O Morro da Cruz começa a preparar o processo logístico para o recebimento das primeiras 50 caixas d'água nesta quarta-feira (16), uma iniciativa da prefeitura de Porto Alegre para tentar amenizar o problema nessa região do lado Leste da cidade. Mas a falta de infraestrutura pode tornar mais difícil a missão de garantir o abastecimento às famílias dessa localidade, especialmente em áreas onde o fornecimento é mais irregular.
— Temos uma situação gravíssima no Morro da Cruz — reconhece o prefeito Sebastião Melo, projetando que o problema da falta de água só deverá ser resolvido daqui a três ou quatro anos.
Em um primeiro momento, prefeitura, entidades e a comunidade local priorizam regularizar o fornecimento de água. Mas ainda há gente com as torneiras vazias em casa.
— Nossa luta é pela água na casa das pessoas. Voltou um pouco, mas a água está fraca — afirma Any Moraes, uma das líderes da Comissão de Moradores do Morro da Cruz.
Segundo relatos dos integrantes da comissão, cerca de 400 famílias permaneciam desabastecidas na região de Altos da Escola e outras 200 na área da Ocupação Baliza. De acordo com Angela Comunal, outra representante do grupo, existem moradores há mais de 30 dias sem água em alguns pontos. Conforme estima, aproximadamente 100 mil pessoas vivam no Morro da Cruz atualmente.
— Vamos decidir com todas as partes envolvidas a questão da logística de entrega das caixas d’água e o suporte para enchê-las. Em algumas ruas, os caminhões-pipa não conseguem entrar. Precisamos de 550 caixas d’água na região Leste — calcula, o que elevaria em mais de 10 vezes o número de reservatórios que a prefeitura pretende distribuir na primeira leva.
Tem uma senhora que precisa pagar R$ 20 para as crianças irem buscar água em um lugar distante de sua casa para ela ter o que beber
DAIANE SEVERO
Integrante da Comissão de Moradores do Morro da Cruz
Essas primeiras 50 caixas d'água serão direcionadas para a região do Altos da Escola, uma das mais atingidas pela falta de água, seguindo em direção das residências localizadas na parte mais baixa da área. Cinco bairros da Capital (Partenon, Vila São José, Vila João Pessoa, Coronel Aparício Borges e Santo Antônio) vivem, desde o último dia 10, situação de emergência decretada pelo prefeito.
Também há casos em que as caixas d’água existentes em algumas casas precisarão ser trocadas por serem pequenas, estarem quebradas e possuírem amianto em sua constituição, o que acarreta em riscos para a saúde.
— Tem uma senhora que precisa pagar R$ 20 para as crianças irem buscar água em um lugar distante de sua casa para ela ter o que beber — revela Daiane Severo, uma das integrantes da comissão.
Escolas no centro do problema
A Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Professora Judith Macedo de Araújo, localizada no bairro São José, enfrenta há muito tempo os problemas da falta de água no Morro da Cruz. O motivo vem desde 2019, quando a caixa d’água da escola foi interditada.
— Nos últimos três anos, a falta de água foi bastante frequente. No começo de 2022, a comunidade ficou 12 dias seguidos sem água, e nós, seis dias consecutivos — atesta a professora e coordenadora de turno Tatiana Camargo.
Há receio por parte dos professores da escola, que atende cerca de 1.050 estudantes, de que volte a faltar água em fevereiro.
— Na segunda-feira que vem (21) tem o retorno às aulas. Estamos sem problemas de água desde essa segunda-feira (14), mas, como não temos caixa d’água, quando falta da torneira, ficamos sem — relata a docente.
A Secretaria Municipal de Educação (Smed) informa que há uma força-tarefa para identificar os problemas de infraestrutura das escolas do município. A caixa d’água da Emef Professora Judith Macedo de Araújo está em análise, pois necessita de um projeto da estrutura que a sustenta. Esse problema envolve recursos que podem ultrapassar o valor máximo previsto para o repasse de verba extra. O diagnóstico da força-tarefa deve ser conhecido nesta quinta-feira (17).
Situação semelhante à da Judith Macedo de Araújo vive a Emef Morro da Cruz, situada no mesmo bairro. O estabelecimento passou por problemas de abastecimento de 4 de janeiro até essa segunda (14).
— Tivemos problemas de não conseguirmos encher nossas duas caixas d’água até segunda-feira (14), mas, agora, a água está subindo — garante o diretor da escola, Pedro Silveira.
O problema só não foi maior em função das férias dos alunos. Dessa maneira, o colégio pôde até distribuir água para a comunidade do entorno.
— Ficamos mais de 20 dias sem os reservatórios encherem, o que atrapalhou um pouco na limpeza e na faxina da escola. No verão sempre tem esse problema aqui, mas sofremos menos porque os estudantes estão em férias — observa o diretor.
Unidade de saúde enfrenta desabastecimento
A Unidade de Saúde Morro da Cruz, situada no bairro Partenon, também relata dificuldades com o abastecimento de água. O local tem intensa movimentação de pessoas diariamente em busca de atendimento.
— Há alguns momentos em que falta água, mas retornou nos últimos dias e não ficamos na dependência porque temos caixa d’água. O pessoal da comunidade que vem consultar reclama muito do problema na região — conta a recepcionista da unidade de saúde Veridiana Lúcia Laindorfe.
Os moradores também passam por apuros. Nessa terça-feira (15), os termômetros chegaram a registrar 32°C, com sensação térmica superior a essa marca. Ficar sem água, em momentos assim, é um suplício.
— Temos bastante problema de falta de água. Agora tenho água fraquinha em casa. Na semana passada, fiquei três dias sem. Precisei ir buscar em um poço aqui perto — cita o fotógrafo Juan Roblero, 73, que vive na Rua Santa Teresa, no bairro São José.
Prefeito diz que falta planejamento a longo prazo
De Brasília, onde trata da questão da ajuda federal para bancar a isenção de passagem de ônibus a idosos, o prefeito Sebastião Melo reconheceu a gravidade da situação da falta de água no Morro da Cruz.
— Temos o problema de abastecimento de água nessa região há bastante tempo. Reconheço que a falta de um planejamento a longo prazo atrapalhe as ações — avalia o prefeito.
Segundo Melo, o problema é mais amplo e se espalha por áreas próximas ao Morro da Cruz.
Temos o problema de abastecimento de água nessa região há bastante tempo. Reconheço que a falta de um planejamento a longo prazo atrapalhe as ações
SEBASTIÃO MELO
Prefeito de Porto Alegre
— Há 2 mil famílias que sofrem com a falta de água em uma área irregular ao lado do Morro da Cruz. Isso é fruto de ocupação irregular, o que não quero discutir. Onde há riscos, não podemos colocar água, e devemos avaliar com a Defesa Civil — diz.
O prefeito salientou que, a curto prazo e de forma emergencial, serão doadas as caixas d’água, ocorrerão melhoramentos no sistema, mudanças no abastecimento e cadastro das pessoas. Alguns dos entraves para a demora na resolução da adversidade é a presença de famílias em pontos altos do Morro da Cruz. As obras foram feitas nos anos 1980 e agora será necessário ampliar a estrutura de distribuição de água.
— Para atingirmos essas famílias, teremos de fazer uma nova caixa. Assim, bombearemos água da última para esta mais em cima — detalha Melo, destacando que obras na Rua Cristiano Fischer, que custarão de R$ 30 milhões a R$ 40 milhões, e em outras estações de bombeamento serão importantes para combater as dificuldades.
Em busca de soluções
Na tarde dessa terça-feira (15) ocorreu uma reunião entre representantes da comunidade e da prefeitura nas dependências da Emef Morro da Cruz, para a discussão de soluções. O secretário municipal de Habitação e Regularização Fundiária, André Machado, que está à frente da comissão, participou do encontro.
— Desde quinta-feira passada (10), o Departamento Municipal de Habitação (Demhab) vem fazendo o cadastramento das famílias no Morro da Cruz. A melhora no abastecimento ocorre a partir de soluções efetivas para essa região que, geograficamente, é de difícil acesso — relata o secretário.
Até a manhã desta quarta-feira (16), 594 cadastros haviam sido realizados. O cadastramento já foi finalizado nas regiões do Altos da São Guilherme, do Altos da Escola e no Beco das Pedras. Esses locais serão revisitados ao longo do dia. Trata-se de medida relevante para o poder público ter uma ideia de quantas famílias necessitam de caixas d’água.
O Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) começou a análise topográfica da região afetada para a instalação da rede e de reservatórios de água. Segundo o diretor-geral do Dmae, Alexandre Garcia, já houve uma melhora do sistema de bombeamento.
Conforme o coordenador adjunto da Defesa Civil municipal, Fabrício Gonçalves, o problema se agravou em função da estiagem. Com as caixas d’água, será possível abastecer os locais com caminhões-pipa, salienta.
O Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul (Senge RS), que auxilia os demais órgãos, realizou uma vistoria no sábado (12) no Morro da Cruz, onde verificou que há redes clandestinas, ocupações irregulares, crescimento populacional na região, problemas de falta de redes públicas em algumas áreas e limitações de energia elétrica, que necessita de ajustes.
— Estamos identificando os locais para receberem as caixas d’água. Também prestamos auxílio técnico gratuito para as pessoas, porque há casas que nem podem receber caixas d’água — conclui o presidente do sindicato, Cezar Henrique Ferreira, salientando que 15 caixas d’água podem ser doadas à população do Morro da Cruz pelo Senge.