Um ano e nove meses depois, o cenário é bem diferente no Loteamento Irmãos Maristas, no bairro Mario Quintana. O local recebeu maioria das famílias reassentadas da Vila Nazaré, que ficava numa das cabeceiras da pista do aeroporto de Porto Alegre. Os prédios estão com apartamentos ocupados, carros nos estacionamentos e transporte coletivo circulando. Nas casas entregues para pessoas idosas ou com necessidades especiais, os puxadinhos são marca registrada. Poucos são os que não resolveram fazer um quarto adicional, uma cerca ou muro improvisado, ou até mesmo uma pequena área. O tamanho das unidades habitacionais – tanto das casas quanto dos apartamentos –, aliás, foi uma das reclamações mais ouvidas pela reportagem, que circulou pelo bairro na manhã da última quarta-feira (27).
A família de Ari Ribeiro de Lima Araújo, 31 anos, foi uma das primeiras chegar no Irmãos Maristas, em janeiro de 2019. Vieram ele, o pai e mãe. Outros três irmãos ganharam apartamentos no Maristas e também no Senhor do Bom Fim, o outro loteamento que recebeu moradores da Nazaré. Mas Maria Fernanda Ribeiro de Lima Araújo, 24 anos, não teve a mesma sorte. Funcionária de um hipermercado na Capital, ela teve a casa, que ficava no mesmo pátio da dos pais, demolida sem aviso prévio, com todos os móveis ainda dentro.
– Não sabíamos que iam derrubar a casa dela também quando saímos, achamos que era só a nossa – conta Francisca Ribeiro de Lima Araújo, 68 anos, mãe de Maria e Ari.
A solução encontrada pela família foi erguer um quarto nos fundos da casa no Irmãos Maristas. Ali, Maria divide espaço com o marido, que trabalha como promotor de vendas. O pai de Ari, Maria e dos outros três irmãos que vivem na Capital, faleceu em julho deste ano, em razão de um ataque cardíaco. Agora, dona Francisca toca o lar, acompanhada dos dois filhos e o genro.
– A casa é muito boa, o lugar também, gostamos muito de morar aqui. Tivemos que aumentar um pouco, porque nunca vamos deixar um filho na rua – conta ela.
Por mais que tenha começado a receber moradores há quase dois anos, o Irmãos Maristas ainda tem muito de uma obra inconclusa. Parte da ruas de acesso estão fechadas. Na parte mais alta, muros ainda isolam vários prédios que seguem sem moradores. Na Rua Lucas Espindola, uma obra pública parece ser a primeira que será entregue a comunidade nestes quase dois anos. É uma escola infantil, praticamente pronta. A previsão é de que os trabalhos sejam concluídos ainda em novembro. Outras promessas, como uma delegacia da Polícia Civil, uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e um centro de reciclagem, ainda não tiveram obras iniciadas.
Outro ponto que incomodou moradores foi a demora na entrega das chamadas áreas comerciais. Moradores da Vila Nazaré que comprovaram ter renda a partir de um próprio negócio ganharam lojas nos novos loteamentos. Os espaços, entretanto, começaram a ser entregues somente há cerca de um mês, conforme a Secretaria Municipal de Habitação e Regularização Fundiária (SMHARF). Nesse tempo, teve gente que não conseguiu esperar. É o caso da comerciante Clair da Silva Melo. Juntando as economias e vendendo o carro de uma filha, ela reabriu o comércio no Irmãos Maristas. Entretanto, diz que a prefeitura já a avisou diversas vezes que a obra é irregular. Clair usou o espaço onde deveriam estar o pátio de duas casas para fazer o comércio.
– Querem que a gente espere dois anos sem nada. Tenho dois filhos especiais, só o custo com os tratamentos para eles já é alto. Não temos como ficar sem nenhuma renda por tanto tempo – pontua ela, que trabalha com mercado há 30 anos.
A padeira e confeiteira Márcia Gonçalves Vieira, 41 anos, recebeu um dos espaços comerciais construídos pela prefeitura há um mês. Ela diz que o local é pequeno em relação à padaria que possuía na Vila Nazaré. Ainda em adaptação, Márcia tenta ajustar os equipamentos para produção dos pães.
– A infraestrutura aqui é muito melhor do que na Nazaré. Temos esgoto, água encanada, as ruas com asfalto, mas em questão de tamanho, realmente as casas são menores do que a gente tinha lá – pondera.
Na Vila Nazaré, a presença de galpões de reciclagem era cena comum na forma de sustento de algumas famílias. Entretanto, nos novos locais de moradia, o espaço para trabalhar é limitado. Moradores contam que existia uma promessa de implantação de um galpão de reciclagem na área, como recorda Helena da Silva Garcia, que mora no Irmãos Maristas com cinco filhos. Com isso, precisa dividir os dois quartos de seu apartamento. Ela dorme com uma filha, que é deficiente visual e auditiva. Enquanto três filhos dividem o outro quarto. Helena não gosta dos locais para onde a família foi enviada. Diz que na Vila Nazaré tinha uma residência com mais espaço para comportar a família. Diariamente, ela precisa se deslocar até o bairro Sarandi para trabalhar em uma reciclagem.
Uma outra filha sua, Kelly Garcia Teixeira, 24 anos, resolveu usar o pátio do bloco onde vive para a reciclagem. Segundo ela, houve discussão entre moradores sobre a separação de resíduos no local, mas Kelly se manteve firme.
– Tem pessoas que podem achar feio as sacolas com os recicláveis aqui. Mas é meu trabalho. Feio seria se a gente estivesse roubando – desabafa ela.
Conforme o secretário municipal de Habitação e Regularização Fundiária, André Machado, a construção de um galpão de reciclagem nunca havia sido oficialmente definida. Somente neste ano, em contato com moradores, o secretário soube da necessidade. Segundo ele, com apoio de parceiros privados e da empresa Fraport – que administra o aeroporto da Capital e ficou com o espaço onde era a antiga Vila Nazaré –, a obra poderá sair do papel.
– Temos uma área do município lá preparada para isso. A obra do galpão deve começar entre novembro e dezembro. Nossa expectativa é entregá-lo no início de 2022 – pontua André.
Outra promessa que os moradores da antiga Nazaré receberam era a possibilidade de UBS ser erguida no local. Os custos seriam bancados pela Fraport, que já custeou a construção da creche que deve ser entregue no próximo mês. Entretanto, o secretário André Machado pontua que as promessas feitas aos moradores na gestão anterior não foram oficializadas. O auxílio da Fraport no local foi em benfeitorias de diversas naturezas _ cerca de R$ 30 milhões investidos. Não estavam definidas as obras que seriam feitas. E com isso, o dinheiro já foi utilizado pela prefeitura em outros pontos do bairro.
– Buscamos junto aos nossos representantes em Brasília auxílio para a construção da UBS. São R$ 2,4 milhões para a obra. Conseguimos esse valor por meio de emendas parlamentares. A expectativa é de que a obra se desenrole durante o próximo ano. Com todos os trâmites da obra, o posto não deve ficar pronto antes de 2023.
Em relação a construção de uma delegacia no bairro, a prefeitura diz que segue em conversas com o governo estadual para saber se o projeto deve acontecer. Outros dois espaços públicos do loteamento seriam praças, que também não foram entregues. Conforme a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), uma das praças deve ter obras retomadas "o mais breve possível". Em outra, ainda não há previsão para isso.
O Irmãos Maristas têm 1.298 unidades, entre casas e apartamentos – mais de 930 famílias da antiga Nazaré foram para o local. Outras cerca de 360 foram para o loteamento Senhor do Bom Fim, também na Zona Norte.
A prefeitura também entregou ao Ministério Público (MP-RS) e Direcional Engenharia – construtora responsável pela obra do Maristas –, uma relação de problemas estruturais relatados pelos moradores. Na quinta-feira, houve uma audiência no MP-RS com participação da prefeitura para discutir a situação.