Com calor em torno de 40°C ao longo de vários dias em janeiro, Porto Alegre se viu em um cenário contraditório na comparação com cidades menores neste verão. Enquanto municípios do Litoral e da Região Metropolitana contam com parques aquáticos para unir lazer e refresco do verdadeiro maçarico que se tornou o sol nesses tempos, a Capital, com mais recursos e população, é um deserto para esse tipo de empreendimento. Por que isso acontece?
Para o diretor de Parques Temáticos, Aquáticos e Atrações Turísticas, Hotéis e Resorts da Associação das Empresas de Parques de Diversões do Brasil (Adibra), Paulo Kenzo, paulista representante de 16 estabelecimentos do tipo no país, a especulação imobiliária foi responsável por tirá-los dos grandes centros urbanos em nível mundial. Usando como exemplo São Paulo, ele afirma que a necessidade de grandes terrenos faz com que as áreas de lazer com piscinas acabem sendo cobiçadas por construtoras que disputam as regiões nobres de cada cidade.
— Nos grandes centros urbanos, o terreno é mais caro do que fora deles. E qualquer tipo de lazer sem incentivo fiscal acaba ficando mais caro de sustentar. As melhores localizações sofrem pressão imobiliária, mas isso abre oportunidades. Um parque aquático ajuda muito no desenvolvimento turístico de um município menor que saiba investir — pondera.
Em Porto Alegre, antes de assumir a gerência do Itapema Park em Alvorada, Luciano Lucardo administrava o Porto Alegre Park, na zona sul da Capital, fechado em 2015. Na visão dele, especialista no ramo desde 2010 e com trabalhos em outras regiões do país, como Sudeste e Nordeste, as capitais oferecem estruturas semelhantes em clubes e condomínios. Os parques aquáticos em regiões metropolitanas ou no Interior, por sua vez, atraem um público distinto, também motivado a viajar para ter seu lazer fora do local onde vivem.
— As pessoas acabam tendo um clube preferido ao longo da vida. Antigamente, prédios residenciais também não tinham piscinas, mas hoje é mais comum. O shopping também se consolidou como opção de passeio na cidade maior — justifica o responsável pelo Itapema Park.
Negócio voltou a compensar com calor, mesmo sob pandemia
Alternativa para uma fuga refrescante a poucos quilômetros de Porto Alegre durante o verão, os parques aquáticos da Região Metropolitana veem a queda de receita dos últimos dois anos começar a ser revertida em 2022. As altas temperaturas proporcionaram público recorde na virada do ano, e nem a alta nos contágios da covid-19 impediu o movimento acima da média ao longo do janeiro de calorão histórico.
— Voltou a compensar. Vimos isso desde novembro, que teve grande movimento nos feriados: as pessoas vieram sedentas por um passeio e lazer ao ar livre. A chuva no começo de dezembro atrapalhou, mas janeiro começou melhorando a situação — explica o gerente Luciano Lucardo — Teremos que ser criativos no inverno para seguir nessa crescente — projeta.
Os dois anos de pandemia afetaram diretamente a alta temporada de verão dos empreendimentos consultados pela reportagem. Ainda que entre novembro de 2019 e fevereiro de 2020 e no mesmo período entre 2020 e 2021 — os quatro meses mais lucrativos de cada ano — a taxa de contágio e internação não estivessem impedindo a população de buscar lazer, desde a reabertura dos parques, em outubro de 2020, a quantidade de pessoas permitidas nos espaços era menor do que a ideal para fazer o negócio ser rentável.
— O primeiro protocolo permitia 25% da capacidade máxima de 4 mil pessoas. A partir de janeiro de 2021, reduziu ainda mais, para 725 pessoas, por ser o mesmo protocolo de eventos em lugares fechados — relembra Fábio Edgar, gerente do Parque das Águas, em Viamão, que comemora a melhora no verão 2022. — No Natal e no Ano-Novo, lotamos os 75% que são permitidos atualmente, tivemos que fechar os portões. Foram duas datas especiais.
Mesmo antes da pandemia, quando o verão e as férias escolares terminam, as equipes de funcionários dos parques sofrem uma redução de 40 para 10 pessoas, em média. Assim, os invernos com alta de circulação do vírus no Rio Grande do Sul não foram tão sentidos pelos empresários. No entanto, a esperança de uma população cada vez mais vacinada para superar a onda da variante Ômicron faz Luciano e Fábio fazerem planos para seus parques.
— Entre fevereiro e março, mesmo sem a temperatura excepcional de janeiro, esperamos de 500 a mil pessoas por dia mesmo durante a semana, pois as promoções atraem bastante gente. Temos uma estrutura segura e pretendemos fazer eventos, festas e shows em nosso estacionamento — comenta o responsável pelo Parque das Águas.
— Estamos estudando a construção de um espaço equipado como um clube, mais exclusivo dentro do parque. Queríamos já ter feito isso em 2021, mas a pandemia e outras negociações envolvendo a gestão acabaram atrasando isso — revela Luciano, sobre suas ideias para o Itapema Park.
Excursões escolares sumiram
O principal prejuízo ao longo dos últimos dois anos, além da redução da capacidade dos parques com a pandemia, foi o sumiço das excursões escolares, apontam os empresários.
— Em novembro e dezembro antes da pandemia, a receita era de cerca de R$ 50 mil nos dois meses — contabiliza Luciano, com planos para diversificar os ganhos nos meses de baixa temporada. — Buscamos agora, como alternativa, um projeto para levar escolas também durante o inverno, criar uma renda constante com atrações e hospedagem em cabanas ao longo deste ano.
A vinculação do parque aquático com hospedagem é uma tendência nacional para 2022. Assim como Luciano e o Itapema Park, a Adibra vê com otimismo o cenário estadual a curto prazo. O diretor da entidade, Paulo Kenzo, menciona estruturas desenvolvidas em Gramado e Santa Maria que reúnem lazer aquático para diferentes idades no mesmo local, com possibilidade de pernoite.
— Estamos em um momento de criação de novos parques aquáticos, muito devido ao desenvolvimento de destinos a partir das estruturas na cidade. As temperaturas no Brasil são interessantes para isso. E onde não são, como no Sul, se cria demandas turísticas ou se investe em piscinas cobertas e termais, onde a temperatura interna é a mesma confortável o ano todo — comenta.
Alta temporada promissora
Depois de um janeiro com 14 dos 31 dias marcando sensação térmica próxima dos 40°C no Estado, fevereiro começou parecido para os dois parques que dividem a BR–118. A menos de 40 minutos de carro do Centro de Porto Alegre, o Parque das Águas e o Itapema receberam, cada um, cerca de 1,5 mil pessoas ao longo do feriado de Nossa Senhora dos Navegantes, nesta quarta-feira (2). Os empresários olham com otimismo para este 2022.
— Venho desde que fundaram o parque, e sou sócio vitalício, então, seguirei vindo sempre — garante Pedro Vargas, aposentado de 60 anos e morador de Porto Alegre, que aproveitava a sombra de uma bananeira em uma das 24 piscinas do Itapema Park com mais oito familiares. — O melhor é vir em dia de semana, porque aí é tudo mais tranquilo e o espaço fica só para nós — complementa.
Em ambos os parques, a grande maioria dos clientes estava sem máscaras desde a descida dos carros, nos estacionamentos, até os espaços de lazer nas piscinas, apesar de avisos nas paredes das bilheterias lembrarem a necessidade da prevenção à covid-19. A queda no número de internações e mortes decorrentes do contágio por coronavírus são o que os gestores esperam ver se confirmar nas próximas semanas para que o negócio siga lucrativo no restante do verão e ao longo do inverno.
Clube Parque das Águas
A entrada do Clube Parque das Águas, no km 36 da RS-118, é bem sinalizada por um pórtico de cerca de 15 metros de altura. Figuras de sereias e golfinhos em volta de uma representação de Poseidon anunciam que os 11 hectares de área construída atrás delas oferecem opções de piscinas para todas as idades e todos os níveis de adrenalina. Dois toboáguas com cerca de 20 metros de altura tinham filas que variavam entre duas e seis pessoas cada esperando para subir por volta das 14h. Um terceiro estava desativado por falta de manutenção, e um quarto começou a operar cerca de meia hora depois, também acumulando pessoas nas escadas que levavam até as duas plataformas onde a descida escorregadia começava.
A descida com boia por dentro dos canos vermelhos dura em média 15 segundos. Um cartaz mostra as regras de segurança, peso máximo e altura mínima escritas ao lado da entrada dos brinquedos. Crianças, jovens e adultos se acomodam no equipamento inflável cedido pelo parque e desfrutam da gravidade que os leva até o tchibum — eventuais gritos de euforia dados no percurso ou na chegada à piscina são ouvidos na outra extremidade do túnel.
— Metade desiste quando chega aqui em cima — comenta um funcionário no local, antes de segurar a boia para que o corajoso Kauê, sete anos, se posicionasse. Falante e surpreso com a vista das quatro piscinas, mas mais atento ao fluxo de água à sua frente do que às perguntas do repórter.
Além das descidas radicais, quatro piscinas têm profundidade e atrações infantis. Uma espécie de playground com castelinho e escorregador para crianças subirem e a sombra à beira da água é a combinação que atraía pelo menos oito casais com seus pequenos. Ao lado dessa, outra piscina, com duas estruturas sendo suporte para dois baldes gigantes. Articulados no alto de uma espécie de torre de caixa d’água, recebiam uma carga do líquido refrescante e o despejavam na piscina periodicamente, fazendo barulho e a alegria de quem esperava os segundos de amostra de cachoeira.
Além dos toboáguas, há 10 quiosques com churrasqueiras pagas — o aluguel de cada um custa R$ 80. Outra centena de churrasqueiras a céu aberto sem custo, uma piscina com ondulação simulada que imita praia com guarda-sóis posicionados sobre o chão pintado com cor de areia completam o cenário. Ali, com o movimento da maré na beira e uma onda de concreto com uma estátua de surfista dentro, cerca de cem pessoas se refrescavam como se estivessem no Litoral com profundidade máxima de 1,80 metro, com água transparente e de temperatura agradável, sem correntezas nem águas vivas.
O preço do ingresso diário varia entre R$ 34,90, para crianças de dois a 10 anos, e entre R$ 44,90 e R$ 80, dependendo do dia da semana, para adultos. A joia de associação é vendida a partir de R$ 1.990 por família no prazo mínimo de dois anos — essa modalidade dá acesso ao parque de Viamão e à matriz, em Farroupilha, na Serra. Segundo a administração, 7 mil títulos de sócios estão aptos, garantindo as duas estruturas o ano todo com isenção de ingresso e estacionamento. O comércio de bebidas e alimentos dentro do parque é feito por quiosques que cobram à parte, sendo proibida a permanência na área de piscinas enquanto algo é consumido.
Itapema Park
A entrada do Itapema, cinco quilômetros ao norte do Parque das Águas, na mesma rodovia RS-118, tem dinossauros de concreto ao lado da estrada, porém a bilheteria e o acesso ao parque ficam alguns metros para dentro do terreno. Com área maior, a mesma quantidade de clientes ficava menos aglomerada, ainda que a imensa maioria sem máscaras. A maior diferença no ambiente era uma música de fundo, veiculada pelo próprio parque, além de mais opções de piscinas menores para prática de vôlei na água — apelidado de “biribol”. Os toboáguas, escorregadores em castelinhos infantis e baldes aéreos se repetem, porém, cada atração fica em uma piscina maior separada.
Ao fundo dos 15 hectares de área construída com cinco churrasqueiras alugáveis a R$ 100 e outras 200 espalhadas em meio à vegetação, uma espécie de ginásio com duas piscinas térmicas recebia cerca de 30 pessoas, mesmo com o termômetro passando dos 30°C do lado de fora.
Um espaço com piscina exclusiva e quiosque para churrasco é alugado por R$ 500 a diária. A modalidade é embrião do que o empresário Luciano Lucardo quer fazer ao longo do próximo inverno: um local para sócios exclusivos dentro do parque.
O terreno conta ainda com um lago com pedalinhos, onde Luciano quer erguer pilares que sustentem uma tirolesa. Essa e outras obras de melhorias devem ocorrer ao longo de 2022, se o ritmo dos negócios seguir como está nessas primeiras semanas do ano.
O passaporte diário também varia de preço mediante o dia da semana. Os valores vão de R$ 20 para crianças em dias úteis até R$ 60 para adultos aos sábados, domingos e feriados.