que está se tornando muito forte nesse sentido ideal de vegetarianos e veganos, então ali já tem uma grande concentração de restaurantes — conta Silva.
Na Rocco, todos os pratos, desde entradas a sobremesas, e até bebidas são veganos. A aposta da casa são as massas frescas. A mais famosa é a carbonara — um prato originalmente produzido com derivados de animais, como bacon, creme de leite, queijo e ovos.
— Comida mais farta, com entrada, prato principal, sobremesa, dificilmente se encontrava aqui — pontua.
Engana-se quem pensa que apenas aqueles que optam por esse estilo de vida frequentam esses restaurantes. Os adeptos costumam levar amigos, namorados e familiares apreciadores de comidas de origem animal, e até mesmo curiosos buscam os espaços. Muitos que têm uma ideia preconcebida da comida vegana acabam se surpreendendo.
— A gente acaba fazendo esse papel social também de porta de entrada, desmistificando um pouco os preconceitos que existem sobre a comida vegana e achismos de que é tudo baseado só em salada — destaca Silva.
Dos 43 estabelecimentos do segmento vegano e vegetariano atualmente em funcionamento na Capital, há diversos nichos: pizzarias, comida árabe, lancherias, cafés, como o Angélica, bares e até mesmo churrascarias, a exemplo do Picanhas Grill Veg.
Com uma proposta para frequentadores veganos que têm de se contentar em comer polentas ou batatinhas em bares, surgiu a Casa Revoa, na Cidade Baixa — onde tudo é vegano, mas com aparência “normal”. O local foi aberto em novembro de 2021, após adiamentos devido à pandemia, e é administrado pelos sócios Arthur de Abreu, 29 anos, projetista, e Lucas Rufino, 27, designer.
— Foi tudo desenhado e projetado para que não seja um bar exclusivamente para veganos, a galera de bar tradicional pode sentar e não vai sentir falta de nenhum produto — afirma Abreu.
O cardápio é variado e típico de boteco: petiscos, hambúrguer, xis, pancho, drinques — e até mesmo cheesecake. O objetivo é ampliar o espaço para além do bar, com outras opções durante a tarde.
Os amigos ressaltam que recebem um carinho por parte de pessoas não veganas e não vegetarianas que pensavam que não teriam o que consumir no local.
— Em Porto Alegre, um clássico é a maionese. Nos nossos finger foods com maionese, o pessoal fala: “Que maionese é essa? Não pode ser vegana”. A ideia é quebrar esses conceitos e fazer um alimento gostoso em um ambiente gostoso — destaca Rufino.
Quem também observou esse aumento na procura foi Emiliano Varela, 26 anos. Proprietário de um estúdio de tatuagem e empregado em um restaurante, viu seu negócio fechar as portas e foi demitido do estabelecimento onde trabalhava à noite devido à pandemia. A alternativa que encontrou foi trabalhar como motoboy. No entanto, buscando se reinventar e voltar ao setor alimentício, apostou em um clássico gaúcho que a esposa Rieli Werlang, 33 anos, adora: xis.
Varela é vegetariano e já foi vegano, mas tinha dificuldades em encontrar um xis que o casal pudesse curtir junto. O curitibano passou, então, a preparar o prato em casa para agradar à amada, e então percebeu uma oportunidade de negócio — foi assim que nasceu a Veg Food Stigma.
O casal de empresários começou preparando os lanches no próprio apartamento. Rieli montava o xis, e Varela ficava encarregado das entregas. As vendas eram feitas por meio das redes sociais e do contato com amigos, mas, em uma semana, eles já não davam conta dos pedidos.
O lanche vegano acabou dando tão certo que deixei o estúdio de tatuagem como segundo plano
EMILIANO VARELA
Proprietário da Veg Food Stigma
— O lanche vegano acabou dando tão certo que deixei o estúdio de tatuagem como segundo plano. Superou todas as expectativas que a gente podia ter — conta Varela, que pretende reabrir o negócio de tatuagens até o fim deste ano.
O restaurante ainda opera apenas por telentrega, sem um local físico. O cardápio, hoje, conta com diversos lanches veganos e vegetarianos, como xis, cachorro-quente, hambúrguer — e, em breve, porções.
— Foi aumentando de uma forma que eu meio que não esperava. Sempre com cliente novo, inclusive no app informa que tem clientes novos diariamente mesmo, muitas vezes que comem carne. Acho que o melhor feedback que eu recebo hoje é das pessoas que não são vegetarianas e veganas, que têm até um certo preconceito, e aí, quando experimentam, ficam surpresas e passam a ser clientes. É uma parte bem gratificante do trabalho — enfatiza.
A iniciativa permitiu ao casal comprar uma casa, que, no próximo mês, também abrigará o restaurante. Será a primeira lancheria vegana temática de Porto Alegre, com foco medieval, intitulada Dragão Verde — mais uma opção para esse público frequentar na Capital. A inauguração ocorrerá na estreia da série O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder, em 2 de setembro.
Aumento da oferta e da procura
O professor e coordenador do núcleo de Porto Alegre da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), Arthur Barcellos Bernd, confirma o aumento no número de estabelecimentos do tipo.
— Eu sou vegano já há cinco anos e percebo que, de 2017 para cá, evoluiu a quantidade de restaurantes 100% veganos ou vegetarianos, assim como as opções desses tipos em lugares que não são. Percebo que tem essa evolução e de público que vai nesses lugares por curiosidade — avalia.
— Você tem de ter um ou dois pratos também, se adaptar, porque as famílias, às vezes, têm alguém que é vegano, e tu tens de ter no cardápio. Há uma mudança significativa nesse aspecto, a maioria dos restaurantes também teve de se adaptar — concorda o diretor institucional do Sindha, Edemir Simonetti, proprietário do Chalé da Praça XV e do 360 POA Gastrobar, atribuindo essa mudança à adaptação do mercado aos clientes e aos novos hábitos da sociedade.
Entre os responsáveis pelos estabelecimentos, há um ponto de vista em comum: Porto Alegre é uma cidade de vanguarda — o que a torna propícia a esses movimentos e experimentações.
— O gaúcho, de certa forma, tem uma curiosidade e gosta de experimentar coisas novas, então muitas tendências surgem aqui no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre, principalmente — opina Carlos Silva, responsável pela Rocco Trattoria Vegana.
— É até engraçado, porque em algumas cidades, até cidades maiores, Belo Horizonte, São Paulo, não vi uma procura tão grande quanto aqui. Porto Alegre sempre tem um pioneirismo em relação a isso. Então, vejo que é um polo muito forte, com uma certa tradição de alguns restaurantes, mas de fato ainda faltava um bar vegano — comenta Rufino, sócio da Casa Revoa.
Já Varela, da Veg Food Stigma, atribui a mudança aos cidadãos:
— Acredito que as pessoas estão ficando um pouco mais mente aberta, e o público vegano está aumentando e chamando parceiros, amigos, para conhecer.