Importante para garantir a segurança jurídica de ter uma casa, a matrícula de imóvel não é comum em muitas regiões periféricas, bairros fundados por meio de ocupações e loteamentos informais. Nestes espaços, a escritura nem sempre é uma garantia conquistada pelos novos moradores. Por isso, ações públicas têm participação importante no revés deste cenário.
Em Porto Alegre, em 2021, 1.019 famílias receberam gratuitamente as matrículas de seus imóveis por intermédio da prefeitura. Os dados são da Secretaria Municipal de Habitação e Regularização Fundiária (SMHARF), e representam os maiores índices dos últimos cinco anos. Neste ano, já foram 276 matrículas entregues em ações da pasta municipal.
Entre os locais contemplados está o loteamento Carris Manchester, na Zona Leste. A comunidade fica no bairro Lomba do Pinheiro. Com pouco mais de 20 anos de existência, o local começou através de uma cooperativa de imóveis, que fez a venda aos moradores.
Entretanto, o processo de regularização acabou não sendo seguido até que a cooperativa deixou de contatar os moradores, como recorda a comerciante Karina Elizabeth Lobo Villa Bueno, 41 anos. Ela mora na região desde os primórdios da comunidade e foi uma das responsáveis por buscar respostas na prefeitura sobre o loteamento. Karine recorda que foi surpreendida com o atendimento no Departamento Municipal de Habitação (Demhab).
— Temos uma visão antiga de que sempre vamos ser mal atendidos ou de que as coisas vão demorar demais, mas sempre fui bem recebida desde a primeira vez que procuramos ajuda — relembra Karina.
A moradora recorda que, em meados de 2018, a comunidade concordou em buscar auxílio público para regularizar a situação do loteamento, principalmente, com a conquista das matrículas. O processo se estendeu por três anos, até que todos os moradores conseguissem apresentar os documentos e informações necessárias. Em janeiro deste ano, foram entregues 43 matrículas, incluindo a de Karine, que divide a casa com o marido, o construtor civil Sidnei Pereira Bueno, 42 anos, e um casal de filhos: Willian, 15 anos, e Joana, nove.
— São cerca de 100 famílias no loteamento, então, muitas ainda vão receber a escritura também. Foi um momento marcante, depois de tanto tempo morando aqui, traz uma sensação de dignidade — comemora Karina.
As mudanças realmente tornam as comunidades mais inseridas em diversos setores. Karina cita, por exemplo, que os moradores puderam começar a pedir ligação de energia regularizada, algo que não existia antes. A cobrança do IPTU, apesar de não estar diretamente ligada ao fato da escritura, também.
— A gente sabe que são gastos a mais. Mas agora temos direito de pedir serviços de manutenção, infraestrutura, é algo positivo — explica Karina.
Residência própria e legalizada
Para a doméstica Áurea Noemi Jaques Pereira, 41 anos, o recebimento da matrícula foi uma satisfação dupla.
A Vila Vale do Salso I, no bairro Restinga, foi a primeira onde ela adquiriu uma casa própria, há cerca de quatro anos. Ela divide o local com o marido, o prestador de serviços Jorge Cardoso, 44 anos, e os filhos Evelin, 20 anos, Vitória, 12 anos, Vitor, quatro anos.
— Quando compramos, não havia expectativa de que fosse legalizado. Mas, no final do ano passado, recebemos a notícia. Foi uma sensação muito boa receber esse documento — conta Áurea.
A entrega na comunidade da Zona Sul foi singela, apenas sete matrículas de 2021 até maio deste ano, segundo os dados da SMHARF. Entretanto, cumpriram o papel de socializar estas famílias que não possuíam uma garantia legal sobre suas propriedades.
Comunidades podem se organizar para obter a documentação
Secretária adjunta da SMHARF, Simone Somensi conta que qualquer grupo organizado de moradores pode buscar a prefeitura para consultar a viabilidade de concessão das matrículas.
A própria prefeitura tem equipes em trabalho constante de pesquisa e sondagem de áreas da cidades que podem ser incluídas legalmente como parte habitada do município. As limitações são áreas que têm algum empecilho jurídico ou ambiental, por exemplo, além das áreas de risco.
— Entretanto, quando já se tem o entendimento de que essas famílias vão permanecer no espaço, a prefeitura é parceira na busca pela regularização fundiária — cita Simone.
A secretária explica que a regularização traz vantagens como a implantação de estruturar mínimas nos locais, de água, energia elétrica, drenagem pluvial e esgotamento sanitário.
Além disso, outros setores vão sendo qualificados, como pavimentação, iluminação e transporte público:
— Esse processo traz garantias, que mesmo não implantadas imediatamente, são firmadas em termo de compromisso de que isso vai ser feito.