Ferramentas, bomba de ar para encher pneus, venda de incenso, xis, cerveja gelada, música ao vivo e um bufê de almoço que desafia a inflação são atrações de um mesmo estabelecimento no Menino Deus que mais parece ter saído de um anúncio publicitário exagerado. O Buteco do Aldo 2 — assim mesmo, com U — reúne essas e outras atrações em três andares da casa de número 279 na Rua Gonçalves Dias.
Tanto o xis quanto o bufê com seis opções de pratos quentes e suco artificial grátis, saladas e carnes, custam R$ 13 cada. As demais bebidas e sobremesas têm preços mais parecidos com os de outros bares. Essas são as únicas fontes de receita do bar tocado pelos irmãos Kohls. Desde o fim do último ano sem pandemia até agora, o aumento da cesta básica em Porto Alegre registra uma alta de 35%, enquanto o preço do bufê do Aldo subiu 30% — custava R$ 10 em 2019.
— Com 30 anos de trabalho nesse ramo, vi que com boa vontade e investimento as coisas acontecem. Levanto cedo todos os dias e vou direto até a Ceasa negociar os insumos, isso barateia e garante a qualidade de tudo — revela Alexandre Kohls, 49 anos, um dos sócios do Buteco do Aldo, que também menciona o espaço onde uma barbearia se prepara para ser instalada no mesmo imóvel.
À noite, um piano que divide espaço com as mesas ao longo do dia é carregado para a rua e um som comportado rola na calçada. Em dias de jogos de futebol, a TV virada para o lado de fora reúne gremistas e colorados. O público é fiel em todos horários. No almoço da última sexta-feira (20), quando o cardápio era minifeijoada, a fila do bufê tinha 30 pessoas às 11h40min. Segundo Volnei Kohls, 53, gerente da casa da Gonçalves Dias, são servidas cerca de 300 refeições por dia entre as 11h e as 15h, além de xis e sanduíches prensados.
— A comida é muito boa, venho de longe às vezes para buscar aqui. O preço também é espetacular. Não tem outro na cidade tão barato — afirma David Leventhal, 61 anos, empresário que almoçava com a irmã e sócia Liana em uma mesa colocada na calçada.
Eles têm uma empresa de limpeza condominial e pós-obra com 16 funcionários. Dizem que mesmo quando estão cumprindo agenda em outro bairro, voltam até ali para comprar as refeições dos colegas.
— Moramos na Zona Sul e várias vezes passamos aqui para levar um xis para ser nossa janta depois do expediente — comenta Liana.
Os diferenciais do negócio
Ao lado do caixa, um armário de madeira pendurado na parede com porta de vidro expõe um jogo completo de ferramentas básicas novas e oferece empréstimo delas. É possível utilizar uma por vez, com a condição de que a Carteira Nacional de Habilitação de quem precisar de uma chave de fenda ou alicate seja deixada no caixa como garantia do retorno do item. Na entrada, uma bomba de ar comprimido também é acompanhada por pequenos utensílios, como chaves e colas, para reparo em bicicletas ou motos. Ambos são oferecidos sem custos
— Não cobro nada porque serve como chamativo para depois a pessoa vir comer no restaurante. Até agora, não sumiu nenhuma ferramenta, o pessoal tem consciência e devolve sempre — complementa Alexandre.
Subindo as escadas que ficam ao lado do bufê, os clientes encontram mais mesas e um “canto gourmet”. A bancada com micro-ondas, pia e fogão a gás recebe quem tiver trazido sua marmita pronta de casa. Funcionários da região podem aquecer ali a comida feita por eles em casa para almoçarem no intervalo do trabalho. Água e café são oferecidos gratuitamente a funcionários da segurança pública, aumentando o movimento de viaturas na região.
— Atendemos gente da classe trabalhadora. Esquentamos mais de 20 viandas por dia sem cobrar nada. Quando encontro uma marmita de trabalhador que não tá se alimentando bem, completo com comidas do bufê. É uma assistência para quem trabalha perto. Não perco nada com isso, ganho a gratidão de todos e eles comentam com novos clientes que nem conheciam o lugar — explica.
No último andar, um terraço com churrasqueira e três mesas promete ser ponto de encontro para grupos de amigos que queiram fazer um assado. O curioso é que os irmãos Kohls querem manter o espaço sem taxas de aluguel ou limpeza, lucrando apenas com a venda de bebidas.
— Também vamos abrir um espaço cultural no segundo semestre de 2022. Queremos oferecer oficinas de cerâmica, pintura, piano e violão para crianças e quem chegar aí, tudo sem custo durante a semana — projeta, afirmando que ainda está na busca de professores que ocupem o local.
História da família
Alexandre conta que a família é originária de Cachoeira do Sul, no bairro Quinta da Boa Vista. Chegaram a Porto Alegre em 1981, morando na Rua 17 de Junho, vizinha da André Belo, sem recursos, mas com os pais empregados. Nas quatro décadas que se seguiram, prosperaram.
— Éramos bem humildes mesmo. A mãe era zeladora do colégio Cândido Portinari, aqui na esquina da Múcio com a André Belo, e chegamos a morar ali antes de 1993. O pai era caminhoneiro, batalhador. Ganhou um dinheiro no jogo, vendeu um Chevette 1975 que tinha e comprou o boteco — relembra.
Em 1998, já com lucros do primeiro empreendimento, conseguiram comprar o terreno onde hoje funciona o “Buteco 2”, na Gonçalves Dias. Nas paredes, fotos e cartazes contam essa história da família, com referências a Aldo Kohls, patriarca e fundador do primeiro bar, ainda no século passado.