O asfaltamento da Avenida Padre Tomé e da Rua Sete de Setembro, vias originalmente construídas em paralelepípedo no centro de Porto Alegre e no entorno da Igreja Nossa Senhora das Dores, que é tombada em nível nacional, expôs mais um caso de divergência entre a prefeitura e órgãos responsáveis pelo patrimônio histórico.
Na segunda-feira (10), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tomou conhecimento da obra. Na terça (11), foi ao local fazer uma vistoria fotográfica.
O órgão afirma que não foi contatado previamente pelo Executivo municipal, como determina uma portaria nacional, e que ordenou a paralisação dos trabalhos. Em nota, explica que "notificou a prefeitura sobre a obra de asfaltamento da Avenida Padre Tomé, no Centro Histórico de Porto Alegre/RS".
"Lembramos que a referida avenida se localiza no Setor C1, entorno da Igreja das Dores, bem tombado em nível federal. Sendo assim, de acordo com o Art. 18 do Decreto-Lei nº 25/37, bem como em atendimento ao disposto nas Portarias IPHAN nº 420/2010 (SEI 3242029) e nº 187/2010, informamos que a obra deverá ser paralisada até que haja, por parte deste IPHAN/RS, análise e manifestação acerca da proposta de intervenção", continua a nota.
A portaria 187 de 11 de junho de 2010 prevê "multa de cinquenta por cento sobre o valor da obra irregularmente construída e demolição da obra", no caso de construções que impeçam ou reduzam a visibilidade da "coisa tombada", sem prévia autorização do Iphan.
O objetivo da pavimentação das vias do Centro Histórico é dar mais segurança a veículos e pedestres, de acordo com a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSUrb). Mas, desde sábado (8), a intervenção gera reclamações de alguns moradores da região e alertas de especialistas.
Urbanistas afirmam que se trata de uma alteração incorreta no calçamento próximo à Igreja das Dores. As obras devem ser concluídas com a pintura da sinalização nesta quarta-feira (12).
Moradores também questionam a pavimentação da rua. É mencionada a proximidade com a Igreja das Dores, patrimônio histórico nacional que poderia inviabilizar a troca de elementos tradicionais do entorno, já que o asfalto causaria perda estética em relação às pedras originais do calçamento.
Houve um pedido de informação sobre a obra à prefeitura, protocolado pelo vereador Leonel Radde (PT) na segunda-feira, alegando que a via não é considerada de grande fluxo nem de primeira importância para o tráfego de automóveis pesados. O Executivo argumenta que a própria Avenida Padre Tomé já tinha asfalto no trecho mais próximo à Avenida Mauá.
Segundo a portaria 483 do Iphan, de 6 de dezembro de 2016, "não será permitida a remoção das pavimentações tradicionais nos espaços públicos vinculados aos bens tombados, exceto em casos de conservação e restauro, quando poderão ter peças substituídas por outras com as mesmas características das existentes (material, forma, cor, tamanho etc.)".
O asfaltamento questionado pelos moradores ocorre, segundo nota da SMSUrb, para melhorar a circulação na região que receberá a nova sede da gestão municipal. A prefeitura se mudará do Paço Municipal para o antigo prédio da Habitasul, na esquina da Avenida Siqueira Campos com a Rua General João Manoel, e entende que o fluxo de automóveis aumentará consideravelmente nas quadras vizinhas. A pasta argumenta, ainda, que já havia pedaços de asfalto esburacado na Avenida Padre Tomé, trecho que foi corrigido com o trabalho desta semana.
"As ruas tombadas, nas quais não é possível fazer intervenções asfálticas, são a Andradas e Sepúlveda. Portanto, a Padre Tomé pode passar por manutenções como as que estão sendo feitas e são necessárias visto que, além das más condições e dos buracos, haverá a mudança dos servidores para nova sede administrativa do município, que será no antigo prédio da Habitasul, localizado na Rua Gen. João Manoel", explica trecho da nota da SMSUrb.
Novas adaptações na região
Além desses trechos, foi feita a renovação dos chamados "panos de asfalto" nas ruas Sete de Setembro e General Canabarro. O procedimento é parecido com a colocação de asfalto novo, porém as vias já tinham trechos do material entre os paralelepípedos, que foram completamente cobertos na segunda-feira.
O próximo local a receber cobertura asfáltica, segundo a SMSUrb, é a Rua General João Manoel, onde fica a nova sede da prefeitura da Capital. A Travessa Araújo Ribeiro, paralela à João Manoel em direção ao Gasômetro, terá sentido alterado para que automóveis possam transitar entre a Avenida Mauá e a Rua Siqueira Campos em ambas as direções, facilitando o acesso ao prédio da gestão municipal.
Análise de especialistas
O sociólogo, professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do RS (UFRGS) e especialista em planejamento urbano Eber Marzulo ressalta que cobrir paralelepípedos com asfalto tem efeito cultural. Segundo ele, a troca de elementos tradicionais em regiões de patrimônio histórico acarreta em dificuldades para a manutenção de uma identidade comunitária de pertencimento local.
— A prefeitura tem de estar nesses espaços históricos, acho isso positivo, mas não se pode alterar os elementos históricos desse local. Que façam a manutenção observando características e materiais da época, e que controlem o fluxo de circulação de automóveis em redor do novo prédio. Assim como o Paço Municipal funcionava sem ter grandes vias em volta para estacionar, o novo local também pode ser assim, pois está sendo colocado em meio a diversos pontos históricos — analisa Marzulo.
Os aspectos físicos da diferença entre o piso original e o asfaltado são destacados pelo presidente estadual do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Rafael Pavan, que reforça a importância do respeito às normas estabelecidas pelo Iphan. A cobertura asfalta diminui a capacidade de absorção da água pelo solo, além de aumentar a temperatura na região:
— A portaria do Iphan vem de uma análise técnica que olha para um conceito de paisagem.
No ano passado, obras da prefeitura já haviam suscitado questionamentos de órgãos responsáveis pelos bens históricos. O Executivo decidiu fazer a pintura do Paço Municipal, do Mercado Público e do Viaduto Otávio Rocha sem comunicar a Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (Epahc) da Secretaria Municipal da Cultura.