Um ano e nove dias depois de, em discurso de posse, o prefeito Sebastião Melo prometer uma solução para o chamado Esqueletão, os 19 andares do Edifício Galeria XV de Novembro seguem com os tijolos, fios e concreto erguidos ainda nos anos 1950 no mesmo lugar.
— Ou os proprietários arrumam o prédio, ou ele virá para o chão. Assim não vai ficar — disse Melo, na ocasião.
As mudanças, no entanto, começaram a acontecer por dentro do edifício. Em vez de moradores, engenheiros da Universidade Federal do RS (UFRGS) realizam uma minuciosa análise de cada aspecto do emblemático imóvel do centro de Porto Alegre.
Desde a desocupação do prédio, em setembro de 2021, um grupo formado por 30 especialistas do Laboratório de Ensaios e Modelos Estruturais da UFRGS (Leme) coleta materiais no local para a realização de testes. Da resistência e durabilidade do concreto utilizado mais de 60 anos atrás até a possibilidade de oxidação do aço que sustenta a estrutura são revisados com tecnologia de ponta pelos engenheiros.
Eles esperam entregar um estudo que forneça informações suficientes para que a prefeitura decida o que fazer com o imóvel até abril. As hipóteses mais ventiladas são a de aproveitamento do edifício a partir da conclusão da obra ou demolição, por mais complexo que seja esse procedimento em uma área tão movimentada quanto o Centro Histórico, alertam as engenheiras responsáveis pelo projeto.
— Temos sempre a esperança de que tudo é recuperável, vamos com os melhores objetivos pensando na recuperação. Porém, é um prédio inacabado, exposto há décadas, um cenário diferente do que estamos acostumados a ver. Ainda que a engenharia encontre solução para tudo, nem sempre essa solução é viável em termos econômicos — pondera Luciani Somensi Lorenzi, doutora em Engenharia Civil, professora da UFRGS e Coordenadora do Instituto de Desempenho de Edificações (IDUFRGS), responsável pelo estudo.
Além da estrutura física, questões legais, como parâmetros de segurança contra incêndio e arranjo da construção em relação à força dos ventos no local, também têm peso no estudo. Técnicas de edificação e regras de segurança mudaram de maneira considerável nas últimas seis décadas, ressaltam as engenheiras.
— Cada pilar, viga, laje e escada são verificados para apontarmos quais os problemas e padrões de deterioração que o prédio tem, isso é importante para a prefeitura decidir se vai recuperar o prédio ou não — detalha a gerente operacional do projeto, a engenheira Paola Gorkos.
Paola, mestranda com pesquisas voltadas ao diagnóstico de problemas em construções e inspeções de infraestrutura com uso de drones, e sua equipe fizeram visitas semanais nos últimos três meses para revisar toda a construção. Nos primeiros dias de 2022, a frequência das visitas diminuiu, tanto por conta do período de férias quanto pelos contágios por covid-19 entre colegas.
O prazo previsto para o convênio entre UFRGS e prefeitura é de 13 meses, com 22 semanas de atividades técnicas. Para o secretário municipal de Planejamento e Assuntos Estratégicos, Cezar Schirmer, informou que já recebeu um relatório preliminar, mas não conclusivo.
— Já nos dá algumas indicações. E, nesse tempo que vai de janeiro a março, a prefeitura vai examinar a condução de qualquer uma das duas alternativas possíveis, seja a demolição ou sua reforma e conclusão. O estudo que a UFRGS vai nos entregar não é só estrutural, é também econômico, na medida em que vai avaliar o custo da demolição e da conclusão — explica.
Retrato do abandono
Em uma visita à Rua Marechal Floriano Peixoto no começo da tarde desta segunda-feira (10), a reportagem de GZH encontrou os portões do prédio trancados com cadeados. Do lado de dentro era possível ver restos de vitrines das lojas que funcionavam no térreo e luzes acesas mesmo durante o dia. Do lado de fora, restos de cartazes e suportes para placas contrastavam com a fachada de lojas ativas nos dois lados da entrada desativada. Não havia sinais de presença dentro do prédio - seja no térreo ou nas janelas cuja observação era possível das calçadas no entorno do imóvel.
O lado social
Vendendo água a dois reais em um carrinho de supermercado na calçada oposta ao edifício, Maria, 54 anos, fala sobre sua situação e a de outros ex-moradores do local. Ela se queixa de atrasos recorrentes no repasse do aluguel social por parte da prefeitura. Os valores são utilizados por ela para pagar um apartamento na Rua Doutor Flores. A ambulante também reclama da forma como precisaram desocupar o imóvel.
— Já se passaram quatro meses e o prédio segue igual, nunca vejo ninguém fazendo nada aqui, e venho todos os dias. Acham feio? Arrumem. Que cadastrem as famílias que estavam ali dentro e cobrem aluguel e IPTU normalmente — argumenta a vendedora, que pediu para não ser identificada com o sobrenome.
A prefeitura atende as pessoas que deixaram o imóvel por meio de aluguel social com duração de 24 meses, a contar de setembro do ano passado. Assim como ela, outras 26 famílias deixaram o imóvel por determinação da Justiça.